Aqui em Salvador, tem muitas praias escondidas. Mesmo já tendo morado aqui antes e morando agora, ainda consigo me surpreender com as belezas mais camufladas dessa cidade. Às vezes a gente encontra sem querer, às vezes por indicação de amigos ou por vídeo que achamos na internet. Dessa vez, foi a terceira opção que nos ajudou, e chegamos até a Vila Brandão.
É um lugar lindo, oferece uma visão tranquila e agradável, com um ambiente caracterizado por sua simplicidade. Dizem que a faixa de areia é amarelada; todas as vezes que fomos, não conseguimos ver, já descemos uma escadinha e caímos direto no mar, que é calmo e cristalino. Tem tons azuis e verdes que encantam meus olhos e me proporcionam tranquilidade e relaxamento, só em observar. O local é cercado por vegetação, e isso dá um visual diferenciado do que estamos acostumados a ver por aqui. A maioria dos moradores são pescadores e são eles que preservam as preciosidades do ambiente. São bem receptivos e carismáticos. Outra coisa bem legal é que lá não é tão visitado, então me passa a impressão de que é algo não explorado, intacto, um refúgio para nossas almas agitadas.
Tem bastantes pedras, então não é uma praia que a Juh goste tanto de ficar no mar. Para Kaique e Milena, isso não é um empecilho; eles adoraram e quase não saíram de lá. Nós brincamos um pouco com eles e depois ficamos sentadas em um restaurante de olho neles e curtindo o que aquele paraíso podia nos proporcionar.
Após o almoço, fomos caminhar um pouco para conhecer mais, encontramos as pessoas que ali moram, e é incrível como todos são receptivos. Seguimos com nosso passeio, as crianças na frente brincando de algo que envolvia correr e nós logo atrás, bem de casalzinho, dando alguns selinhos e observando a paisagem.
Quando estávamos voltando, nos direcionando para o carro, vi que nossos filhos encontraram alguma coisa e estavam agachados. Pareciam fazer carinho, então imaginei que era algum animal. Nesse mesmo momento, minha sogra ligou para Juh, e ela se afastou um pouco porque a ligação falhava. Eu prossegui em direção a Kaká e Mih, estava curiosa para saber o que havia tomado a atenção deles.
Me assustei com o que vi: era um Pitbull malhadão, bem definido mesmo. A pelagem dele era em um tom de marrom avermelhado, com o nariz bem vermelho. Seus olhos pareciam tristes e ele estava "chorando". Alguém, provavelmente o dono, havia acabado de tentar cortar sua orelha; estava pendurada e pingando sangue.
— Vocês são malucos? Se afastem, ele está sentindo dor, pode morder vocês! — falei, tentando não fazer movimentos alarmantes, mas segurando no ombro de cada um.
— Mãe, vamos ajudar ele, por favor! — pediu meu filho, vindo até mim.
— Vamos ficar com ele, tadinho, tá sofrendo... Por favor, mãe!!!!! — implorou Mih, ajoelhando-se na minha frente.
— É... Não dá, amores... A gente pode levar ele até um veterinário, mas ficar com ele não dá... É perigoso e essas coisas têm que ser resolvidas com a mamãe também — expliquei para os dois, que agora tinham olhares tristes.
— Mas ele é mansinho, olha, mãe — disse Kaká, se aproximando novamente, mas eu o impedi, segurando-o.
— Eu vou chamar a mamãe, pera! — exclamou minha filha, correndo para onde Juh estava. Essa eu não consegui conter.
— Deixa a gente cuidar, mãe, por favor!!!! — pediu Kaique novamente, me agarrando. Sua voz já estava embargada. — Tadinho, machucaram ele e eu nem posso fazer carinho pra aliviar! — Agora ele já chorava, e eu acariciava suas costas.
— Nós vamos ajudar, fica tranquilo, filho... — tentei dizer para acalmá-lo.
O cachorro seguia quieto e chorando, permanecia um pouco próximo de nós. Quando deitou, percebi que, além de forte, ele era grande.
— Vamos ligar para um médico de cachorro, liga, mãe, procura um número, por favor, quero ajudar. — Kaká pediu, um pouco desesperado.
Peguei o celular, e ele sentou entre as minhas pernas para observar o progresso. Liguei para o primeiro número de veterinário que apareceu e contei o que estava acontecendo. Perguntei se poderiam buscar o animal, e disseram que estavam sem transporte, que teríamos que levá-lo. Procuramos mais um pouco; a maioria alegava a mesma coisa, mas acabamos encontrando uma clínica que conseguiria fazer o transporte e passei a localização, já via WhatsApp. Se eu não encontrasse, já estava pensando em como faria, porque com certeza não deixaria o bichinho ali sofrendo.
