— Ei, acorda.
— Merda, que horas são?
— 5:30.
— Por que não me acordou antes?
Bruno não perdeu tempo discutindo. Levantou-se, vestiu-se às pressas e olhou para ele, que ainda estava deitado na cama.
— Estou indo.
Por um instante, Bruno parou e o observou. Samuel estava deitado na cama, nu. Seu corpo era maravilhoso: pele morena, músculos bem definidos. Bruno queria voltar para a cama, aproveitar cada pedaço daquele paraíso, mas se controlou.
— Espera, vem aqui — Samuel o chamou.
— Sam, não posso. Tenho que ir.
— Cara, só um minuto.
-Diga.
Bruno se ajoelhou na frente de Samuel e por um segundo observou o membro do seu amante, a sua boca salivou e seu pau deu sinal de vida, mas ele se controlou e olhou nos olhos de Samuel.
-Quero te pergunta uma coisa.
-Pergunte.
Samuel hesitou. Sentia vergonha, nunca havia feito essa pergunta para ninguém, muito menos para um homem.
-Quer namorar comigo?
Bruno arregalou os olhos e sua boca secou, ele se levantou e foi até a pia e pegou um copo de água.
-Não!
Samuel não tinha entendido ou não acreditou na resposta.
-Não?
-Não, não quero namorar contigo.
Ele não esperava essa resposta, se levantou e colocou um short e foi perto do Bruno, talvez ele só estava inseguro.
-Por que?
-Mil motivos, mas o melhor é, eu não te amo.
-Mas precisa amar para namorar?
-É lógico, e outra Samuel, o que você vai falar para seu chefe?
-Como assim? -Samuel perguntou sem entender.
Bruno deu risada e disse.
—Como vai ser você me apresentar para o Leão como seu namorado?
-Bom, deu para entender. -Samuca como era conhecido, engoliu em seco. Não tentava nem imaginar o que iria acontecer com ele se Leão descobrisse a verdade.
Bruno pegou sua bolsa e saiu correndo daquele barraco. Era verdade: ele não amava Samuel. Gostava de estar com ele, de transar e depois dormir juntos. Samuel era divertido, fazia-o rir com suas palhaçadas, mas Bruno não tinha tempo para romance, muito menos com um traficante. Já tinha se ferrado no passado com um, e não estava disposto a repetir o erro.
Pouco tempo depois, já se aproximava de casa. Antes mesmo de chegar, podia ouvir a confusão que o esperava. As vozes das crianças se misturavam em gritos e risadas que pareciam dominar o ambiente.
Bruno parou por um instante, respirou fundo e olhou para o céu. Seus olhos brilharam com um misto de cansaço e saudade. Murmurou baixinho, como se pudesse ser ouvido:
— Como você aguentava, mãe?
E então, com um último suspiro, entrou.
O caos estava ali. Uma única noite fora de casa bastou para que aqueles pentelhos destruíssem tudo e sujassem cada canto.
Bruno ficou paralisado por um minuto, incrédulo, até que a fúria o tomou como fogo e ele explodiu em um grito grave e ensurdecedor:
— QUE PORRA ACONTECEU AQUI?
O grito foi tão alto que até o pequeno Gael acordou assustado, batendo a cabeça no forro por causa da beliche apertada.
— Desçam aqui agora!
Yasmim e Gustavo, os mais velhos, sabiam exatamente o que os esperava. Como sempre, era responsabilidade deles evitar a bagunça, mas, como de costume, haviam falhado.
Júlia, um das mais nova, já estava acordada e revirou os olhos ao ouvir o grito. Todos sabiam que Bruno surtaria por horas. Era sempre assim.
Os quatro desceram da escada, um atrás do outro, arrastando os pés, desanimados. Já tinham passado por isso várias vezes e o desfecho nunca mudava: sermão.
Bruno olhou para os irmãos por alguns segundos. Algo nele parecia diferente.
— Tá, pode começar a xingar a gente — Gustavo disse, tentando aliviar o clima.
Mas Bruno permaneceu em silêncio. Um silêncio mortal, gelado. Isso deixou os irmãos ainda mais apreensivos.
— Bruno, você tá bem? — Yasmim perguntou, genuinamente preocupada. Algo raro vindo dela.
— Gus, ele tá bem? — Gael sussurrou para Gustavo, inquieto.
— Não sei... Nunca vi ele assim. Sempre grita, xinga... Agora tá quieto.
— Mano, fala alguma coisa! — Júlia pediu, ansiosa.
