O quarto de hotel tinha um tom acolhedor, mas a atmosfera era sufocante. As cortinas escuras bloqueavam o brilho do sol, deixando o ambiente mergulhado em sombras. O leve ruído do ar-condicionado parecia amplificar o silêncio denso entre nós três. Eu me sentia esmagado pelo peso da presença de Amanda, a ex-namorada de Kadu, agora uma figura viva diante de mim.
Estava sentado na beira da cama, o tecido macio parecia duro contra minha pele. Meu coração batia em um ritmo irregular, como se tentasse acompanhar o choque de cada palavra que ela dizia. O rosto dela estava marcado pela dor, os olhos marejados pareciam à beira do colapso, mas sua voz era firme, cortante.
— Foi assim que ele me pegou, — Amanda começou, encarando o chão como se as lembranças fossem uma prisão que ela ainda não conseguia escapar. — Primeiro, ele me prometeu que seria só uma conversa. Disse que me deixaria em paz, que só queria resolver as coisas... — Ela parou, respirando fundo. — Mas era mentira. Quando acordei, já estava naquela fazenda.
Um arrepio percorreu minha espinha. A cada detalhe que ela revelava sobre Marc, minha mente desenhava um monstro ainda mais cruel do que eu imaginava.
— Eles me trancaram, — ela continuou, a voz vacilando. — Eu só via a luz do dia quando os guardas abriam a porta. Marc vinha de vez em quando... — Amanda engoliu em seco, erguendo o olhar e fixando-o em mim. — Ele dizia que ainda era obcecado por mim, mas dava pra ver que eu não era mais prioridade. Faz meses que ele não aparecia.
Uma onda de culpa me invadiu. Ele não aparecia porque estava comigo. Aquele pensamento me atingiu como uma lâmina fria.
— E agora, — a voz de Bia interrompeu o fluxo sombrio dos meus pensamentos. — O cerco tá se fechando. Eu mesma denunciei a fazenda pro Tenente Erick. A polícia tá investigando, mas é um jogo de paciência. Marc sabe que está acuado, e vai cometer erros. Precisamos estar prontos.
Olhando para Amanda e ouvindo os detalhes, era impossível ignorar a dúvida corrosiva que se formava dentro de mim: e se Kadu ainda sentisse algo por ela? E se tudo o que tínhamos fosse apenas um desvio temporário para ele?
Bia percebeu meu olhar perdido e se aproximou.
— Yago, precisamos de você aqui, agora. Amanda não pode ficar nesse hotel pra sempre. Marc vai tentar encontrá-la.
Assenti mecanicamente, mas minha mente estava longe dali.
— A gente vai resolver, — murmurei, minha voz carregada de incerteza. — Mas, Bia, tem outra coisa...
Ela me lançou um olhar inquisitivo.
— É sobre a Giovanna, — comecei, sentindo um nó na garganta. — Eu a vi usando cocaína hoje.
Os olhos de Bia se estreitaram, mas, surpreendentemente, ela não reagiu com choque.
— Eu já imaginava. — O tom dela era calmo, mas havia firmeza. — Eu sei que ela tá perdida, mas vou lidar com isso depois. Agora, precisamos focar em Amanda.
Antes que eu pudesse responder, meu celular vibrou. Olhei para a tela e senti o sangue gelar. Era Marc.
— Ele quer que eu vá até a casa dele, — murmurei, a voz vacilante. — Não quero ir.
Bia sorriu de forma sombria.
— É exatamente por isso que você tem que ir. Marc tá no limite. Ele perdeu a fazenda, e você pode usar isso. Seduza ele, descubra o que ele tá planejando.
Respirei fundo, a sensação de estar sendo empurrado para um abismo crescendo dentro de mim. Pedi um carro por aplicativo e parti para a casa dele.
A casa de Marc era uma mistura de opulência e vazio. A fachada de madeira escura, adornada por detalhes em ferro forjado, parecia imponente, mas havia algo inquietante no silêncio que pairava ao redor. Cada passo que eu dava pelo piso de mármore ressoava no ambiente, aumentando minha sensação de desconforto.
Quando entrei em seu escritório, o cheiro de madeira polida e couro invadiu minhas narinas. Marc estava de pé, perto da janela, com um copo de uísque em mãos. As luzes quentes das luminárias lançavam sombras longas e dançantes pelas paredes repletas de livros antigos.
Ele se virou ao ouvir meus passos. Seu olhar era intenso, como se pudesse enxergar cada pensamento escondido em minha mente.
— Você veio, — ele disse, um sorriso predatório surgindo em seus lábios.
Tentei parecer firme, mas sentia meu corpo tenso.
— Você pediu, — respondi, tentando manter a voz estável. — O que tá acontecendo?
Marc não respondeu de imediato. Ele caminhou até mim, deixando o copo sobre a mesa com um movimento casual. Quando estava perto o suficiente, ergueu uma mão e deslizou os dedos pelo meu rosto, traçando uma linha lenta e deliberada.
— Não quero falar de problemas, — ele murmurou, sua voz baixa e rouca. — Você é a única coisa que consegue me tirar dessa escuridão.
Antes que eu pudesse reagir, ele me puxou pela cintura. Seu corpo pressionou o meu, e seus lábios capturaram os meus com urgência. O cheiro amadeirado de seu perfume e o calor de seu toque me deixaram desnorteado.
Tentei resistir, mas havia algo hipnótico em sua presença. Ao mesmo tempo, uma voz dentro de mim gritava que aquilo estava errado. Marc sabia como invadir minhas defesas, como manipular cada pedaço de mim.
