Meu príncipe, meu irmão - Capítulo 07: Briga de família

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 3710 palavras
Data: 29/12/2024 23:26:43

Naquele dia, me lembro de caminhar para casa com a cabeça a mil. As perguntas vinham como ondas, uma atrás da outra, me afogando em pensamentos que eu nunca tinha tido coragem de encarar. Será que aquela menina estava certa? Eu era gay? E, se fosse, o que isso significaria para mim? Para a minha família? Será que o amor dos meus irmãos por mim mudaria? Será que eles conseguiriam me olhar da mesma forma?

A rua parecia mais longa do que nunca. O barulho dos carros, das conversas nas calçadas e do vento balançando as árvores ao redor parecia distante, abafado, como se eu estivesse isolado dentro da minha própria mente. Meus pés seguiam o caminho de sempre, mas meu coração estava mais pesado do que nunca.

Quando cheguei em casa, empurrei a porta com menos força do que o normal. O som de risadas vindo da televisão me recebeu, mas parecia estar em outro universo. Entrei na sala, mas minha atenção estava longe demais para perceber qualquer detalhe. Gustavo e Eduardo estavam sentados ali, cada um em um canto do sofá, separados por um abismo invisível.

Hoje, olhando para trás, percebo que naquela época a tensão entre eles era constante, quase palpável. Eles pareciam sempre em conflito, como se houvesse algo entre eles que os fazia se repelir. E, ironicamente, o motivo daquele choque interminável era eu.

Eduardo, o mais velho, tinha uma postura firme, quase sempre com um ar protetor em relação a mim. Ele estava com os braços cruzados, os olhos fixos na tela, mas seu corpo tenso revelava que não estava tão relaxado quanto queria parecer. Gustavo, por outro lado, era mais descontraído, mas sua expressão carregava algo de desafiador, como se estivesse esperando a menor provocação para reagir.

O ambiente na sala era sufocante, mesmo que nenhum dos dois dissesse uma palavra. A luz do final da tarde entrava pelas cortinas finas, criando sombras suaves que pareciam dançar no tapete. O cheiro de café ainda pairava no ar, provavelmente da xícara esquecida de alguém. Tudo parecia tão familiar, mas, ao mesmo tempo, distante.

Passei direto por eles, sem nem olhar direito. Eu sabia que, se Gustavo ou Eduardo puxassem conversa, eu não teria forças para responder. Minha cabeça estava cheia demais, e a ideia de falar sobre qualquer coisa parecia impossível.

Enquanto eu passava pela sala, evitando olhar para qualquer um deles, ouvi Gustavo se levantar do sofá. Ele parecia hesitante, mas determinado.

— Léo, espera... — Ele começou, a voz baixa, como se não soubesse exatamente o que dizer.

Eu parei, mas não me virei. Apenas fiquei ali, parado, tentando não explodir.

— Eu queria... me desculpar por mais cedo — disse ele, as palavras saindo apressadas, quase tropeçando uma na outra.

Minha cabeça estava um caos. As imagens do que havia acontecido mais cedo passaram como um filme. A risada cruel daquela garota ecoava nos meus ouvidos, e a pior parte era a lembrança de Gustavo, apenas parado, assistindo tudo como se não fosse nada. Uma dor que eu não sabia explicar apertava meu peito.

Virei lentamente para ele, o olhar fixo nos seus olhos.

— Não. Dessa vez, eu não desculpo — falei, minha voz mais firme do que eu esperava.

Gustavo ficou em silêncio, claramente surpreso com a minha resposta.

— Sabe qual é a pior coisa, Gustavo? Quando alguém que você ama não faz nada. Quando essa pessoa simplesmente fica parada e deixa outra te machucar.

Meu tom estava ficando mais duro a cada palavra. Eu sentia a raiva e a mágoa borbulhando dentro de mim, e era impossível segurá-las.

— Léo, não é isso... eu... — Gustavo começou a falar, mas eu o interrompi.

— Você me ama? Ama mesmo? Porque, pra mim, não parece. Não parece nem um pouco que você me ama do jeito que eu amo você.

Vi a expressão de Gustavo mudar. Seus olhos começaram a ficar vermelhos, e ele tentou falar alguma coisa, mas a voz falhou. Ele passou a mão pelos olhos, e foi só então que percebi que ele estava chorando.

— Isso não vai se repetir, Léo. Eu prometo. Nunca mais vou deixar ninguém... — Ele engoliu seco, tentando recuperar o controle.