Bruno continuou em silêncio. Não gritou, não reclamou, não deu sermão. Ele simplesmente olhou para eles com um olhar vazio. Porque, naquele momento, ele tinha cansado. Cansado de brigar, cansado de gritar, cansado de ser pai, irmão mais velho, chefe da casa e tudo mais que o destino havia jogado em suas costas.
Sem dizer nada, virou as costas e saiu.
Os irmãos ficaram ali, parados, confusos e, pela primeira vez, preocupados de verdade.
A situação era mais grave do que podiam imaginar.
Bruno tinha um dia longo pela frente: trabalho, estágio, faculdade. A carga parecia insuportável. E, para piorar, não podia contar com ninguém. O pai, um alcoólatra e vagabundo, ignorava completamente os filhos, como sempre fez.
Enquanto caminhava para fora, sentiu o peso esmagador da responsabilidade. Ele não podia mais gritar. Não podia mais falar. Porque, no fundo, sentia que, se começasse, não conseguiria parar.
O céu ainda estava escuro enquanto Bruno esperava o ônibus que o levaria para o café onde trabalhava. Ele odiava aquele emprego, mas era necessário para pagar as contas. Enquanto observava as luzes distantes da cidade, sua mente vagava para os irmãos. Fazia alguns meses que haviam perdido a mãe, e o baque ainda era enorme.
Ela era o coração da casa, a força que mantinha todos unidos. Desde a sua morte, Bruno teve que largar a vida independente e voltar para casa, assumindo o papel de pai e mãe. O salário mal dava para tudo, e a aposentadoria do pai, ao invés de ajudar, desaparecia em garrafas de bebida e jogos de cartas.
A lembrança de um episódio recente voltou à sua mente, um dia que representava perfeitamente o caos que era cuidar de quatro crianças sozinho.
— Socorro, ela quer me matar, Bruno! SOCORRO!
O grito de Gael ecoou pela casa às seis da manhã. Bruno já estava vestido para o trabalho quando correu até a cozinha, encontrando uma cena que era, ao mesmo tempo, cômica e preocupante: Júlia, de dez anos, perseguia o irmão mais novo com uma faca na mão.
— Me dá essa faca, Júlia! — Bruno gritou, arrancando o objeto das mãos dela.
— Eu vou matar esse bastardo! — Júlia esbravejou entre os dentes, seus olhos verdes brilhando de raiva.
— O que tá acontecendo aqui?
— Ela é louca! Você precisa internar ela! — Gael, de sete anos, ofegava enquanto se escondia atrás da mesa.
Bruno respirou fundo, cruzou os braços e olhou para o garoto.
— Gael, o que você fez?
— Nada! Ela tá exagerando!
— Fala, agora.
— Eu... eu quebrei a boneca dela.
Os olhos de Júlia encheram de lágrimas enquanto ela tentava avançar novamente no irmão. Bruno a segurou no colo, tentando acalmá-la.
— Quebrou? — Júlia começou a chorar. — Ele cortou o cabelo da Veronica, colocou fogo e ainda arrancou uma perna dela!
Bruno fechou os olhos por um momento, respirando fundo para não perder a paciência. Veronica era a boneca preferida de Júlia.
— Você realmente fez isso? — Bruno perguntou sério para Gael.
O menino abaixou a cabeça, envergonhado.
— Fiz...
Bruno sentou-se em uma cadeira, ainda com Júlia em seu colo, e acariciou seus cabelos. Ele sabia que a dor dela ia muito além de uma boneca quebrada.
— Escuta, você vai para o seu quarto agora que eu já vou lá. Agora, GAEL!
Bruno gritou tão alto que Júlia levou um susto e chorou ainda mais.
— Calma, amor. — Ele a consolou, segurando-a firme enquanto observava Gael subir as escadas com passos vacilantes.
Sentou-se na cadeira e colocou Júlia no colo. Já sabia que iria se atrasar para o trabalho, mas isso podia esperar. Esse momento exigia atenção.
— Princesa, você tem outras bonecas. Quando sobrar um dinheiro, eu te compro outra.
Júlia balançou a cabeça em negação, com os olhos ainda marejados.
— Bru, ela era única. Não tem ninguém que possa substituir a Veronica.
Bruno suspirou profundamente. Suas suspeitas estavam confirmadas: ela não lamentava apenas pela boneca, mas pelo significado que ela carregava. Veronica tinha sido o último presente da mãe.
