No dia seguinte, me lembro que acordei muito ansioso para ir para a escola. Não por conta dos estudos, mas porque sabia que terminaria o trabalho na casa de Miguel. Ou melhor, começaria, já que no dia anterior apenas jogamos e nos beijamos.
Era uma sexta-feira. No café da manhã, a mesa estava cheia como sempre. Minha mãe, como todos os dias, havia se dedicado a preparar tudo. Havia pães frescos organizados em uma cesta, manteiga e geleias dispostas em pequenos potes, e uma jarra de suco de laranja ao lado do café fumegante. A luz do sol que atravessava as cortinas dava ao ambiente uma sensação de tranquilidade, mesmo que dentro de mim houvesse apenas caos.
Mamãe e meu padrasto estavam sentados à mesa. Ele lia o jornal como de costume, e, ainda que tentasse parecer desinteressado, eu sabia que ele ouvia tudo o que acontecia ao redor. Apesar de sempre pedir para que eu o chamasse de pai, eu nunca consegui. Não sei ao certo o motivo, mas parecia estranho para mim, talvez um respeito à memória do meu pai, que, ainda que eu não tenha conhecido, sei que me amou bastante.
Minha mãe e meu pai se conheceram quando eles ainda eram bem novos, namoraram por muito tempo até que ela engravidou de Eduardo, meu irmão. Depois disso, tudo mudou. Eles foram morar juntos e construíram uma vida na qual nada nunca faltou nem para ela, nem para o meu irmão.
Alguns anos depois, quando mamãe anunciou a segunda gravidez, meu pai começou a estudar e trabalhar como mergulhador. Ele fazia reparos em navios e sempre dizia que queria dar uma vida ainda melhor para a família. Foi em um desses trabalhos que ele sofreu um acidente e acabou morrendo.
Eu era apenas um bebê na época e, infelizmente, não tenho lembranças dele, mas Eduardo, com quem sempre tive uma conexão muito forte, fazia questão de contar suas histórias para mim. Ele sempre dizia que eu parecia muito com o nosso pai, tanto fisicamente quanto no jeito de ser.
Enquanto tudo isso passava pela minha mente, Eduardo estava na ponta da mesa, distraído com o celular, enquanto Gustavo estava sentado ao meu lado, quieto e com uma expressão que eu não conseguia decifrar.
— Como foi o trabalho ontem na casa do seu colega? — Eduardo perguntou de repente, sem tirar os olhos do celular, mas com um tom que me fez erguer a cabeça.
— Bem tranquilo. Até que o Miguel é uma pessoa legal — respondi, tentando soar casual, mas sentindo o olhar de Gustavo pesar sobre mim.
Ao ouvir o nome "Miguel", Gustavo fez um movimento brusco. Ele pousou o garfo no prato de forma abrupta, o som ecoando pela mesa e atraindo a atenção de todos.
— Miguel? Legal? Estamos falando sobre a mesma pessoa— ele perguntou, baixinho, mas com um tom que não parecia mera curiosidade.
— É, Gustavo. Miguel. Meu colega de turma — respondi, tentando parecer indiferente, mas meu coração acelerava.
Gustavo desviou o olhar, recostou-se na cadeira e cruzou os braços, sua expressão agora fechada.
— Interessante — ele murmurou, de forma quase inaudível, mas o suficiente para que eu soubesse que algo não estava certo.
Passado o café da manhã, caminhei ao lado de Gustavo em direção à escola. Ele falava sobre algo que não consegui registrar; suas palavras flutuavam ao meu redor enquanto eu andava apressado, mas não era pela escola que meu coração pulsava mais rápido. No fundo, eu sabia que era por outro motivo: Miguel.
Eu finalmente teria a chance de passar mais um tempo a sós com ele. E, assim, provar novamente aquele beijo que havia me deixado tão desnorteado no dia anterior. Antes disso, nunca tinha dado muita atenção para coisas como beijos ou carícias. Eram ideias distantes, quase abstratas. Mas Miguel... Miguel havia despertado algo em mim. Era como se um portal tivesse sido aberto, revelando um mundo novo e inexplorado.
Era a adrenalina de viver algo pela primeira vez. A sensação de descoberta. Descobrir-me. Descobrir meu corpo. Descobrir o corpo do outro.
Naquele dia, Lara não foi à escola. E, sem ela, o dia parecia arrastar-se mais devagar. Ela era minha única companhia constante, e sua ausência fazia o tempo pesar. Fui direto para a sala de aula enquanto Gustavo continuava a falar algo que, para ser honesto, eu nem me esforcei para entender. Minha mente estava focada apenas em uma coisa: Miguel.
