Como eu disse antes, aquele dia havia me mudado de maneiras que, na época, eu não podia compreender por completo. Foi naquele dia que a escolha da minha profissão começou a se formar, ainda que de maneira inconsciente. E, talvez mais importante, foi também naquele dia que algo dentro de mim começou a se revelar, como um reflexo de quem eu realmente era, ainda escondido nas sombras da infância.
Depois do incidente com Lara, senti um peso no coração que não consegui ignorar. Ela estava visivelmente abalada, mas, ao mesmo tempo, confiava em mim de uma forma que me fez querer protegê-la mais do que nunca. Levei minha amiga até um mercadinho próximo à escola e, com o pouco dinheiro que tinha no bolso, comprei para ela as frutas que haviam sido esmagadas. O alívio e a alegria que iluminaram seu rosto quando lhe entreguei o saquinho de uvas foram suficientes para fazer valer cada centavo.
Lara me olhou de um jeito que nunca esquecerei, com seus olhos brilhando de admiração, e disse com uma doçura quase tímida:
— Você sabe como resolver qualquer problema, Léo.
Aquele elogio me atingiu como um abraço invisível. Lara era reservada e não gostava de muito contato físico, então, quando ela me abraçou logo em seguida, senti que aquele gesto tinha mais significado do que qualquer palavra poderia traduzir. Ela estava feliz. Ela estava em paz. E, por um momento, eu também estive.
Quando voltamos à escola, as coisas ficaram mais fáceis graças à tia Dulce, que sempre cuidava da cantina com um sorriso no rosto e um coração generoso. Expliquei o que havia acontecido, e ela, sem hesitar, me deixou entrar na cozinha para lavar cada uva, uma por uma, com o máximo de cuidado. Enquanto eu estava ali, com as mãos molhadas e o som da água correndo na pia, senti os olhos dela me observando com uma mistura de ternura e nostalgia.
— Eu queria ter tido amigos assim na minha adolescência — disse ela, sua voz carregada de um tipo de saudade que parecia vir de longe.
Aquelas palavras ficaram comigo. Elas me fizeram perceber que, mesmo com minha pouca idade, eu podia fazer diferença na vida de alguém. Não era apenas sobre Lara; era sobre como pequenos atos de bondade podiam mudar um dia, talvez até uma vida.
O resto do dia transcorreu de maneira tranquila, quase como se o incidente com Lara nunca tivesse acontecido. Fiquei pensando em como ela havia se acalmado e em como eu poderia ter feito mais por ela. Quando voltei à sala de aula, ainda com os pensamentos dispersos, me vi perdido em uma explicação de matemática. A professora falava sobre um novo método para resolver equações, mas minha mente vagava.
A sala de aula tinha uma energia estranha naquele dia. Era como se todos estivessem mais agitados do que o normal. Talvez fosse por conta do trabalho em dupla que a professora de português havia pedido, algo que claramente deixava alguns alunos nervosos e outros empolgados. Lembro de olhar em volta e ver colegas trocando ideias, alguns rindo, outros preocupados. O calor do início da tarde fazia o ar parecer pesado, e as janelas abertas deixavam entrar o som distante de carros e pássaros.
Eu tentava me concentrar, mas minha mente insistia em me lembrar de que, ao final do dia, eu precisaria ir à casa de Miguel para trabalhar naquele projeto. Era uma tarefa simples, mas a ideia de passar tempo com ele, depois de todo o histórico de provocações e brigas, não me deixava confortável.
Quando o sinal tocou anunciando o intervalo, me mantive afastado. Passei o tempo com Lara, que, ainda que mais tranquila, preferiu um canto mais isolado do pátio. Sentados sob uma árvore, conversamos sobre coisas banais, e por um momento esqueci o peso que estava carregando.