Mas eu não queria ouvir. Toda a mágoa que eu estava guardando veio à tona.

— Nunca mais? — interrompi, minha voz subindo. — Gustavo, aquela garota me humilhou na frente da escola inteira! E você só ficou parado! Olhando!

Minha voz ecoou pela sala, quebrando o silêncio. Eduardo, que até então estava quieto no outro canto, levantou a cabeça imediatamente.

— Espera aí, o que foi que aconteceu? — Eduardo perguntou, sua voz cheia de desconfiança. Ele se levantou do sofá, os olhos alternando entre mim e Gustavo.

— Nada, Eduardo. Isso é entre mim e o Léo — Gustavo tentou cortar, mas Eduardo já estava de pé, avançando na direção dele.

— Não, não é nada, não! Você deixou alguém humilhar o Léo e ficou parado? — Eduardo parecia estar segurando a raiva, mas suas mãos cerradas mostravam que ele estava no limite.

— Eu já pedi desculpas! — Gustavo respondeu, sua voz ficando mais alta. — Não é da sua conta!

— É da minha conta, sim! O Léo é meu irmão, e se você não sabe protegê-lo, alguém tem que fazer isso!

— E você acha que é o herói agora, Eduardo? — Gustavo retrucou, o tom sarcástico no limite.

O clima na sala ficou pesado. Os dois começaram a trocar farpas, a tensão crescendo a cada segundo.

— Sabe o que eu acho? — Eduardo disse, avançando mais perto de Gustavo. — Que você é um covarde.

— Ah, é? E você, Eduardo? Sempre bancando o protetor, mas nunca olha pra si mesmo! — Gustavo rebateu, já de cara fechada.

— Então prova que não é um covarde! — Eduardo desafiou, agora a poucos centímetros de Gustavo.

Por um momento, achei que eles iam se atacar. Os dois estavam tensos, as mãos cerradas e os olhos cheios de raiva. Eu, parado ali, me senti pequeno, incapaz de controlar a situação que só piorava.

— Parem com isso! — gritei, minha voz quebrando no final.

Mas eles não ouviram. Parecia que o mundo deles tinha se reduzido àquele confronto.

Antes que eu pudesse reagir, Eduardo empurrou Gustavo para trás com força, e ele quase tropeçou no sofá. Gustavo não ficou parado. Ele avançou em Eduardo, segurando sua camisa com força.

— Você acha que pode falar o que quiser e sair impune? — Gustavo gritou, os olhos brilhando de raiva.

— E você acha que pode chamar isso de proteger o Léo? — Eduardo rebateu, empurrando Gustavo de volta.

Em questão de segundos, os dois começaram a trocar empurrões e tapas desajeitados, como crianças que não sabem como brigar. Eduardo tentou agarrar Gustavo, que revidou com um golpe no ombro.

— Parem com isso! — Eu gritei, mas eles estavam tão envolvidos no calor da briga que nem sequer me ouviram.

Por um instante, eles tropeçaram no tapete da sala, quase caindo. Era uma confusão de braços, mãos e insultos que saíam entre os dentes cerrados.

— Você nunca liga pra ninguém além de você mesmo, Eduardo! — Gustavo gritou, enquanto tentava se soltar.

— E você é só um egoísta que não sabe cuidar de ninguém! — Eduardo retrucou, agarrando o braço dele.

Não aguentei mais. Parti pra cima dos dois, empurrando-os com força.

— CHEGA! — gritei, minha voz saindo mais alta do que eu esperava.

Eles se afastaram, ofegantes, com os rostos vermelhos. A sala estava um caos: o tapete desarrumado, almofadas espalhadas e eu no meio deles, tentando recuperar o controle.

Gustavo foi o primeiro a falar. Ele passou a mão pelos cabelos, ainda respirando pesado.

— Sabe o que é, Eduardo? Você pode não me considerar um irmão, mas o Léo é meu irmão, sim! — Ele começou, sua voz carregada de emoção.

Eduardo cruzou os braços, mas não respondeu. Gustavo continuou, ignorando qualquer resistência.

— Eu amo o Léo, e você nunca vai entender isso porque você tá sempre ocupado demais com qualquer garota que aparece! Você vive abandonando ele, e nem percebe!

Minhas mãos começaram a tremer. As palavras de Gustavo batiam em mim como ondas, mas ao mesmo tempo, uma raiva sutil começava a borbulhar.