Mih voltou, puxando Juh pela mão. Elas corriam para chegar até nós, e minha mulher estava claramente sem entender nada do que acontecia.
— O que houve???? Mimi disse que era urgente, caso de vida ou morte! — Questionou Júlia, bem ofegante e preocupada.
— Deixa eu conversar com a mamãe um pouquinho — falei para eles.
— A gente precisa salvar o doguinho — disse Mih, apontando para o cachorro.
Expliquei o que aconteceu para Juh, que obviamente concordou em levarmos ao veterinário, mas também não achava legal um Pitbull em casa.
A van da clínica chegou, nós sinalizamos e seguimos atrás com nosso carro. As crianças não iam ficar em paz se não soubessem que tudo acabou bem.
Entrei com o cachorro, e Juh ficou com as crianças. Infelizmente, o corte foi feito todo errado e não teve mais jeito, porém ele ia ficar bem. É comum esse tipo de coisa acontecer, acho uma idiotice estética, mas sei que muita gente faz, mesmo sendo crime.
A veterinária disse que eu podia levar ele para casa e observar se teria infecção. Se caso houvesse, era para retornar com ele. Expliquei mais uma vez, como tinha feito na ligação, e ela disse que tudo bem. Perguntei para onde ele iria, e ela disse que provavelmente para um canil. Não vou negar, fiquei um pouco tocada e quis levá-lo conosco. Parecia ser um cãozinho dócil que foi vítima da maldade humana. A doutora disse que, provavelmente pelos outros ferimentos, ele era um cão de rinha, e era tão definido porque haviam usado anabolizantes nele. Era um palpite, só o exame iria comprovar isso.
Saí, e Juh se aproximou de mim para conversarmos a sós.
— Você acha que ele é muuuuito bravo? — me perguntou.
— Achei dócil... Se fosse raivoso, a decisão seria mais simples... — falei para ela.
— E se a gente... Tentasse... Ficar com ele... — sugeriu.
Olhei para as crianças, que estavam nos observando de longe atentamente. Milena balançava a perna freneticamente, e Kaique estava quase saltando da cadeira em que estava sentado.
— Aqueles olhinhos pidões te convenceram? — perguntei, sorrindo.
— Eles parecem ter argumento para tudo... — se justificou. — Mas e aí, o que você acha, amor? — perguntou em seguida.
— Vamos tentar então. — Concluí, dando um selinho nela e sorrindo.
Fomos em direção às crianças, expliquei que agora estava tudo bem e que ele ia precisar ficar sob observação por alguns dias.
— Não é justo nosso amiguinho ir para um canil, não é? — Eles acenaram que sim com a cabeça, mas esperaram eu concluir a minha linha de raciocínio. — Então pensei ali com a mamãe: Quem a gente conhece que pode cuidar desse cachorro?
— Eu!!!!!! — disse Kaká, pulando da cadeira e erguendo a mão.
— Eu também ajudo!!!! — falou Mih, também saltando e repetindo o gesto do irmão.
— Exatamente, pensamos em vocês! — exclamei, sorrindo. E eles nos abraçaram, muito felizes, vibrando pelo novo membro, temporário ou não, da nossa família.
— Tem que dar muito amor e carinho, mas nós vamos ter que tomar certo cuidado também. Nós não sabemos como foi a criação dele, então vamos prestar bastante atenção em como ele vai agir com a gente. Dependendo disso, ele pode ficar com a gente, tá bom? — perguntou Juh, e eles dois apenas confirmaram que sim, empolgados e nos enchendo de beijos.
Conversei com a equipe, que me aconselhou sobre algumas coisas, e um pouco depois o cachorro foi liberado. Ele voltou dormindo e só acordou em casa. As crianças estavam ansiosas para o reencontro. Nós tínhamos comprado ração e brinquedos para o doguinho, e enquanto ele tirava a beleza do sono, pensamos em alguns nomes.
— Seria engraçado se o nome dele fosse Gato — disse Kaká, rindo, e eu ri junto.
— Não, gente, Gato não... Vamos pensar em alguma coisa criativa... — disse Mih, ela é muito exigente em nomear coisas, animais ou pessoas.
— Pode ser Cachorro, que nem o Cavalo de Kaká — falei justamente para provocar minha filha, que com certeza odiaria a minha sugestão.
— Mãe! — chamou minha atenção. — Por favor, né?!
— Parei, parei... — respondi, rindo.
— Max, meu antigo nome — falou meu filho ainda rindo.