As horas passaram rápido, e, ao final do dia, tudo parecia sob controle. Lembro-me de me despedir de Lara enquanto ela ia para casa, sorrindo timidamente ao me agradecer mais uma vez pelo que eu tinha feito. Fiquei parado no pátio, próximo ao bebedouro, esperando Miguel. O sol já começava a ficar mais forte, se aproximava da hora do almoço e o movimento de alunos indo embora diminuía aos poucos.
Foi nesse momento que a vi. A garota que havia esmagado as frutas de Lara caminhava pelo pátio com um sorriso debochado no rosto. Algo em mim explodiu. Não consegui me segurar e fui até ela, minhas mãos tremendo de raiva.
— O que passou pela sua cabeça mais cedo? Por que você fez aquilo com a Lara? — perguntei, minha voz mais firme do que eu esperava.
Ela me olhou de cima a baixo, como se estivesse analisando se valia a pena me responder. Com um tom cheio de desdém, disse:
— Não é da sua conta. Eu faço o que eu quiser.
Aquilo me irritou ainda mais.
— Não é da minha conta? Aquilo foi errado! Você sabia o quanto ela se importa com aquilo, sabia o que estava fazendo!
Antes que ela pudesse responder, outra voz surgiu. Uma garota se aproximou dela. Era a mesma que eu havia visto beijando Gustavo outro dia. Ela olhou para mim com um sorriso de quem já tinha algo planejado.
— O que tá acontecendo aqui? — perguntou, cruzando os braços.
Eu estava furioso. Nem pensei antes de responder:
— Não é da sua conta, fica fora disso.
Ela ergueu as sobrancelhas, claramente se divertindo com a situação.
— Vou me meter sim. Minha amiga não vai ficar ouvindo desaforo de viadinho.
A palavra me atingiu como um soco no estômago. Foi a primeira vez que alguém me chamou assim. Não entendi. Nunca tinha me perguntado se eu era gay ou algo do tipo. Nunca tinha parado para pensar. Mas aquela palavra, dita com tanto veneno, me fez sentir pequeno, exposto, como se houvesse algo errado comigo.
Olhei para Gustavo, que estava parado a alguns metros de distância. Ele viu tudo, ouviu tudo. Mas não fez nada. Apenas ficou ali, imóvel, como se a cena não lhe dissesse respeito. Meu peito se apertou ainda mais.
Antes que eu pudesse reagir, Miguel apareceu. Ele colocou a mão no meu ombro e perguntou o que estava acontecendo. A menina que tinha me insultado não disse mais nada, mas Miguel a encarou com uma expressão séria.
— É melhor tomar cuidado com o que fala — ele disse, com a voz fria.
Miguel me puxou para longe dali, afastando-me daquele lugar sufocante. Enquanto caminhávamos, ele lançou um último olhar para Gustavo. Era um olhar de reprovação, de decepção.
E Gustavo continuou parado, sem dizer uma palavra.
Me lembro exatamente de como me senti naquele dia, uma sensação de inferioridade que parecia me engolir aos poucos, como se uma grande sombra tivesse se abatido sobre mim. A pior parte de tudo foi perceber que meu irmão não fez nada. Ele simplesmente ficou ali, parado, observando tudo acontecer com aquele olhar vazio. Será que ele gostava tanto daquela menina? E se gostava, o que ele sentia por ela? Será que o que ele sentia por ela era maior do que o amor que dizia sentir por mim? Eu não sabia responder, mas uma dor sufocante tomava conta de mim, como se meu peito estivesse se comprimindo a cada pensamento.
Era como se uma coisa invisível estivesse presa na minha garganta, uma pressão que não me deixava respirar direito. Eu queria gritar, mas as palavras não saíam. As lágrimas começaram a ameaçar, mas eu as segurei com todas as forças, com medo de que, se começassem a cair, não conseguiria parar. A sensação de vulnerabilidade era esmagadora. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior, mas Miguel não me deixou ir sozinho. Ele estava ali, ao meu lado, me puxando pelo braço com uma força suave, quase protetora, como se soubesse que, se ele me soltasse, eu ficaria ali, perdido, parado no meio da rua, sem saber o que fazer ou para onde ir.