— Eu erro, sim, Eduardo. Eu erro muito. Mas pelo menos eu tô aqui! Pelo menos eu tento! Você acha que é o grande protetor dele, mas nunca tá presente! Quem tava lá quando o Léo precisava? Quem ficou ao lado dele enquanto você tava por aí?

Eduardo abriu a boca para responder, mas Gustavo levantou a mão, pedindo silêncio.

— Eu amo o Léo mais do que qualquer coisa. Mais do que você, que finge que se importa. E vou continuar tentando provar isso, mesmo quando eu falhar. Porque ele é meu irmão.

A sala ficou em silêncio. Só o som da nossa respiração pesada preenchia o ambiente.

Eu engoli seco e olhei para Gustavo.

— É lindo isso que você disse — comecei, minha voz quebrando. — Mas, na prática, você fez exatamente a mesma coisa. Você me trocou por uma garota. Você me abandonou.

Gustavo tentou falar algo, mas eu levantei a mão, o silenciando.

— Vocês dois. Vocês são os mesmos. — As palavras saíram antes que eu pudesse segurá-las.

Sem olhar para trás, corri para o meu quarto. Lá, me joguei na cama, o peito apertado, as lágrimas finalmente escapando. Não sabia se chorava pela briga, pelas palavras de Gustavo ou pelo caos que parecia crescer ao meu redor.

Tudo o que eu queria era silêncio, mas sabia que ele não duraria muito.

O ruim de ser adolescente é que, quando enfrentamos nossos problemas, o máximo que conseguimos fazer é chorar e dormir, como se isso pudesse apagar tudo. Talvez, se fosse hoje, eu me sentasse em um bar qualquer e bebesse até encontrar coragem o suficiente para encarar toda a merda de uma vez. Mas, naquela época, minha cama era meu único refúgio. Era onde eu podia desabar, onde o peso do mundo parecia menor, mesmo que só por algumas horas.

Deitado ali, com os olhos fixos no teto escuro do meu quarto, eu sentia o travesseiro úmido de lágrimas que eu nem percebia que estavam caindo. As luzes da rua entravam pelas frestas da janela, iluminando parcialmente as paredes cobertas de pôsteres e fotografias. Tudo naquele espaço deveria me trazer conforto, mas, naquela noite, parecia que até o quarto me sufocava.

Eu me sentia esmagado por um turbilhão de pensamentos. Pensava em Gustavo, Eduardo e na briga que eles tinham acabado de ter. Talvez eu fosse egoísta. Eu queria tanto que eles se dessem bem, que fossem amigos, que formassemos uma família de verdade, mas... e se isso fosse impossível? E se eu tivesse que escolher entre eles? Era uma ideia cruel, quase inimaginável, mas, de repente, parecia mais real do que nunca.

Suspirei, afundando o rosto no travesseiro, tentando ignorar a dor no peito. Mas, por mais que eu quisesse esquecer tudo, minha mente me traía. E, como se não bastassem os problemas entre meus irmãos, outro nome insistia em aparecer na minha cabeça: Miguel.

Eu revivia cada detalhe daquele momento com ele, como se meu cérebro estivesse decidido a me torturar. O toque dos nossos lábios ainda parecia tão vivo, tão real, que eu quase podia senti-lo novamente. Minha mão em sua calça, algo que me fez estremecer só de lembrar. O olhar intenso que ele lançou antes de dizer aquelas palavras. A maneira como ele me defendeu, enfrentando todo mundo, enquanto o próprio Gustavo ficou parado, em silêncio.

Como seria o trabalho no dia seguinte? Como seria encará-lo na escola? Ele iria agir como se nada tivesse acontecido? Ou pior, e se ele esperasse algo mais de mim? E se ele quisesse falar sobre aquilo?

Fechei os olhos com força, tentando afastar a imagem de Miguel da minha mente. Mas era impossível. Sua voz, seu toque, até mesmo o jeito como ele se sentava relaxado no puff, ainda me perseguiam. Sentia algo que não conseguia descrever. Um misto de curiosidade, ansiedade e medo.

Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Não sabia o que Miguel estava pensando, o que ele queria ou como ele enxergava tudo aquilo. Só sabia que, no fundo, o que mais me aterrorizava era uma possibilidade: e se eu quisesse que aquilo acontecesse de novo?

