O calor de Brasília, mesmo à noite, parecia opressivo. O ar pesado misturava o cheiro de cimento e terra úmida, o som distante de máquinas ainda ligadas ecoando no vazio. Francisco caminhava apressado, os passos rápidos esmagando as pedras soltas à beira do Lago Paranoá. A cada movimento, ele lançava olhares furtivos por cima do ombro.
Adriano já o esperava, sentado em uma pedra próxima à margem. Sua silhueta era iluminada apenas pela luz pálida da lua, que refletia nas águas calmas do lago.
— Pensei que não viria — disse Adriano, quebrando o silêncio.
Francisco parou a alguns metros, respirando fundo antes de responder.
— Não deveria ter vindo. É perigoso demais.
— Então por que está aqui?
Francisco hesitou. A verdade estava presa em sua garganta, uma mistura de desejo, medo e uma necessidade quase visceral de estar perto de Adriano. Ele se aproximou lentamente, até que seus olhos estivessem nivelados.
— Porque não consigo ficar longe de você.
A confissão pairou no ar por alguns segundos, e então Adriano deu um passo à frente. Seus dedos roçaram os de Francisco, e foi como se o mundo inteiro tivesse parado. O som das máquinas ao longe desapareceu, o calor se dissipou, e a única coisa que existia era aquele toque, tão breve e tão intenso.
Foi Francisco quem finalmente quebrou a distância. Ele segurou Adriano pela nuca e o puxou para um beijo. Não havia hesitação, apenas o desespero de dois homens que sabiam que aquele momento poderia ser o último. O beijo era furtivo, ansioso, mas também carregado de uma paixão que vinha sendo reprimida há semanas.
Mas então, o som de um carro ao longe. Luzes piscando. Francisco se afastou abruptamente, o coração disparado.
— Merda! — sussurrou ele, olhando na direção do carro de polícia que passava pela estrada próxima.
Adriano tentou se aproximar novamente, mas Francisco ergueu a mão, como se pedisse distância.
— Não podemos fazer isso aqui. Se alguém nos vir...
— Quem se importa com eles? — Adriano rebateu, a voz carregada de frustração. — Eu me importo com você, Francisco.
Francisco passou a mão pelos cabelos, os olhos fixos no chão.
— Você não entende. Não é só sobre nós dois. É muito maior do que isso.
Adriano estreitou os olhos, confuso.
— O que você quer dizer?
Francisco olhou ao redor, como se esperasse que alguém surgisse das sombras. Ele se aproximou novamente, desta vez com a voz baixa e tensa.
— Tem algo acontecendo no canteiro de obras, Adriano. Algo que não deveria.
— Como assim? — Adriano perguntou, cruzando os braços.
— Eu ouvi coisas... sobre o material que estão usando. Não é seguro. Os engenheiros sabem, mas estão empurrando pra frente porque o governo quer resultados rápidos.
Adriano arregalou os olhos.
— Você tem certeza disso?
Francisco assentiu.
— Tenho, mas não é só isso. Alguém percebeu que eu ando prestando atenção demais.
Adriano sentiu um calafrio subir pela espinha.
— Quem?
— Não sei exatamente, mas... — Francisco parou, como se as palavras fossem difíceis demais de dizer. — Eu sei que estão de olho em mim. E agora você também pode estar em perigo, só por estar perto de mim.
Adriano ficou em silêncio, tentando processar as palavras de Francisco. Ele sabia que a pressão no canteiro de obras era imensa, mas não imaginava que as coisas pudessem ser tão graves.
— Por que você não denuncia isso? — perguntou Adriano.
— Denunciar? — Francisco soltou uma risada amarga. — E perder meu emprego? Ser perseguido pelo resto da vida? Você acha que alguém vai acreditar em mim?
— Talvez não, mas...
— Não tem talvez, Adriano! — Francisco cortou, a voz subindo involuntariamente. Ele imediatamente se arrependeu, olhando ao redor novamente. Baixou o tom e continuou: — Eu preciso sair daqui. E você precisa ficar longe de mim.
