Estávamos no início do mês de novembro e eu já estava pensando nas minhas férias. Não tive nenhum problema no trabalho este ano, graças a Deus. Mas eu estava louca para voltar à pousada e passar uns dias de paz com meu amor. Rever minha sogra e poder esfriar a cabeça naquele lugar tranquilo seria incrível.
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O que mais me deu dor de cabeça no ano foram, novamente, as drogas. O crack, infelizmente, era uma praga nas ruas, além da onda de drogas sintéticas que era a nova moda entre os jovens. Tivemos muitas operações para prender alguns traficantes conhecidos na cidade e obtivemos sucesso em algumas dessas operações. Eu trabalhava durante o dia e meu maior trabalho era na porta dos colégios dos bairros da região.
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Em casa, tudo seguia bem comigo e com Naomi. Mas em uma terça-feira, isso começou a mudar. Uma das primeiras mudanças foi que cheguei do trabalho mais tarde naquele dia e Naomi já tinha chegado e estava estudando no seu quarto. Quando fui lá para avisar que tinha chegado e dar um beijinho nela, notei que ela estava meio estressada. Também percebi que ela estava estudando sozinha e fui buscar na memória a última vez que eu tinha visto Rose estudar com Naomi; fazia um bom tempo que isso não acontecia.
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Fui até Naomi e lhe dei um beijinho. Ela melhorou um pouco o semblante assim que me viu. Perguntei o que estava acontecendo, por que ela estava de cara feia. Ela disse que só estava com muita coisa na cabeça e não estava conseguindo se concentrar nos estudos. Eu perguntei o que estava acontecendo para desconcentrá-la, mas ela não quis me falar, só disse que era coisa dela e que logo tudo ficaria bem. Eu achei meio estranho porque nós falávamos sobre tudo, mas não quis aumentar seu estresse e deixei para lá. Perguntei sobre Rose e Naomi disse que Rose tinha se afastado dela por causa de uma amiga que Naomi fez. Pelo que Naomi me disse, essa amiga tinha algumas tatuagens e o cabelo pintado de duas cores. Rose não gostou dela e simplesmente se afastou. Naomi disse que a amiga nova se chamava Rayssa e era muito gente boa, mas parecia que Rose não gostou dela por causa do estilo dela.
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Eu, sinceramente, não estranhei isso; Rose era mesmo muito fechada e nunca tinha visto ela com outra amiga, até Naomi aparecer, mas parece que essa nova amiga de Naomi a afastou. Era normal ver garotas com tatuagens; Diana tinha algumas e eu mesmo pensava em fazer uma no futuro. Como Naomi disse que essa Rayssa era gente boa e, pelo jeito mais tímido e fechado de Rose, eu nem me preocupei com aquilo.
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Seguimos nossas vidas, mas notei que a cada dia Naomi parecia mais distante, menos carinhosa, e outra vez perguntei a ela se estava com algum problema. Ela, mais uma vez, disse que não, que estava fazendo as provas finais e por isso estava meio nervosa. Eu disse que tudo iria dar certo e falei para ela pedir ajuda a Rose, caso precisasse. Ela disse que tinha feito isso, mas Rose falou mal da Rayssa e as duas acabaram se desentendendo de vez. Mas estava tudo bem; ela iria se esforçar mais e tudo daria certo.
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Chegamos na última quinzena do mês de novembro e, mesmo com Naomi meio diferente, eu não me preocupei tanto; Naomi era inteligente e iria se sair bem. Mas uma ligação ligou meu alerta. A diretora da faculdade me ligou e perguntou se Naomi estava com algum problema. Eu disse que não que eu soubesse e perguntei o porquê. Ela me disse que as notas dela tinham caído muito e que ela estava acumulando algumas faltas. Que não era nada fora do comum, mas ela estranhou porque Naomi não tinha faltas antes e, nos últimos dois meses, ela já tinha acumulado 10 faltas. Eu não esperava por aquilo; Naomi faltando às aulas e não me contando era, com certeza, algo para eu me preocupar. Perguntei à diretora se ela poderia me passar as notas da Naomi e ela disse que mandaria o histórico completo no meu WhatsApp. Eu falei para ela que iria conversar com Naomi para descobrir o que estava acontecendo.