Me sentei no fundo da sala, como sempre fazia, e comecei a observar os alunos entrarem. Era meu pequeno ritual matinal, mas, naquele dia, tinha um propósito. Quando chegou a vez de Miguel, meu coração disparou. Ele entrou com a mochila pendurada em um ombro, caminhando com aquele jeito descontraído que parecia tão natural para ele.
Nossos olhos se cruzaram por um breve instante, e senti algo quente subir pelo meu rosto. Mas, para minha surpresa, ele desviou o olhar rapidamente, dirigindo-se à sua mesa como se eu fosse invisível. Ele colocou a mochila sobre a mesa, sentou-se e começou a conversar casualmente com um colega ao lado, sem sequer olhar em minha direção novamente.
Aquela indiferença me atingiu como um soco no estômago. Será que eu tinha feito algo errado? Será que ele havia mudado de ideia? Meu peito parecia apertado, e minha mente girava, consumida por dúvidas e inseguranças.
Enquanto a aula começava, as palavras do professor tornaram-se apenas um ruído de fundo. Minha mente estava em outro lugar, formulando dezenas de possibilidades. Talvez eu tivesse sido intenso demais. Ou talvez ele tivesse se arrependido do que aconteceu no dia anterior. Será que alguém descobriu?
Olhei para ele de novo, buscando algum sinal, qualquer coisa que quebrasse aquele silêncio entre nós. Mas ele permanecia ali, alheio a mim, como se nada tivesse acontecido.
Aquele foi um dos dias mais longos que já vivi. E tudo o que eu conseguia fazer era me perguntar: o que eu havia feito de errado?
Eu já não conseguia mais me concentrar. As palavras do professor pareciam borrões no ar, e o ambiente abafado da sala só fazia minha cabeça girar mais. Durante a troca de professores, tomei uma decisão impulsiva: precisava sair dali. Levantei-me rapidamente e fui em direção ao corredor, ignorando os olhares curiosos de alguns colegas.
Subi mais um lance de escadas, indo ao banheiro do quarto andar. Aquele andar era reservado para as aulas extracurriculares, que só aconteciam no turno da tarde, o que significava que, naquele momento, estaria vazio. Precisava de silêncio, de espaço para pensar, de um lugar onde pudesse organizar minha confusão interna.
Ao entrar no banheiro, fui direto para uma das cabines. Fechei a porta e encostei a testa contra a parede fria, tentando desacelerar meu coração. Depois de um momento, deixei o ar escapar lentamente dos pulmões e fiz o que tinha ido ali fazer, mas minha mente continuava a milhão. Miguel, aquele beijo, o silêncio dele na sala... Tudo rodava na minha cabeça como um turbilhão impossível de controlar.
Quando saí da cabine, ainda absorto em meus pensamentos, fui pego de surpresa. A porta do banheiro estava fechada e, diante de mim, estava Miguel. Não ouvi quando ele entrou, não percebi seus passos, e, naquele instante, senti um misto de surpresa e alívio.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se aproximou, segurou meu braço com firmeza e, sem hesitar, me beijou. Mas dessa vez o beijo era diferente. Não foi apenas um toque breve, como no dia anterior. Foi intenso, cheio de uma urgência que eu não sabia que ele tinha. Senti sua língua explorar minha boca de uma forma que era ao mesmo tempo estranha e irresistível.
Meu corpo ficou tenso por um momento, mas logo me deixei levar. Era estranho, sim, mas também era bom. Sentia algo novo, algo que eu ainda não conseguia nomear. Era como se, naquele beijo, ele estivesse me dizendo coisas que não podia colocar em palavras.
Quando nos afastamos, sua respiração estava ofegante, assim como a minha. Miguel me olhou com uma expressão que misturava ansiedade e alívio.
— Eu queria ter feito isso desde cedo — ele disse, a voz baixa, mas firme.
Naquele instante, um peso enorme saiu dos meus ombros. Não, eu não havia feito nada de errado. Ele ainda estava ali, me olhando daquele jeito, e isso era tudo o que importava.
Sorri de leve, sem saber exatamente o que dizer. Mas, por dentro, sentia uma mistura de coisas que ainda não conseguia entender completamente. Era um misto de medo, excitação e, talvez, um pouco de felicidade.
— Você me ignorou na sala... Eu achei que... — comecei a dizer, mas ele me interrompeu.
— Não foi nada disso. Eu só... Tinha gente demais lá. Eu não sabia como agir. Mas aqui... — Ele fez uma pausa, olhando ao redor. — Aqui a gente pode ser só a gente.
O silêncio que seguiu foi cheio de significados, mas nenhum de nós parecia saber como quebrá-lo.