Adriano balançou a cabeça.
— Você acha que eu vou te abandonar agora? Depois de tudo?
— Eu não quero que você se machuque — Francisco respondeu, a voz quebrando.
— E eu não quero te perder — Adriano rebateu, firme.
O silêncio entre os dois foi preenchido apenas pelo som das águas do lago batendo levemente contra a margem.
Francisco respirou fundo, finalmente encarando Adriano nos olhos.
— Eu tenho um plano. Vou juntar o que puder e ir embora daqui. Talvez pro Rio, ou quem sabe São Paulo. Mas eu não posso fazer isso sozinho.
Adriano franziu o cenho, tentando entender.
— O que você está dizendo?
— Estou dizendo que quero que você venha comigo.
O coração de Adriano disparou. Ele queria aquilo mais do que tudo, mas também sabia o que estava em jogo. Abandonar o trabalho, a vida que tinha começado a construir em Brasília, e tudo isso por um amor que, até aquele momento, existia apenas na clandestinidade.
— Francisco, eu...
— Não precisa me responder agora. Só pense. — Francisco interrompeu, segurando as mãos de Adriano. — Mas, por favor, seja discreto. Se alguém souber que estamos juntos, não sei o que pode acontecer.
Adriano assentiu, embora soubesse que as coisas não seriam tão simples.
Na manhã seguinte, no canteiro de obras, os olhares pareciam mais longos, mais inquisitivos. Francisco mantinha a cabeça baixa, mas sentia que estava sendo observado.
Adriano, por outro lado, começou a notar coisas que antes passavam despercebidas: conversas interrompidas quando ele se aproximava, olhares trocados entre os trabalhadores mais antigos.
Durante o intervalo, um dos supervisores, um homem chamado Ernesto, aproximou-se de Francisco.
— Você anda quieto ultimamente. Tudo bem?
Francisco sorriu forçado.
— Só o cansaço, Ernesto. Nada demais.
Mas o olhar de Ernesto era duro, quase acusador.
— Cansaço, hein? Pois é bom que continue assim. Não queremos ninguém metido onde não deve.
Francisco congelou, mas conseguiu manter a compostura.
— Claro.
Quando Ernesto se afastou, Francisco sentiu um aperto no peito. Eles sabiam. E agora, mais do que nunca, precisava agir rápido.
Naquela noite, Francisco e Adriano se encontraram novamente, mas a tensão entre eles era palpável.
— Você precisa decidir, Adriano. — Francisco disse, os olhos fixos nos de Adriano. — Eu não posso ficar aqui mais tempo.
— E se der tudo errado? — Adriano perguntou, a voz carregada de incerteza.
— Já deu errado, Adriano. O que temos agora é uma chance de consertar.
Adriano queria dizer sim. Queria largar tudo e fugir com Francisco. Mas ele sabia que isso significava abandonar não apenas um emprego, mas também sua identidade, sua história.
O silêncio se prolongou até que Francisco segurou o rosto de Adriano com as mãos.
— Seja o que for, eu só preciso saber que você está comigo.
Adriano fechou os olhos, sentindo o calor das mãos de Francisco.
— Estou com você.
E com essas palavras, selaram não apenas um acordo, mas uma promessa de enfrentar o que quer que viesse pela frente.
Os dias seguintes foram uma mistura de esperança e tensão. Francisco começou a guardar o pouco dinheiro que tinha, enquanto Adriano elaborava uma desculpa para deixar o canteiro de obras.
Mas Ernesto continuava observando, e os sussurros pelos corredores indicavam que algo estava prestes a acontecer.
A cada passo que davam em direção à fuga, o perigo também se aproximava. O calor de Brasília parecia intensificar a pressão, não apenas no trabalho, mas também nos corações daqueles dois homens que ousavam desafiar o mundo por um amor proibido.