Os primeiros dias de aulas por aqui são sempre bem animados, geralmente Milena e Kaique não dão trabalho para acordar, mas no início do ano letivo, é sempre mais animador. Eles estão a todo vapor e ansiosos para recomeçar tudo novamente, dessa vez era um recomeço maior, em um colégio novo, com novos professores, funcionários e coleguinhas, mas felizmente, com a mamãe ao lado, do jeito que nós quatro queríamos que continuasse.
Eu amo o fato de Júlia trabalhar no mesmo local que nossos filhos estudam, eu sou uma mãe presente na escola quando realmente precisa, mas saber que ela está lá full time, que posso evitar trilhões de reuniões desnecessárias que poderiam ser resolvidas remotamente e que qualquer coisinha com as crianças, ela estará por perto para resolver de imediato, me dão um grande alívio, dessa vez Juh conseguiu ficar como responsável dos dois, e é bem melhor dessa maneira.
Quando levantei da cama, os dois já estavam acordados, de banho tomado, cada um penteando o próprio cabelo de frente para o espelho enquanto ouviam Beggin, extremamente empolgados (inclusive foi um tópico sensível aqui em casa quando essa música viralizou, os guris sentiram ciúmes 😂).
Fiquei reparando o quanto Mih deu um salto no tamanho, Kaká e ela sempre tiveram alturas parecidas, mas agora minha menina estava visivelmente mais alta, pelo menos, mais do que eu estava acostumada a ver, já que os dois possuem baixa estatura.
— Huuuuuum, estão animados... — falei e eles me notaram na porta do quarto.
Largos sorrisos surgiram em seus rostos, dei um beijo em cada e os deixei curtindo a vibe deles.
Quando entrei no quarto, Juh já estava no chuveiro, me juntei a ela que estava um pouco nervosa, contudo, esbanjando alegria. O seu entusiasmo era notável, muito bonitinho de apreciar. A gatinha estava muito feliz e isso me deixava mais ainda.
— Você vai iluminar aquele colégio — falei a abraçando e senti seu sorriso se abrir no meu peito.
Eu já estava trabalhando há alguns dias, eu não gostava da área, mas meus colegas eram divertidos e eu fazia a noite da minha mulher com as histórias mais loucas que se pode imaginar, a maioria das coisas aconteciam com outras pessoas, eu estava com poucos casos em mãos, mas mesmo assim, dividir com Juh tornava mais tragável. Ela sabia as minhas motivações e como eu ainda estava desconfortável no novo emprego, então foi perceptível para mim que ela estava me incentivando de diversas formas.
— Se comportem, obedeçam, não quero saber de confusão envolvendo vocês, qualquer coisa peçam para chamar a mãe de vocês e... Boa sorte, filhotes! — eles confirmavam freneticamente com sorrisinhos nos lábios e dei um beijo em cada um.
— E você... — disse apertando o nariz de Júlia — Confie, vai dar tudo certo, amor! Boa sorte também, tá? — falei pertinho de sua boca aguardando o beijo que ela me daria.
Entrei com eles e conheci a sala de aula e a professora do primeiro horário, brinquei que podia pegar no pé deles e ela respondeu que faria isso, as crianças me olharam um pouco assustada e eu só pisquei para eles, para deixar claro que era só resenha. Me despedi e fui com minha muié até a nova sala dela. Era bem mais espaçosa e bem dividida agora.
— Te amo, amor... Fica calma e faz o que eu sei que você ama, vai dar tudo certo — falei enquanto entrelaçava nossas mãos e fazia carinho na sua pele com o polegar.
— Eu também te amo e obrigada por estar me enchendo de confiança... Suas táticas estão funcionando muito bem... — disse com o sorriso mais gostoso do mundo.
Juh foi se aproximando e nossas mãos foram se soltando, agora eu segurava em sua cintura enquanto ela puxava meu rosto para si e nossas bocas se encontraram para um beijo apaixonado e cheio de sentimento.
— Lá se foi meu gloss — disse rindo quando finalmente nos soltamos.
Tirei do meu bolso o que ela tinha usado naquela manhã e entreguei rindo.
— Thanraaam — falei.
— Você pensa em tudo, né? — perguntou rindo enquanto pegava da minha mão.
— Te ligo no almoço, para você me dizer que está tudo indo como planejado — falei ao me despedir e trocamos um selinho.
Tiramos uma foto, que eu olhei diversas vezes ao dia enquanto e me perguntava o que eu tinha na cabeça de ter ido para uma área que eu odeio trabalhar.
Como prometido, um pouco após às 12h, quando eu cheguei em um restaurante, fiz meu pedido e liguei para saber como estava indo o dia do meu amor.
— E aí??? — perguntei quando o rosto dela apareceu na tela.
— Tudo indo bem, olha quem tá aqui comigo — respondeu mostrando Mih em seu colo.
Alguma coisa havia acontecido, mas como elas não tocaram no assunto, resolvi deixar para perguntar depois. Milena estava um pouco abatida.