Peguei no sono naquela tarde, e pela primeira vez em muito tempo, não tive sonhos. Nenhuma imagem nítida, nenhum som distante. Apenas uma calma vazia, interrompida apenas pelo cheiro suave que parecia impregnar meus sentidos. Era o cheiro de Gustavo. Nos poucos momentos em que minha mente flutuava no limiar entre o sonho e a consciência, era isso que sentia: o conforto familiar de estar nos braços dele.

Quando finalmente abri os olhos, a razão para aquilo se revelou. Gustavo estava realmente me abraçando. Meu corpo se enrijeceu por um instante, mas logo a realidade da cena me atingiu em cheio. Ele estava deitado ao meu lado, sua testa encostada levemente na minha, diminuindo qualquer distância que pudesse existir entre nós.

Foi então que percebi que ele estava chorando.

As lágrimas escorriam descontroladamente pelo rosto de Gustavo, traçando caminhos silenciosos que brilhavam à luz fraca que entrava pela janela do meu quarto. Cada soluço era abafado, quase como se ele estivesse lutando para não me acordar.

Fiquei ali, imóvel, sem saber o que fazer. Seu cabelo estava bagunçado, caindo sobre a testa, e seus olhos vermelhos estavam fechados, as sobrancelhas levemente franzidas em dor. Ele parecia tão vulnerável, tão diferente do Gustavo que eu conhecia, que por um momento esqueci completamente do que havia acontecido horas antes.

— Gustavo... — sussurrei, minha voz rouca e hesitante.

Ele abriu os olhos lentamente, como se despertasse de um transe. Por um instante, apenas nos encaramos, o silêncio preenchendo o espaço entre nós. Sua respiração estava pesada, mas ele não recuou.

— Me desculpa, Léo. — Sua voz saiu em um sussurro, quebrada, carregada de um arrependimento tão profundo que me desarmou completamente.

Eu não sabia o que responder. Minha mente ainda estava tentando processar o fato de que ele estava ali, comigo, chorando.

— Eu... — ele começou, mas sua voz falhou. Ele fechou os olhos novamente, pressionando a testa contra a minha. — Eu te machuquei. Eu falhei com você.

Meu peito apertou, como se uma mão invisível estivesse apertando meu coração. Eu queria dizer algo, mas as palavras pareciam presas na minha garganta.

— Você é a pessoa mais importante da minha vida, Léo. — Sua voz tremeu, e ele respirou fundo antes de continuar. — E eu... eu agi como se você não fosse.

As lágrimas começaram a se formar em meus próprios olhos, mas eu as segurei. Não podia desmoronar agora, não quando ele estava tão vulnerável.

— Gustavo, por que você tá aqui? — perguntei, tentando manter minha voz firme, mas falhando miseravelmente.

Ele hesitou, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas.

— Porque eu não queria que você achasse que está sozinho. — Ele se afastou apenas o suficiente para olhar nos meus olhos, os dele brilhando com lágrimas. — Porque eu preciso que você saiba que eu te amo.

Meu coração disparou, e por um momento, tudo pareceu parar. Não sabia se ele estava falando de amor fraternal ou algo mais, mas a intensidade em seus olhos era inegável.

— Eu tô tentando, Léo. Eu juro que tô tentando ser melhor pra você.

Não consegui mais segurar. As lágrimas finalmente caíram, e antes que eu pudesse pensar, meus braços estavam ao redor dele. Não sei quanto tempo ficamos assim, apenas que naquele momento, nada mais importava.

Não me lembro quanto tempo ficamos ali, deitados juntos, mas a sensação daquela proximidade era algo que eu nunca queria esquecer. O calor do abraço de Gustavo, o jeito como seu braço estava confortavelmente em volta de mim, como se ele quisesse me proteger de todo o caos do mundo lá fora. Por um instante, tudo parecia certo, como se o universo tivesse parado de conspirar contra mim. Ali, com ele, eu me sentia livre. Livre para existir, para ser quem eu era, sem medo de julgamentos ou decepções.

Havia uma serenidade no silêncio entre nós. Nenhuma palavra precisava ser dita. Sua respiração compassada me acalmava, e mesmo sem entender o que aquele momento significava para ele, para mim era tudo. Eu tinha de volta a atenção de Gustavo, o carinho dele. Era como voltar para casa depois de se perder em uma tempestade.

E então o momento foi interrompido.

A porta do meu quarto se abriu de repente, sem aviso, e meu corpo inteiro se enrijeceu. Gustavo também se afastou rapidamente, como se instintivamente soubesse que aquilo poderia causar problemas. Quando olhei para a porta, vi meu padrasto parado ali, com as sobrancelhas franzidas e uma expressão que oscilava entre confusão e reprovação.