Caminhamos assim por uns cinco minutos, o silêncio entre nós dois pesado, interrompido apenas pelo som dos nossos passos ecoando pela rua deserta. Era uma rua tranquila, com casas antigas e árvores alinhadas, cujas sombras se estendiam pela calçada. O vento, leve, agitava as folhas secas pelo chão, e o ar parecia denso, como se até o clima soubesse que o momento era difícil. Eu sentia a rua se alongar, como se ela nunca fosse acabar, como se eu estivesse preso no tempo, fugindo sem realmente saber para onde.
A casa de Miguel ficava logo ali, a alguns passos, mas parecia estar a quilômetros de distância naquele momento. Ela era simples, uma construção de tijolos aparentes e uma porta de madeira envelhecida, que parecia já ter visto muito. Miguel só soltou meu braço quando paramos em frente ao portão. Ele não me disse nada, mas seu olhar foi o mais sincero que já vi. Pela primeira vez, ele me olhou nos olhos, e foi como se eu fosse arrancado da minha dor por um segundo.
Miguel tinha aqueles olhos castanhos, profundos e calmos, como se tudo ao seu redor fosse apenas uma tela em branco e ele tivesse total controle sobre o que acontecia. Ele era o tipo de pessoa que parecia carregar uma segurança silenciosa, e naquele momento, seus olhos estavam cheios de algo que eu não sabia identificar — preocupação, talvez. Mas ele não disse nada sobre o que eu estava sentindo. Em vez disso, ele apenas me olhou e, com a voz baixa, disse: "Eu sei que você está triste. Sei que precisa de um tempo, mas talvez fosse melhor passarmos a tarde fazendo o trabalho, do que voltar para casa e encarar seu irmão agora. O que você acha?"
Eu fiquei em silêncio, observando seus olhos por mais um instante. Eu nunca tinha realmente prestado atenção nos detalhes de Miguel. Seus cabelos, pretos e um pouco bagunçados, estavam penteados para trás, o que lhe dava aquele ar de garoto mal, talvez até um pouco rebelde. Ele estava usando uma jaqueta de couro surrada, que combinava com a calça jeans escura, e nos pés, um par de botas gastas, como se ele tivesse visto o mundo em cada passo que dava. Tudo nele parecia sugerir que ele era alguém com histórias para contar, mas ninguém sabia ao certo. Ele era mais alto que eu, provavelmente mais velho também, pois me parecia um repetente, com aquele jeito calado, distante, que guardava tudo para si.
A rua estava quieta, mas o meu coração parecia bater mais forte a cada segundo que se passava. Eu queria muito dizer algo, queria explodir, gritar para o mundo o que eu estava sentindo, mas, ao mesmo tempo, eu só queria ficar ali, parado, sem saber o que fazer com tudo aquilo que estava se acumulando dentro de mim. A ideia de voltar para casa e encarar meu irmão, com aquele sorriso vazio e aquele olhar distante, parecia insuportável.
Miguel não parecia esperar uma resposta imediata. Ele apenas me deu espaço, e naquele momento, eu sabia que ele estava me oferecendo o que eu mais precisava — silêncio. E foi naquele silêncio que, pela primeira vez, percebi que eu realmente não sabia nada sobre ele, nada de verdade. Aquele dia parecia ter aberto uma porta entre nós, uma porta que eu nunca soubera que existia, mas que, agora, parecia ser a única coisa que me fazia sentir alguma coisa além da dor.