Na verdade, não precisávamos quebrar o silêncio, e assim fizemos. Após alguns segundos nos encarando, voltamos a nos beijar. Dessa vez, os toques foram mais ousados. Eu sentia as mãos de Miguel percorrendo minhas costas, descendo lentamente até apertarem minha bunda. Um arrepio percorreu todo o meu corpo, algo novo e intenso, enquanto sua língua explorava minha boca e, em seguida, passeava pelo meu pescoço. Era uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo viciante, como se eu precisasse de mais, muito mais daquilo.
O tempo parecia ter parado naquele banheiro do quarto andar, mas o som estridente do sinal nos trouxe de volta à realidade. O anúncio da troca de tempo foi como um balde de água fria, nos obrigando a nos afastar, ainda ofegantes. Sem trocar muitas palavras, saímos do banheiro um de cada vez para evitar suspeitas. Eu fiquei um pouco mais, tentando recuperar o fôlego e processar o que tinha acabado de acontecer. Aquilo foi único. Foi muito bom.
Quando o intervalo chegou, eu sabia exatamente para onde ir. Voltei para o banheiro do quarto andar, onde Miguel já me esperava. Assim que entrei, não houve hesitação. Continuamos de onde tínhamos parado, como se cada segundo longe um do outro fosse uma eternidade. Suas mãos exploravam meu corpo com uma segurança que contrastava com minha inexperiência, e eu me deixava levar por cada toque, por cada beijo, por cada sensação nova que ele me proporcionava.
Os trinta minutos do intervalo pareceram passar em um piscar de olhos. Não consegui comer, não quis socializar. Tudo o que eu precisava estava ali, trancado comigo naquele banheiro. Miguel, aliás, era diferente quando estávamos juntos. Longe dos olhares dos colegas e da máscara de valentão que usava nos corredores, ele era doce, atento e vulnerável. Era como se, naquele espaço restrito, ele pudesse ser ele mesmo.
O resto das aulas foi arrastado. O relógio parecia se mover em câmera lenta enquanto minha mente já estava no que viria depois. Cada troca de professor era um lembrete de que o dia estava chegando ao fim, e eu mal podia esperar.
Finalmente, o último sinal tocou. Juntei meu material com uma rapidez que eu nem sabia ser capaz e me apressei para encontrar Miguel na porta da escola. Ele apareceu alguns minutos depois, caminhando com a usual despreocupação.
— Desculpa a demora, tava me despedindo dos moleques — disse ele, com um sorriso de canto.
Eu apenas assenti, tentando conter a ansiedade que me consumia. Não queria perder tempo com conversas banais. Tudo o que eu queria era ir para a casa dele e continuar de onde havíamos parado.
Enquanto caminhávamos, sentia uma mistura de excitação e nervosismo. Era como se cada passo nos aproximasse de algo maior, algo que eu ainda não compreendia completamente, mas que, de alguma forma, sabia que mudaria tudo.
Quando entramos na casa de Miguel, era como se tudo ao nosso redor tivesse se transformado em um refúgio. Não havia mais certo ou errado, apenas os nossos desejos intensos, crescendo a cada segundo que passava. Miguel jogou sua mochila no canto da sala, sem perder tempo, e me pegou no colo com uma rapidez que me fez sentir como se estivéssemos em outro mundo. Ele me levou até sua cama, e ali ficamos por quase uma hora, nos beijando sem parar, como se o tempo tivesse parado, como se o universo fosse só nosso. Nada mais importava, só estávamos ali, um ao outro, e era tudo o que precisávamos.
Foi quando dei por mim que percebi que Miguel já estava sem camisa. Minha mão, com uma coragem que eu nem sabia que possuía, percorreu seu abdômen com um toque ansioso. Cada músculo dele parecia vibrar sob a minha pele, e o clima ao nosso redor esquentava de forma quase insuportável. Miguel me virou de costas, e a sensação do seu toque em minha pele foi indescritível. Ele levantou minha camisa e começou a morder minhas costas, cada toque um pequeno incêndio, enquanto sua boca se movia até meu pescoço. Eu sentia seu corpo quente contra o meu, e isso era algo tão novo, tão gostoso, que eu não sabia mais se queria que aquilo parasse.
Porém, tudo parecia perfeito até que a porta da casa dele se abriu com um estrondo, interrompendo nosso momento. A voz da mãe dele, familiar, mas sempre um tanto intrusiva, anunciou sua chegada. Naquele momento, eu tinha um certo horror da mãe de Miguel, pois ela sempre parecia aparecer nos momentos mais inoportunos, quebrando a magia de tudo. Mas hoje, refletindo sobre aquele dia, sou grato a ela. Se não fosse por ela, talvez eu tivesse feito algo que ainda não estava pronto para viver. Graças à interrupção, consegui guardar aquela experiência, e ela aconteceu com a pessoa que eu mais amava.