— Um dia desse a mamãe que vai sentar no seu colo, de tão grande que você tá — falei e um sorriso brotou nela, bem singelo, mas já era alguma coisa.
— Ela tá gigante mesmo — concordou Juh enquanto dava uns cheirinhos nela.
— Maior que o Kaká — ela disse satisfeita.
— Cadê ele? — perguntei.
— Foi comprar suco para a gente — respondeu Juh.
E depois de um tempo a câmera virou para ele que vinha correndo com caixinhas nas mãos.
— Oii, mãe — falou acenando para mim — Aqui é muito mais legal que a outra escola, não é Mih?! — disse, mas não a deixou responder de tão empolgado — Tem muitas coisas para brincar!!!
— Pelo que eu soube... Agora a tarde vocês vão brincar de uma coisinha legal... — disse minha muié tentando fazer suspense.
— O quê???? — perguntou Kaká animado.
— Só sua prof que vai te dizer — respondeu se divertindo com a inquietação dele.
— Conta, mamãe... — ouvi Mih pedir.
— Eu também quero saber... — tentei os ajudar.
— Surpresa! — exclamou confiante.
Nós lamentamos, fizemos mais algumas tentativas, mas falhamos. A rainha do drama é ela, infelizmente nós não temos esse dom, não de uma forma que convença verdadeiramente.
Meu pedido chegou, mostrei para eles e continuamos conversando um pouco. Perguntei se gostaram da nova sala de Juh e confirmaram, Kaká já estava todo folgado deitado no sofá, falei que não era para eles se acostumarem porque com certeza não poderiam fazer isso com frequência.
— Lembra que vocês escreveram com piloto permanente na minha gaveta antiga? Vamos escrever algo nessa também? — falou Juh e os dois correram para a mesa.
— Amor, você mesma inventa as artes — falei rindo.
E foi bonitinho eles escrevendo que a amavam, agora a grafia estava bem mais bonita e ficou mais harmônico, mas o da outra escola era bem fofo por estar sem muita coordenação motora.
No fim eles assinaram e Kaká acrescentou o Oliver no final do nome de Mih, ele não falou nada, mas deu para ouvir um beijinho... Só então eu comecei a ponderar que deveria ter algo a ver com o estado que minha filhinha estava, mas novamente, preferi não tocar no assunto.
— Tá acabando meu intervalo, amor... Mais tarde a gente se vê, beijo! — se despediu minha gatinha.
— Beijinhos, mãe! — disse Kaká.
Mih fez coração e soltou um beijo no ar para mim.
— Tchauzinho, meus amores! Até daqui a pouco... Infelizmente vou ser a única que vai ficar curiosa sobre o que vocês vão brincar... — falei e eles riram.
O meu horário de almoço também já estava se finalizando, nem percebi o tempo passar de tão gostoso que foi compartilhar aquele momento com eles, vivendo o extraordinário no ordinário do dia a dia. Mesmo com algo incomodando Mih, a gente conseguiu dividir os nossos momentos.
Deixei uma mensagem dizendo que notei que algo aconteceu, mas Júlia disse que agora estava tudo bem e que já tinha passado, mas que quando chegasse em casa, a sós, ela me contaria.
O dia transcorreu bem, uma coisa ali outra aqui, o ambiente de trabalho era realmente a única coisa que me agradava ali, o pessoal era muito maneiro e a maioria com o humor duvidoso como o meu. Saí sabendo que teria um face time para iniciar uma análise ainda naquele dia. Sabia que meu amô não ia curtir a ideia, mas torci para ela compreender.
— Amor, Loren perguntou se você pode pegar ela no Ferry — falou Juh quando entramos no carro saindo do colégio.
Olhei meu celular, que estava no silencioso e já tinha inúmeras ligações dela.
— Não dá, amor, vou estar ocupada... Você pode? — Perguntei e ela confirmou que sim.
Fomos para casa e assim que chegamos, as crianças foram para o banho. Milena já estava normalizando o seu jeitinho de ser, porém, qualquer pessoa que a conheça, notaria a diferença ainda.
— O que houve? — Perguntei para Juh já dando um beijinho e tirando a roupa para um banho, a gente teria pouco tempo.
— Ela teve outra crise de ansiedade, novamente pelo sobrenome... — lamentou Juh.
Eu suspeitava o motivo, mas ter certeza e saber que o sofrimento da minha filha poderia ser evitado, corroía cada átomo do meu ser.
— Poxa... Como foi? — Perguntei chateada.