Quando entramos na casa de Miguel, não pude deixar de perceber como tudo ali estava sempre tão perfeito, quase como se ele tivesse um ritual para garantir que nada saísse do lugar. Era tudo tão bem arrumado, tão organizado... A sala de estar tinha um toque moderno, com sofás macios e almofadas coloridas espalhadas de forma quase estratégica. A luz suave que entrava pelas janelas fazia o ambiente parecer acolhedor, e o cheiro de incenso misturado com café me dava uma sensação de calma, algo que eu não conseguia sentir em casa.
As paredes estavam decoradas com quadros abstratos, aqueles tipos de pinturas que tentam expressar uma ideia sem muito esforço, e, por mais que eu não entendesse muito bem, me passava uma sensação de tranquilidade. As estantes de livros estavam arrumadas com uma perfeição que me fazia sentir um pouco desconfortável, como se eu estivesse invadindo um espaço onde tudo tinha seu lugar exato.
Miguel, como sempre, não parecia nem um pouco preocupado com isso. Ele simplesmente foi direto para o quarto, sem dar a mínima para a bagunça que fez ao jogar a mochila no canto. Eu o segui, mais por instinto do que por vontade, e entrei no quarto dele. O ambiente era simples, mas com um certo charme. A cama estava perfeitamente arrumada, as almofadas alinhadas de maneira quase obsessiva. Eu não sabia por que, mas eu sempre tinha a impressão de que aquele quarto era um reflexo de quem Miguel era: prático, sem muito glamour, mas com algo de muito cativante.
Ele jogou a mochila no canto e se jogou no chão com um suspiro, como se estivesse tentando aliviar um peso. Pegou o controle do videogame, ligou a TV e, sem dizer uma palavra, fez um gesto para o puff ao lado dele.
— Vem, relaxa um pouco — disse, sem tirar os olhos da tela enquanto começava a mexer no jogo.
Eu hesitei por um momento, ainda com o peso do que acontecera na escola me apertando o peito. Mas, sem querer fazer mais perguntas, me sentei ao lado dele, tentando não parecer tão desconfortável. O ambiente estava silencioso, exceto pelos sons do videogame. Miguel começou a jogar, escolhendo algo aleatório, e eu o acompanhei, mais para tentar esquecer o que tinha acontecido do que por realmente estar interessado no jogo.
Ficamos ali jogando por algumas horas, sem trocar muitas palavras. Mas, aos poucos, comecei a perceber que Miguel parecia mais pensativo do que o normal. Foi quando ele fez uma pausa no jogo e, de forma inesperada, perguntou:
— Ei, aquela menina, a Sabrina... É verdade o que ela falou?
A pergunta pegou-me de surpresa. Então era esse o nome dela...
Eu fiquei sem graça, os pensamentos se embaralhando na minha cabeça. Eu queria desviar o assunto, mas não sabia como. Meus olhos evitaram os dele, e minha voz soou um pouco mais baixa do que o normal.
— Não — respondi, quase sussurrando.
Miguel parou por um instante, me olhando com uma expressão curiosa. Eu podia sentir que ele queria saber mais, então ele não deixou passar.
— Pode falar, se você for gay mesmo. Não precisa ficar com vergonha. Só diz — ele disse, quase com um tom de incentivo.
Eu não sabia como responder. A pressão estava aumentando, e eu não conseguia tirar da cabeça tudo o que tinha acontecido mais cedo, a sensação de ser incapaz de lidar com o que estava acontecendo entre mim e meu irmão. A pergunta de Miguel parecia ser só mais uma pressão sobre algo que eu ainda não tinha conseguido entender.
— Não é nada disso — falei, tentando desviar de novo, mas ele não deixou.
— Então o que é? — ele insistiu. — Você já parou pra pensar nisso? O que você acha de tudo isso?
Eu queria dizer qualquer coisa que me fizesse sair dessa situação, mas, no fundo, sabia que estava evitando um ponto importante. Eu nunca parei pra pensar, nunca me dei a chance de fazer isso. Então, depois de um tempo, eu finalmente falei, mais por impulso do que por vontade.