Naquela mesma tarde, também tenho uma razão para agradecer à mãe de Miguel: a minha nota no trabalho. Se ela não tivesse chegado e nos interrompido, o trabalho nunca teria sido finalizado. Aquele pequeno desastre foi, de certa forma, um alívio.
Nos arrumamos rapidamente, tentando disfarçar o que havia acontecido. Sentamos no chão, um de frente para o outro, e começamos a abrir nossas mochilas, espalhando os livros ao redor, tentando criar a ilusão de que estávamos estudando. Lembro-me até hoje da mãe de Miguel entrando na sala e, com um sorriso satisfeito, parabenizando-me.
— Você é a única pessoa que fez meu filho estudar, Léo! — disse ela, com aquele tom alegre que me fazia sentir um pouco estranho, como se fosse uma mentira bem contada.
Miguel e eu trocamos um olhar rápido, cúmplice, enquanto tentávamos manter a compostura. O trabalho finalmente começou, embora o que acontecia entre nós, entre um momento e outro de estudo, fosse bem mais interessante. Roubávamos beijos furtivos, tocávamos um ao outro, e entre os carinhos e risadas nervosas, éramos jovens, com uma verdadeira bomba de hormônios prestes a explodir. E, naquele momento, nada mais importava.
Nós olhavamos como se o mundo lá fora não existisse, e tudo o que importasse estivesse dentro daquele espaço entre nós. Era engraçado ver aquele menino mais alto, com uma postura confiante, sempre à frente de tudo e de todos. Ele, com seu cabelo bagunçado, de um tom castanho-escuro quase negro, sempre jogado de um jeito que parecia despretensioso, mas que no fundo dava a ele um charme inegável. Seus olhos, de um verde profundo, refletiam uma intensidade que eu jamais tinha visto em ninguém. Tinha a mandíbula forte, bem definida, e um sorriso largo, quase sempre irônico, que parecia esconder algo a mais. A pele dele era bronzeada, resultado de longos dias ao sol, e o corpo era atlético, com ombros largos e braços tonificados, que pareciam ter sido feitos para segurar a atenção de qualquer um, mas ao mesmo tempo, ele não fazia questão de chamar olhares. O modo como ele se movia era de quem estava sempre no controle, com aquela confiança de quem sabia o que queria e onde estava indo. Miguel era, sem dúvida, o tipo de cara que passava a impressão de ser inatingível para os outros, mas comigo era diferente, e isso fazia toda a diferença. Ele sempre tinha essa aura de valentão, como se estivesse pronto para enfrentar qualquer coisa e todos, mas, ao mesmo tempo, havia algo mais suave por trás de suas atitudes, algo que só eu conseguia perceber quando estávamos sozinhos. Era o tipo de mistério que me fazia querer saber cada vez mais sobre ele, desvendar camadas de um garoto que parecia ser o oposto do que realmente era.
Adiantamos boa parte do trabalho até que já estávamos cansados e com fome. A mãe de Miguel tinha feito alguns pães de queijo, e aquilo era tudo o que precisávamos para dar uma pausa. Aquele cheiro gostoso que tomava conta da casa nos fazia esquecer por um momento de qualquer preocupação. Miguel queria que eu voltasse à casa dele no dia seguinte para terminarmos, mas, de repente, lembrei que no sábado teria um evento na casa da minha avó, com toda a família reunida, e que provavelmente dormiria lá, só voltando para casa no domingo de manhã.
Percebi o olhar dele de tristeza quando disse que não nos veríamos no dia seguinte. Era como se, por um momento, aquele olhar dissesse mais do que palavras poderiam. E, por impulso, acabei perguntando se ele não gostaria de ir à minha casa no domingo para finalizar o trabalho. Quando lembro desse convite agora, sinto um leve arrependimento, uma sensação de que, naquele momento, algo mudou irreversivelmente. Tenho certeza de que foi o fato de Miguel começar a frequentar minha casa que fez com que as coisas fugissem do controle e chegassem ao nível em que chegaram. A visita à minha casa, aparentemente inocente, plantou a semente para algo maior, algo que nem eu sabia que poderia acontecer. Aos poucos, enquanto escrevo sobre esse dia, minha mente retorna àquele fatídico dia em que tudo deu errado.
Eu me vejo tentando reviver aquele momento, como se de alguma forma eu pudesse retroceder e corrigir, mas sei que é impossível. Tudo estava se desenrolando de uma maneira que já não dava para controlar, e aquele olhar de Miguel, antes um simples gesto, agora me pareceu um sinal, uma advertência silenciosa do que estava por vir.