Ele tirou minha camisa com um gesto lento e deliberado, seus olhos percorrendo meu corpo como se quisesse gravar cada detalhe.
— Você não faz ideia do quanto eu preciso de você, — ele sussurrou contra minha pele.
Minhas emoções estavam em guerra: repulsa, atração, culpa e medo. Cada toque de Marc parecia mergulhar mais fundo na minha mente, confundindo meus pensamentos.
Foi quando ouvi um som. Um rangido suave na madeira. Olhei para a porta e vi Giovanna.
Seus olhos estavam arregalados, o rosto uma mistura de choque e raiva. Meu coração parou.
— Giovanna... — sussurrei, mas não consegui dizer mais nada.
Ela saiu, e eu corri atrás dela, sabendo que aquela noite estava prestes a ficar ainda pior.
Corri pelo corredor, meu coração batendo mais rápido a cada passo. A casa parecia ainda maior naquele momento, os ecos de nossos passos preenchendo o vazio. Vi Giovanna atravessar a porta principal com pressa, mas consegui alcançá-la antes que ela cruzasse o jardim.
— Giovanna, espera! — minha voz saiu embargada, quase como um apelo.
Ela se virou bruscamente, o rosto contorcido de fúria e algo mais. Decepção? Raiva? Não conseguia decifrar.
— Você tá brincando comigo, né? — disparou, a voz carregada de veneno. — O que é isso, Yago? Isso... com o Marc?
Eu queria encontrar as palavras certas, mas nada parecia suficiente.
— Não é o que você tá pensando.
Ela soltou uma risada amarga, incrédula.
— Não é o que eu tô pensando? Então o que era? Porque parecia bem claro pra mim! Você tava se jogando pra ele!
— Não foi assim! — protestei, sentindo meus olhos arderem.
— Então me explica, Yago, me explica como você, que tá namorando o meu irmão, tá com o meu pai daquele jeito!
As palavras dela caíram como facas. Meu peito parecia que ia explodir.
— Você não entende! — gritei, a voz finalmente se quebrando. — Você não entende o que ele faz comigo!
— Ah, coitadinho do Yago! — Giovanna gritou de volta, gesticulando com sarcasmo. — Vai culpar ele também? Porque, pelo que eu vi, você não tava exatamente tentando fugir!
Engoli em seco, sentindo uma lágrima escorrer pelo rosto.
— Eu tô tentando lidar com tudo isso, Giovanna. Você acha que eu gosto dessa confusão? Que eu gosto de estar no meio disso?
Ela deu um passo à frente, me encarando com uma intensidade que me fez recuar.
— Você é patético, sabia? Você se faz de vítima o tempo todo, mas no final, você escolhe isso. Você escolheu ir até ele. Você escolheu se envolver.
Meu corpo tremeu com a raiva e a tristeza que se misturavam dentro de mim.
— E você? O que você tá escolhendo? Tá se matando com drogas e fingindo que tá tudo bem! Você acha que pode falar de mim, mas olha pra você, Giovanna!
Os olhos dela se arregalaram, e por um momento pensei que ela fosse me bater. Mas, em vez disso, ela começou a rir. Uma risada amarga, quase cruel.
— Ah, então agora você vai jogar isso na minha cara? — perguntou, cruzando os braços. — Você acha que tá salvando o mundo, né, Yago? O herói perfeito que quer consertar todo mundo, mas nem consegue arrumar a própria vida.
— Eu só quero ajudar você! — implorei, sentindo as lágrimas escorrerem livremente agora.
Ela me olhou de cima a baixo, como se me julgasse, como se eu fosse um inseto insignificante.
— Você não pode me ajudar. Ninguém pode.
Ela tirou o celular do bolso e começou a discar.
— O que você tá fazendo? — perguntei, a voz vacilando.
— Ligando pra Kadu. Ele precisa saber com quem ele tá se metendo.
— Giovanna, por favor... — supliquei, mas ela ignorou.
Levantei a mão, instintivamente, para segurar o braço dela, mas ela me afastou com força.
— Não toca em mim! — gritou, seus olhos cheios de lágrimas agora.
Ela olhou para o celular, mas hesitou. Percebi que estava tremendo, e por um momento, pensei que fosse mudar de ideia.
— Ele não vai atender, Giovanna, — murmurei, com a voz exausta. — Ele tá no treino.
Ela bufou, frustrada, e desligou a ligação antes mesmo de chamar.
— Ótimo, porque não quero ouvir a voz dele agora, de qualquer forma, — disse, com uma frieza que me assustou.
Então, sem dizer mais nada, ela começou a caminhar para fora da casa.
— Onde você vai? — perguntei, sentindo o pânico crescer de novo.
Ela se virou, os olhos ainda brilhando com a raiva e a mágoa que eu havia causado.
— Vou falar com a minha mãe. Vou contar tudo pra ela.
Fiquei parado na entrada da casa, assistindo enquanto ela caminhava até o portão. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo, incapazes de me mover.
Senti meu celular vibrar no bolso. Peguei o aparelho com mãos trêmulas, esperando que fosse Kadu ou Bia, mas era outra mensagem de Marc:
“Espero que tenha gostado do nosso momento. Ainda há muito que podemos explorar juntos. Já estava na hora de todos saberem nossos segredos.”
Meu estômago revirou, e a casa ao meu redor pareceu ainda mais sufocante. As palavras de Giovanna ecoavam na minha cabeça.
Eu estava perdendo tudo e todos. Peguei meu celular e mandei uma mensagem pra Bia, ela tinha que resolver isso, eu não queria mais.
"Temos um problema, não deixa Giovanna contar nada pro Kadu, por favor!" Enviei.