— Eu não sei... — comecei, sem saber o que dizer. — Nunca pensei sobre isso. Não sei nem o que eu sou, na verdade.
Miguel me olhou com mais intensidade agora, parecia que estava tentando me entender, mas sem pressa. Ele pausou o jogo, jogou o controle de lado e se virou para mim.
— Mas você já se sentiu... diferente? — ele perguntou, a voz mais séria. — Como você sabe que não é? Ou não tem certeza?
Eu estava ficando mais desconfortável a cada segundo. Olhei para ele, e uma parte de mim queria dizer que não, que era apenas uma fase, mas não era isso que eu estava sentindo. Eu não sabia como lidar com o que estava acontecendo. Então, com a voz baixa e hesitante, disse:
— Eu nunca pensei sobre isso. Nunca vi dois caras fazendo essas coisas... e tudo o mais. Não sei como é.
Miguel parecia pensar por um momento, depois fez algo que eu não esperava. Ele se levantou, foi até a prateleira do armário e puxou um DVD de uma gaveta secreta. Voltou e colocou o filme na TV, com uma calma inquietante.
— Acho que tem algo que pode te ajudar a entender melhor — ele disse, sem tirar os olhos da tela enquanto o filme começava a rodar.
Eu olhei para a TV e, quando a imagem apareceu, meu coração deu um salto. Era um filme erótico, e os protagonistas eram dois homens se beijando. Eu me senti paralisado, meu rosto queimando de vergonha. Nunca imaginei que algo assim fosse acontecer.
Miguel se aproximou, mais uma vez, com um olhar curioso.
— Tá com vontade de fazer alguma coisa, Léo? — ele perguntou, a voz baixa, mas com algo que eu não sabia identificar.
Eu não sabia o que responder. O desconforto tomava conta de mim, e meu corpo estava em um estado de nervosismo que eu nunca tinha experimentado antes. Minha mente estava a mil, tentando entender o que ele queria, o que eu sentia, mas a única coisa que eu sabia era que tudo aquilo estava muito além do que eu poderia controlar.
Miguel se aproximou ainda mais, e, de repente, eu pude sentir a intensidade do momento. Meu corpo todo ficou tenso, uma sensação de nervosismo me dominou. Eu não sabia o que fazer, o que pensar. Ele estava ali, tão perto, e seus lábios estavam tão próximos dos meus. Eu sentia meu coração bater mais rápido, quase como se ele estivesse tentando sair do meu peito. O cheiro de Miguel estava em todos os lugares, e eu não conseguia mais focar em nada além dele. A TV continuava exibindo aquelas imagens, mas meu olhar desviava constantemente para os lábios de Miguel, como se eles tivessem o poder de me hipnotizar.
— Se você tiver vontade, faz alguma coisa — ele disse, a voz suave, mas com algo de provocação. Seus olhos estavam fixos nos meus, e havia uma calma estranha no jeito como ele falou, como se ele soubesse exatamente o que estava acontecendo dentro de mim.
Eu queria responder, dizer algo, mas as palavras não saíam. Eu olhei para os seus lábios, e a tensão aumentava ainda mais. O calor em meu rosto se espalhou, e uma sensação estranha tomou conta do meu estômago. Eu devia estar confuso, mas parecia que tudo ao meu redor estava desvanecendo. Eu sabia que não conseguia mais resistir. A sensação de urgência me fez agir sem pensar.
Me aproximei um pouco mais e, sem entender direito o que estava acontecendo, toquei os meus lábios nos dele. Foi um toque rápido, leve, quase como se fosse uma dúvida, uma exploração. E, para minha surpresa, Miguel não se afastou. Ele retribuiu o beijo, mas de forma calma, sem pressa, como se já soubesse o que eu precisava, como se já soubesse o que estava acontecendo dentro de mim.