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A diretora me mandou as notas e a queda era visível. As notas dela eram ótimas até chegar ao último bimestre. Aí caíram muito; ela não corria o risco de ser reprovada, mas as notas tinham despencado. Sei que Rose ajudava muito ela, mas mesmo sem a Rose, não era para ter caído daquele jeito. As faltas também não faziam sentido, porque ela estava escondendo isso de mim. Fiquei o resto da tarde pensando naquilo e me senti muito mal. Mas eu iria tirar isso a limpo quando ela chegasse do trabalho.
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Naomi demorou mais do que o normal a chegar. Mas, às 19 e pouco, eu ouvi ela abrir a porta da sala e ir direto para seu quarto. Eu levantei da minha cama, respirei fundo para conter meu nervosismo e fui falar com ela. Quando entrei no quarto, ela estava deitada na cama de bruços, com os pés para fora. Acho que, do jeito que ela chegou, ela se jogou na cama. Sentei na beirada da cama e ela virou o rosto para me olhar. Ela parecia cansada e com sono.
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Greta: Naomi, o que está acontecendo com você?
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Naomi: Não está acontecendo nada. Só estou cansada do trabalho.
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Greta: Por isso está faltando às aulas e suas notas despencaram?
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Naomi: Como você sabe disso? Você está me vigiando?
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Greta: Não, eu não estou te vigiando. A diretora ligou para mim porque está preocupada com seu desempenho e com suas faltas. Você estava indo tão bem e, de repente, suas notas caíram e você começou a faltar às aulas. O que houve com você?
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Naomi: Eu estou com a cabeça cheia, não sei o que fazer da minha vida. Mas não se preocupe, não vou repetir de ano e só faltei porque a Rayssa precisou de mim.
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Greta: Como assim precisou de você?
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Naomi: Ela estava muito mal; a gente só foi ao shopping algumas vezes para ela se distrair um pouco e a gente conversar. Ela passou por muita coisa ruim nos últimos tempos.
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Greta: Mas ela não tem ninguém para ajudar? Os pais dela não ligam por ela faltar às aulas?
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Naomi: Ela não estuda. E ela é sozinha no mundo, só tem os amigos dela e o namorado que saiu da cadeia dias atrás.
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Greta: Espera aí. A Rayssa não estuda com você? Não tem ninguém por ela e o namorado estava preso?
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Naomi: Greta, não se faça de boba. Ela me contou tudo. A Rayssa é a namorada do Serginho, você que prendeu ele.
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Greta: Desculpe, como é a história? Eu não conheço nenhuma Rayssa e não me lembro de nenhum Serginho que eu prendi.
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Naomi: Pelo amor de Deus, Greta! Eu sempre fui honesta com você, por que você não pode ser comigo? Você armou para o namorado dela, ferrou com ele e, consequentemente, com a vida dela. Você sabia que ela estava grávida e perdeu a criança por causa disso? Eu nunca imaginei que você fosse uma pessoa assim.
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Greta: Eu não faço ideia do que você está falando, Naomi. Mas se essa sua amiga te disse isso, ela está mentindo para você e não quero que você continue perto dessa garota. Não quero você faltando às aulas. Você passou totalmente dos limites.
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Naomi: Você não tem direito de fazer isso! Você não é minha mãe, você não é nada minha. É só uma mentirosa que me enganou.