— Não dá, já tem o do vovô. Quando a gente chegar na pousada e chamar um, vem os dois — justificou Milena.
— Quando eu era criança, tinha um cachorro grande e forte chamado Cratos — disse Juh.
— Esse é legal, o da mamãe tá ganhando — falou Milena.
— Aaaah, não vale... Vocês estão boicotando nós dois — falei, rindo e deitando a cabeça no colo de Kaká, que também ria.
— Mas eu estou quietinha aqui, só dei uma sugestão... — se justificou Juh.
— Só a mamãe teve uma proposta boa — disse Mih, convencida.
— E você? Só vai ficar de julgadora, não vai dar nenhuma ideia maravilhosa e que ninguém pensou? — disse Kaique, desafiando a irmã. A gente estava rindo muito daquilo.
— Não... Eu só não lembro o nome do ator, ele é loiro e terminou com a mulher. Acho que o nome dele termina com Bull — falou.
PQP, essa menina é extremamente inteligente e criativa.
— Isso é desculpa! — disse Kaká, porque não entendeu o pensamento da irmã.
— É Pitt, o nome dele tem Pitt e não Bull — falei, encarando minha filha. No fundo, eu estava bem orgulhosa já imaginando a sua proposta.
— Brad Pitt? — perguntou Juh, surpreendida.
— Brad Pitt Bull, a minha sugestão — falou Milena, sorrindo.
Expliquei para Kaká direitinho que era um ator muito famoso e que fez vários filmes, e ele compreendeu.
— Você sempre tem as melhores ideias, Mih — ele falou, todo felizinho, se jogando por cima dela para um abraço.
Eu vi aquele abraço espontâneo, aquele gesto simples, mas que dizia tanto. Mih rindo, com os braços em volta dele, e ele se jogando com aquele sorriso radiante, cheio de alegria. Como se nada mais importasse naquele momento. Eles tinham uma conexão tão pura, uma amizade que vai além de qualquer palavra que eu possa dizer.
Juh estava ao meu lado, e sem dizer uma palavra, nossos olhares se cruzaram. Não havia necessidade de falarmos nada. As palavras poderiam até diminuir a magnitude daquele momento. Estávamos ali, as duas, observando nossos filhos, e a felicidade que emana deles transbordava para nós. Eu sabia o quanto aquilo significava, e acredito que Juh também soubesse. Nossa jornada como mães tinha sido cheia de desafios, mas momentos como aquele faziam tudo valer a pena. Na verdade, todos os momentos com eles fazem valer a pena tudo que passamos para ter nossa família.
O amor que existia ali não precisava ser explicado. Não precisava de palavras, de justificativas. Eu só sentia no peito uma sensação de imensa gratidão e felicidade. Ver o amor deles me preenche de uma forma que eu nunca poderia ter imaginado um dia. Eles estavam crescendo, se tornando crianças cada vez mais incríveis, e o vínculo deles, que existiu desde o primeiro segundo, estava progressivamente mais forte e verdadeiro. Era o maior presente que podíamos ter.
Nosso olhar, sem palavras, disse tudo. Em silêncio, compartilhamos aquele momento, sabíamos que a felicidade deles era a nossa também.
— Acho que temos um nome vencedor! — falei, finalmente.
— Brad Pitt Bull, pronto, está batizado — concluiu Júlia, sorrindo.
E foi quando ele acordou e fomos ter o nosso primeiro contato ali na nossa casa.
Se ele era mesmo de rinha, eu não sei, acho que era mais um saco de pancada de humanos, só isso ia justificar o quanto ele estava debilitado, porque o cachorro era um bobão, agia como um filhotinho.
Juh ficou de longe nos observando interagir. Ele estava brincando direitinho e tranquilo com a gente, bebeu água e devorou a ração.
— Seu nome é Brad Pitt Bull, cachorrinho, e você agora pode ser feliz porque tem uma família que vai cuidar de você e te dar muito carinho — disse Kaká.
— A gente te ama muito e vamos te ajudar a ficar bonzinho logo, meu irmão é o melhor do mundo em cuidar de quem não está bem! — exclamou Mih.
Misericórdia, meu coração não ia aguentar com tanta fofura desses dois em um dia só.
Juh se aproximou devagar e me abraçou por trás, dando um beijo nas minhas costas.
Brad ficou curioso e quis ver quem estava ali. Não sei por que, ele se animou com a minha gatinha, foi pulando nas pernas dela, que se assustou e quase me escalou inteira.
As crianças riam e eu tentava acalmá-la, dizendo que ele só queria brincar, mas Juh não parecia conseguir me entender.