O beijo foi breve, mas intenso. Algo dentro de mim se mexeu, e eu não sabia o que era, mas não consegui afastar a sensação de que aquilo não poderia ser um erro, apesar de todo o medo e confusão que eu sentia. Quando nos afastamos, a realidade voltou a me atingir. Eu estava em choque, e minha mente estava um turbilhão. O que tinha acabado de acontecer? O que isso significava?
–Se quiser você pode fazer mais coisas igual ao vídeo – disse ele pegando minha mão e colocando em cima da sua calça.
Antes que eu pudesse dizer ou pensar em algo escutamos a porra da casa de Miguel se abrir e sua mãe fritar anunciando sua entrada, o que o fez tirar o DVD da televisão rapidamente e botar novamente no jogo.
— Se quiser, você pode fazer mais coisas igual ao vídeo — disse ele, pegando minha mão e colocando-a sobre sua calça.
O calor do toque dele se espalhou pelo meu corpo, e eu fiquei paralisado, sem saber o que responder. Mas antes que qualquer palavra saísse, ouvimos o barulho da porta da casa de Miguel se abrir. O som da chave girando e a voz de sua mãe anunciando sua entrada fez com que ele rapidamente tirasse o DVD da televisão e voltasse ao jogo. O ambiente, que antes estava carregado de tensão, se dissipou num instante, e o espaço entre nós, que parecia elétrico, se tornou, de repente, um vazio de palavras não ditas.
A casa voltou a ser silenciosa, e o momento constrangedor nos envolveu novamente. Miguel, com a mesma expressão tranquila de sempre, continuou como se nada tivesse acontecido. O jogo na tela parecia ser a coisa mais importante agora, mas na minha cabeça, tudo estava uma bagunça. Eu ainda sentia o calor da mão de Miguel sobre a minha, ainda sentia os lábios dele, ainda ouvia sua voz pedindo para eu fazer o que quisesse. Eu não sabia como lidar com isso. Não sabia o que aquilo significava.
O tempo passou em silêncio, enquanto as horas escorriam sem que nenhum de nós falasse sobre o que havia acontecido. O trabalho que começamos parecia irrelevante, como se tudo fosse uma desculpa para tentar ocupar nossas mentes. Mas mesmo assim, as palavras não saíam. Eu sentia o peso do silêncio entre nós, uma pressão constante no meu peito.
Quando a tarde finalmente chegou ao fim, eu percebi que estava na hora de ir embora. Minha mente ainda estava confusa, e o que havia acontecido naquele quarto parecia uma lembrança distante, mas muito vívida ao mesmo tempo.
— Amanhã eu vou estar sozinho de novo — Miguel disse, quebrando o silêncio. — Podemos terminar o trabalho.
Eu apenas concordei com um aceno, meu olhar fixo no chão, sem saber o que dizer, sem saber o que pensar. Eu sabia que algo havia mudado, mas não conseguia entender o quê.
Antes de sair, Miguel se levantou e foi até mim, puxando meu braço com um gesto firme, mas suave. Seu olhar encontrou o meu, e por um instante, o mundo ao redor parecia ter parado. Ele falou baixo, com uma seriedade inesperada:
— Não conta nada disso pra ninguém, tá? Pode ser nosso segredo.
Eu confirmei, engolindo em seco, tentando não deixar que a voz me traísse. Não queria que ele visse o quanto estava abalado. Não queria que ele soubesse o turbilhão que estava dentro de mim.
Miguel se inclinou rapidamente e deu um selinho no meus lábios antes de eu sair, um gesto tão breve, mas carregado de algo que eu não conseguia identificar. Quando ele se afastou, senti um vazio. Algo que estava ali antes, mas que agora parecia não existir mais.
Eu saí de casa, caminhando com a mente confusa, sem conseguir deixar de pensar no que havia acontecido. O que aquilo significava? Eu nem sequer sabia mais quem eu era depois daquele beijo, daquela troca. E mal sabia eu que, ao chegar em casa, minha confusão iria aumentar ainda mais.