— Olha, meu amor, ninguém pode substituir uma boneca, um animal ou uma pessoa. Cada um tem seu lugar nesse mundo. Às vezes, perdemos algo ou alguém, mas isso não quer dizer que deixou de existir. Só significa que seguiu um caminho diferente, e precisamos aprender a aceitar isso.
— Foi a mamãe que me deu.
O olhar da menina, repleto de tristeza, cortava o coração de Bruno. Ele fazia tudo por ela, aliás, por todos os quatro. Amava seus irmãos mais do que tudo e, se fosse preciso, daria a própria vida por eles.
— Eu sei, meu anjinho. Mas agora a Veronica está lá com a mamãe, no céu.
— Bru, bonecas não têm vida.
— Talvez não tenham vida humana, mas têm essência. O amor que você sentia por ela agora está morando com a mamãe.
Júlia ficou pensativa por um momento e, finalmente, seus soluços cessaram.
— Entendi.
Bruno a beijou na testa e, ao perceber que ela estava mais calma, sorriu de leve.
— Agora vem, vamos dar uma lição nesse menino.
Ele fez uma cara de mal que arrancou a primeira risada genuína da pequena naquele dia.
Eles subiram até o quarto de Gael. O menino sabia o que o aguardava e, ao ouvir os passos do irmão mais velho, enfiou o rosto no travesseiro, fingindo estar dormindo. Mas não demorou para o trinco da porta se abrir.
— Pronto, Júlia. A vingança é sua.
— O quê?! — Gael rapidamente levantou da cama, seus olhos arregalados, e se afastou da irmã o máximo que pôde.
— Posso cortar o cabelo dele? — perguntou Júlia, empolgada.
— Não!
— Então posso quebrar sua perna? — ela disse novamente, com um sorriso quase diabólico. Gael, aterrorizado, segurou as pernas como se pudesse protegê-las.
— NÃO!
— Ah, então posso colocar fogo nele?
Até Bruno ficou assustado com a criatividade da irmã. Ela era terrível — uma verdadeira escorpiana.
— Definitivamente, NÃO!
— Então o que eu posso fazer?
— Bruno, ela é louca! Me ajuda! — Gael choramingava enquanto encarava os olhos brilhantes de Júlia.
Bruno cruzou os braços e respondeu com firmeza:
— Você provocou ela, Gael. Destruiu uma boneca que ela amava. Então, Júlia, você pode pegar qualquer brinquedo dele e fazer o que quiser.
Os olhos de Júlia brilharam. Apesar de parecer desapontada com a proposta mais branda, seu sorriso logo voltou ao ver o rosto de pânico do irmão mais novo.
Bruno saiu do quarto, mas ficou no corredor, ouvindo tudo, pronto para intervir caso as coisas saíssem do controle.
— Ju, por favor, não pega esse! Qualquer um, menos esse! — Gael implorava desesperado enquanto a irmã analisava calmamente sua pequena coleção de brinquedos.
Foi então que ela avistou o Homem-Aranha, o boneco favorito dele — um presente especial da mãe.
Quando Júlia pegou o boneco, Gael congelou. Não disse nada, mas suas lágrimas começaram a escorrer.
O silêncio de Gael foi o que partiu o coração de Júlia — e de Bruno, que espiava do corredor. Por um momento, ele pensou em interromper, mas decidiu esperar.
— Você não vai falar nada? — Júlia perguntou. A voz dela, antes cheia de vingança, agora estava mais branda.
Gael continuou em silêncio, suas lágrimas descendo livremente, o olhar fixo no boneco em suas mãos.
Júlia se sentou na cama e, com um suspiro, chamou o irmão para sentar ao lado dela.
— Eu não vou destruir seu boneco.
— Não? Por quê? — Gael ainda estava desconfiado, seu corpo tenso, pronto para reagir.
— Porque no mesmo dia que você ganhou ele, eu ganhei a Veronica.
— A mamãe que te deu a Veronica?
Ela abaixou a cabeça, segurando o choro. Gael ficou arrependido na hora.
— Sim. Foi o último presente que a mamãe me deu. Por isso fiquei tão brava com você.
— Ju, me perdoa. Eu não sabia... — Gael se ajoelhou no chão e começou a chorar de verdade, inconsolável. Júlia o puxou para perto e os dois se abraçaram.
— Eu juro que nunca mais vou fazer isso. — Gael prometeu, enxugando as lágrimas dela e depois as suas próprias.
No corredor, Bruno também chorava. Percebeu como era difícil para todos lidar com a perda da mãe. Não havia substituto para ela — e nunca haveria.
Continua...
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