— Então... Tem meu nome completo em todos os projetos de aula, um colega notou que ela não tem nenhum dos meus ao assinar uma lista e perguntou... Ela começou a chorar e correu para o banheiro, Kaique foi atrás e alguém da inspeção o tirou de lá, era o banheiro feminino, ele foi até mim e disse que Milena não estava se sentindo bem, foi contando o que aconteceu no caminho e quando entrei já tinha duas pessoas tentando acalma-la, ela estava com o rosto para dentro do uniforme, quando me aproximei que ela ouviu minha voz, o choro se intensificou e ela caiu nos meus braços. Quando conseguimos sair dali, a levei para tomar um ar, a gente ficou conversando um pouquinho e Mih foi se acalmando e mais recuperada retornou para a aula. Conversei com o prof que ela só se sentiu mal, porém já estava melhor, dei um beijinho, reforcei que qualquer coisa podia me chamar e voltei a trabalhar, com o coração na mão por ter visto mais uma vez esse episódio se repetir... Quando você ligou, já estava mais tranquilo, ela só estava mais grudadinha, como sempre fica quando essas coisas acontecem e também porque zoaram por ela ter chorado, porém o mais pesado já tinha passado... — me contou.
— Isso tá passando dos limites, é ruim demais vê-la assim e saber que não posso resolver... — falei preocupada.
Milena não merecia e nem precisava passar por aquilo e eu me sentia completamente impotente e ineficaz com a situação que ainda se perdurava, causando um enorme angústia em Milena e em nós que presenciamos toda essa agonia.
Corremos para o banho, Juh saiu para buscar minha irmã e eu fui fazer algumas últimas anotações antes de iniciar a chamada para a análise. Enquanto isso ouvi as crianças passarem subirem e passei o olho neles, estavam treinando jiu-jitsu... Deixei passar para Kaique dessa vez, em alguns meses ele iniciaria as aulas mesmo e também, sabia que aquilo era como um presente para Milena. Ela ama o esporte, mas ama mais ainda ser a irmã "mais velha", ensinar coisas e ser responsável por ele. Pedi só que tomassem cuidado e avisei que ia trabalhar um tiquinho online, para que não fizessem tanto barulho, eles assentiram bem felizes e continuaram.
Terminei com o paciente e nada de Juh retornar, olhei no relógio e imaginei que deveria ter pegado um trânsito miserável, não existe data e horário bom para fazer travessia de Ferry Boat, o circuito tá sempre cheio, mas mesmo assim deixei uma mensagem perguntando se estava tudo ok.
Os babys dormiram cedo, juntinhos, acho que o primeiro dia de aula foi cansativo e também, gastaram o restante da energia brincando, não tinha como ficar de pé.
Alguns minutos depois, recebo uma ligação da gatinha.
— Amor, como troca um pneu? — me perguntou rindo.
— Sério??? Onde você tá? — Perguntei.
— Nem consegui pegar Loren, estava sem sinal, ela acabou indo de Uber... Tô... No meio do nada e com muitos carros passando! — me respondeu.
— Boa localização... — falei ironicamente — Acho que no seu caso só pedindo ajuda a alguém, gatinha... — falei sem imaginar uma boa solução.
— Ninguém para, tenta me ensinar — pediu.
— Amor, isso não vai dar certo, me envia sua localização que vou aí, você não deve estar muito longe — falei.
— Vou mandar, mas me fala antes o que fazer, vai que eu consigo resolver — falou esperançosa.
— Estepe, chave de roda e o macaco — disse sem paciência.
— Estepe eu sei que é o reserva, mas o restante eu tenho que comprar? Não dá pra deixar o carro aqui sozinho... — concluiu.
Eu simplesmente tive uma crise de riso, não era momento, eu já estava me irritando com o fato dela ter insistido na ideia, mas não dá... Com Juh não dá!
E foi assim que eu tive que acionar o serviço de assistência por um pneu furado.
Quando ela chegou eu fiz as apresentações.
— Macaco, chave de roda, essa é a Júlia, Júlia, esses são o macaco e a chave de roda — falei zoando.
— Engraçadinha... Mas como eu ia adivinhar que tem isso no carro? — me perguntou.
— Amor, você é habilitada... — falei, rindo.
Nem quis resenhar mais, ia ser apelação de tão fácil.
Só dei um beijinho ainda rindo da cara dela que também estava se divertindo um pouco com a situação.
— Agora me ensina! — falou me empurrando contra o carro.
Achei que era brincadeira, mas Júlia me fez ensiná-la a como trocar pneus às 20h de uma segunda-feira comum, após um longo e cansativo dia para nós duas.
E ela aprendeu!
No outro dia, quando despertei, vi Juh saindo do meu lado. Perguntei se estava tudo bem e ela confirmou, dizendo que tinha sonhado com nossos filhos e que ia passar o olho neles. A acompanhei, e enquanto ela verificava se estava tudo nos conformes, eles acordaram. Mas, como já era o horário, ela brincou dizendo que estava ali por saudade, porque eles não deram nem um beijinho de boa noite. As crianças nos abraçaram e eu falei:
— Pior sou eu, que até agora não sei qual foi a brincadeira divertida no colégio.
Eles riram de mim.
— Foi de pintar nossa família — explicou Mih.
— Pintei meu cabelo de verde — disse Kaká, e nós rimos.
Por mais que haja intercorrências, iniciar o dia assim é um combustível para chegar ao fim dele.