Com ela quase montada em mim, a sentei no muro da varanda e virei de frente para meu amor.
Massageei o peito dela com um riso no rosto. Estava com os batimentos acelerados e eu repeti que era só brincadeira, o cachorro era um grande atoa.
Aos poucos, voltamos a falar a mesma língua e ela desceu do muro. O cachorro voltou para perto dela e Juh fez carinho de leve na cabeça dele, que pulou de alegria, correndo de um lado para o outro e retornou, ficando apoiado em seu colo. Minha mulher agachou e recebeu muitas lambidas. Agora, ela já estava se sentindo mais segura.
— Acho que Juh é a humana favorita dele — brinquei, e todos riram.
Ficamos um pouco mais ali fora e depois mostramos a casa para o Brad. Aquela noite, de forma interina, ele ia dormir na sala. Preparamos um cantinho confortável e ele pareceu gostar, pois não saiu mais de lá.
— Agora vamos deixá-lo descansar! — exclamei, observando-os murcharem um pouco.
— Só mais cinco minutinhos... — pediu Kaká.
— É, mãe, até ele dormir! — pediu Mih, com as mãos postas.
Olhei para Juh, e ela claramente pediria o mesmo, então ficamos mais um pouco. Só que Brad não dormiu, aí eu tive que carregar uma, e Júlia, o outro, para o doguinho ter um pouco de paz.
Naquela noite, nós recebemos o maior número de beijos possíveis em agradecimento. Eu não sabia que eles queriam tanto um animal para cuidar daquela maneira. Ficaram bem felizes com a chegada inesperada do cachorro. No banho, não existia outro assunto, eles gritavam de um banheiro para o outro os planos do dia seguinte com o Brad.
— Amor, eles são tão... preciosos... — disse minha mulher, entrando para uma ducha, e eu a acompanhava.
— São únicos... São crianças extremamente empáticas, amorosas, brincalhonas, com bom humor, carinhosas... Sei lá... Não sei se é porque somos mães deles e babamos, mas eles são incríveis... — falei com sinceridade.
— Eles têm uma pureza, né? No olhar, nas ações... Fico toda orgulhosa observando como estão crescendo bem! — disse-me, sorrindo.
Eu tinha a mesma sensação.
— Deus, conserva essa pureza até uns 20 anos, pelo menos, tem coisas que eu não estou pronta! — brinquei, e Juh riu.
— 20? Fica aí sonhando... — debochou de mim.
— Senhor, faz com que eles puxem a mamãe deles, que só conheceu a Disneylândia aos 20! — brinquei novamente.
Ela riu e me abraçou forte, olhando dentro dos meus olhos.
— Só você para transformar um momento fofo e emotivo em engraçado — disse-me.
— Desculpa, é mais forte que eu fazer gracinha — falei, dando vários beijinhos em seu pescoço molhado.
— Não, eu adoro isso em você, amor... Eu te amo tanto, amo tanto nossos filhos, a nossa vida... Obrigada por tudo isso que nós temos, você é uma mulher maravilhosa — disse, com aquele sorrisinho lindo.
— Temos que agradecer uma a outra então, porque sem você, nada disso seria possível... Você é magnífica e te agradeço por tudo o que você faz por nós. Também amo você e tudo o que estamos construindo! — falei, nos aproximando cada vez mais.
E nos beijamos com aquela água morna caindo suavemente sobre nós duas, criando uma atmosfera tranquila, acolhedora, íntima e serena. O toque das mãos dela em volta do meu pescoço era delicado, quase como uma dança silenciosa, me puxando gentilmente para mais perto. Seus lábios macios me proporcionavam um beijo calmo, molhado pela água que nos banhava e por nossa saliva. O toque era lento, como se o tempo estivesse desacelerando, e o mundo ao redor desaparecesse, deixando apenas a sensação de estar ali, tão coladinhas, comemorando um milhão de pequenas boas coisas que estavam acontecendo na nossa vida. A respiração compartilhada, as batidas intensas do coração e a paz daquele momento; estava tudo perfeito! Cada movimento era natural, sem pressa, apenas a cumplicidade silenciosa que se criava com o toque suave das nossas bocas e o som relaxante da água caindo.
— Aaaaacho que você quer visitar a Disneylândia hoje — brinquei, antes de depositar uma sequência de selinhos.
Ela riu e segurou meu rosto para novos selinhos.
Terminamos o banho e fomos para a cama. O dia foi completamente fora do roteiro, mas com certeza valeu a pena. Estávamos felizes demais com o resultado da criação dos nossos filhos, agradecidas pelo nosso relacionamento e alegres com o Brad que nos adotou!