— Vocês não têm cada um a sua cama? — ele perguntou, a voz carregada de uma implicância que imediatamente fez meu rosto queimar de vergonha.

Gustavo sentou-se na cama, passando a mão pelo rosto para secar os resquícios das lágrimas que ainda estavam lá. Sua postura mudou completamente, como se tentasse mascarar qualquer emoção que pudesse entregá-lo.

— Eu tava consolando o Léo, só isso. — Ele respondeu, a voz firme, mas sem agressividade.

Meu padrasto olhou para mim, esperando uma confirmação. Eu apenas assenti com a cabeça, sem coragem de dizer nada. Meu coração ainda estava acelerado, e eu sabia que minha expressão me entregava completamente.

— Certo. Mas é bom lembrar que existem limites, tá? — Ele acrescentou, com um tom que não era totalmente rude, mas que deixava claro que ele não queria presenciar uma cena como aquela de novo. — Preciso que me ajude a tirar as compras do carro.

Gustavo assentiu e, antes de sair, lançou um último olhar em minha direção. Não era um olhar de arrependimento ou constrangimento, mas um olhar que parecia dizer: "Eu tô aqui pra você."

Quando ele saiu, fiquei ali sozinho, encarando o teto do meu quarto, tentando processar tudo. A vergonha pelo olhar de reprovação do meu padrasto, o conforto do abraço de Gustavo, a confusão de não entender o que aquilo significava para nós dois.

Mal sabia eu que aquele momento, aquele dia, era apenas o início de algo muito maior. Algo que mudaria tudo.

Fiquei encarando minha psicóloga enquanto ela lia a última frase que escrevi. Ela retirou os óculos com cuidado, repousando-os sobre a mesa, e voltou sua atenção completamente para mim. Havia algo nos olhos dela, uma mistura de compreensão e cuidado, mas também a cautela de quem sabia que estava prestes a entrar em território delicado.

Desde que comecei a escrever esses fragmentos da minha infância e adolescência, nossas sessões haviam mudado. Não era apenas sobre falar ou desabafar; era sobre organizar o caos na minha mente. Colocar tudo no papel parecia tornar as lembranças mais reais, mais pesadas. Mas, ao mesmo tempo, dava a sensação de que eu podia finalmente começar a entendê-las.

— Essa última parte... — ela começou, entrelaçando os dedos e me observando com atenção. — Foi intensa. Você conseguiu descrever com detalhes o que sentiu, mas... como é para você revisitar essas memórias agora?

Hesitei. Minha garganta parecia seca, e as palavras não vinham com facilidade. Eu sabia que esse momento chegaria. Ela sempre fazia perguntas como essa.

— É estranho, sabe? — comecei, evitando seu olhar e focando em algum ponto aleatório da sala. — Parece que estou revivendo tudo. Como se... como se fosse um filme passando na minha cabeça, só que mais real, mais... doloroso.

Ela assentiu devagar, demonstrando que estava absorvendo cada palavra minha.

— E como essas lembranças se conectam com o que você sente hoje? — perguntou, inclinando-se ligeiramente para a frente.

Engoli em seco. Como eu podia responder isso sem abrir mais feridas? Como explicar que tudo o que vivi, cada detalhe, parecia culminar no caos que era a minha vida agora?

— Acho que... — hesitei novamente, respirando fundo. — Acho que tudo isso me trouxe até aqui, sabe? Até essa confusão. Até esse ponto onde eu nem sei mais quem eu sou.

Ela se recostou na cadeira, ponderando por alguns segundos antes de falar.

— Léo, o que você descreveu no texto fala muito sobre a sua relação com Gustavo e Eduardo, mas principalmente sobre o Gustavo. Você sentia que ele tinha um papel muito grande na sua vida, quase como uma âncora emocional.

Meu coração disparou com a pergunta. Gustavo. O nome dele ainda tinha um peso indescritível. Não sabia como responder sem entregar mais do que eu estava pronto para revelar.

— Eu... — comecei, desviando o olhar novamente. — Eu não sei. Acho que sim. Talvez.

Ela me observou em silêncio por alguns segundos, como se esperasse que eu continuasse. Mas quando percebeu que eu não diria mais nada, ela mudou o rumo da conversa.

— Léo, em vários momentos do texto, você descreve situações onde sentiu que foi deixado de lado, não só pelo Gustavo, mas pelo Eduardo e até pelo seu padrasto. Como essas experiências moldaram a maneira como você enxerga seus relacionamentos hoje?

Senti um nó no estômago. Aquilo era uma pergunta difícil. Porque, no fundo, eu sabia que todas essas experiências tinham deixado marcas profundas.

— Acho que me fizeram ter medo de me apegar às pessoas — confessei, a voz saindo baixa. — Como se, em algum momento, elas fossem me abandonar ou escolher outra coisa, outra pessoa.

Ela assentiu, como se já esperasse essa resposta.

— E você acha que isso está relacionado ao que trouxe você até aqui? — perguntou, com cuidado.

Minha respiração ficou pesada. Como responder sem entregar tudo? Sem revelar o caos que minha vida tinha se tornado?

— Talvez — respondi, evasivo. — Mas acho que ainda não estou pronto para falar sobre isso.

Ela sorriu levemente, como quem entende que algumas feridas precisam de tempo para serem expostas.

— Tudo bem, Léo. Não precisamos correr. Mas quero que pense sobre como essas experiências do passado estão influenciando suas escolhas agora. O que você escreveu foi um grande passo, e ainda temos muito o que explorar.

Eu assenti, sentindo o peso da conversa e das memórias que ainda pairavam na minha mente. Ela guardou meus papéis com cuidado e me lançou um olhar firme, mas acolhedor.

— Você está indo bem, Léo. Vamos continuar nesse ritmo, ok?

Saí da sessão sentindo que carregava ainda mais perguntas do que respostas. Gustavo, Eduardo, minha infância... tudo parecia estar entrelaçado, como um quebra-cabeça que eu não conseguia montar. Mas algo me dizia que, eventualmente, todas as peças se encaixariam — mesmo que isso significasse encarar o que eu mais temia.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 27 estrelas.
Incentive Th1ago a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil de Jota_

Você é foda, Thiago! Que escrita, sério mesmo. Tô tão envolvido com essa história que me sinto na cabeça do Leo

1 0
Foto de perfil genérica

Fiz um comentário bonitinho mas parece q o site apagou... enfim, ansioso pelo proximo

0 0
Foto de perfil genérica

Poxa!!! Manda novamente o comentário 😕

0 0
Foto de perfil genérica

Percebi que o trio ou quarteto de jovens no processo de descobertas de suas sexualidades estam cheio de erros e acertos, sonhos e medos, um conto que mostra a cada momento nuance tão intrisica.

0 0
Foto de perfil genérica

TÁ TUDO MUITO ENROLADO. A RELAÇÃO DE LEOCOM EDUARRDO. A R4ELAÇÃO E LEO CO GUSTAVO. A RELAÇÃO DE LEO COM O PADRASTO. ISSO PRECISA SER RESOLVIDO DE VEZ.

1 0
Foto de perfil genérica

Calma que ainda tem história pra rolar, hahaha

0 0
Foto de perfil genérica

O salto temporal para a sessão de Psicanálise num consultório de Psicoterapia deixou um vazio abrupto na estória. Ainda não se percebeu quanto tempo decorreu e muito menos o que aconteceu com o Léo e as restantes personagens. Há um precipício na descoberta da própria sexualidade pelo Léo e do confronto com os irmãos, o Miguel, o padrasto e até com os restantes colegas do colégio. E mais ainda com a motivação da ida do Léo à Psicóloga. Um enredo de uma excelência narrativa incrível.

1 0
Foto de perfil genérica

Por isso recomenda-se a leitura pelo Wattpad, a CDC não deixa escrever a idade. No prólogo do livro já é explicado que se passa quando Leo tem 15 e o Gustavo 17, enquanto Eduardo tem 19. O livro já começa com o Léo aos 28 anos em uma sessão de terapia, no próprio prólogo. O livro sempre irá ir e voltar.

Mas o legal dessa história é exatamente que vocês terão que ir pegando os mínimos detalhes para tentar ir montando esse quebra cabeças, sempre terão pequenas pistas soltas pelos capítulos. Inclusive, chegará um momento da história que se passará no presente e com pequenos flash do passado apenas, essa será a segunda fase da história.

1 0
Foto de perfil de Xandão Sá

Trazer a história para o contexto da escuta psicoterapêutica me ganhou definitivamente! Um texto que vai muito acima e além do erotismo...

2 0