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Quando eu ouvi aquilo, foi como se alguém tivesse dado uma facada no meu coração. Ouvir ela dizer que eu não era nada dela foi como levar um soco no queixo, daqueles que te levam a nocaute na hora. Eu senti minha respiração falhar e algumas lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Ela tinha um olhar de ódio para mim; aquilo foi a gota d'água. Eu não sabia o que a garota tinha inventado para ela, mas esse não era o problema. O problema era ela acreditar em outra pessoa, não em mim, e esconder as coisas de mim. Ser chamada de mentirosa, ouvir que eu não era nada dela foi algo que me deixou sem reação. Eu não sabia direito o que tinha acontecido. Era como se, de repente, meu mundo tivesse caído e não tivesse sobrado mais nada.
Minha raiva sumiu; meu interesse naquele assunto já não tinha mais sentido. Eu só sentia tristeza e minhas lágrimas ao olhar para ela, deixaram isso claro. Ela estava desmanchando aquele olhar de ódio; acho que ela não esperava a minha reação. Eu abaixei a cabeça e fui tirando a aliança do meu dedo. Coloquei em cima da cama e nem tive coragem de olhar mais para o rosto dela.
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Greta: Você tem razão. Eu não sou nada sua, mas você tem uma mãe, vou falar com ela e explicar o que está acontecendo. Não acho justo o sacrifício que ela está fazendo para você estudar e você simplesmente negligenciar isso desse jeito. Eu prometi a ela que cuidaria de você, mas vou ter que me desculpar porque eu falhei. Com isso, vou te levar de volta assim que as provas acabarem. Já que sou uma mentirosa e não sou nada sua, não tenho mais nada para resolver com você.
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Naomi: Greta.. Eu..
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Eu levantei da cama, saí do quarto dela e fui para o meu. Minha ideia era ligar para Simone, mas eu não tinha condições de conversar naquele momento. Eu deitei na minha cama e tentei entender o que tinha acabado de acontecer. Mas não consegui pensar direito; eu só conseguia chorar e fiz isso até não ter mais lágrimas para sair. A frase da Naomi me dizendo que eu não era nada dela ficava se repetindo na minha cabeça. Eu achei que eu era tudo para ela, como ela era para mim. Mas no fim, eu não era nada dela. Nada!
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Não sei que horas eu dormi naquela noite. Mas acordei com a Diana me ligando. Quando atendi, ela disse para eu abrir a porta. Eu desliguei e olhei a hora. Eu estava muito atrasada, levantei e corri para abrir a porta para Diana. Ela não estava com uma cara boa. Eu me desculpei pelo atraso e fui sair para me arrumar, mas ela pediu para eu esperar porque tinha algo para me contar. Quando parei e a olhei, eu vi que era algo ruim só pela cara que ela fez.
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Diana: Greta, a Naomi está presa lá no pelotão. Eu sinto muito, mas pegaram ela com 50g de maconha dentro do bolso.
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Greta: Como assim?
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Diana: Diogo estava na patrulha ontem e recebeu uma ordem pelo rádio para verificar uma denúncia. Alguém ligou e disse que tinha alguns jovens em uma praça se drogando, bebendo e fazendo bagunça. Diogo e seu parceiro foram até a praça. Quando chegaram, a turma viu o carro da polícia e correu. Só ficou uma garota para trás; ela estava muito bêbada e não conseguiu fugir. Diogo prendeu a garota e levou para o pelotão e, quando uma policial feminina fez a busca nela, foi encontrada uma bucha de maconha no seu bolso. Diogo não recolheu a Naomi na hora, mas na delegacia ele recolheu por causa de umas fotos nossas que mostrei a ele. Então, ele me ligou para avisar e eu vim te buscar para a gente falar com o delegado Artur. Ele provavelmente vai libertar a Naomi porque é só maconha e ela é sua namorada. Mas é melhor a gente estar lá assim que ele chegar.
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Parecia que eu estava em um pesadelo. Não tinha outra explicação; aquilo não podia ser real. Me arrumei o mais rápido possível e fui para o pelotão. Diana disse que seu marido já tinha ido para casa e deixou ela informada de tudo. Diogo, o marido da Diana, trabalhava no turno da noite e era um ótimo policial, além de ser meu amigo quase a vida toda. Ele é mais velho do que eu, dois anos. Quando entrei para a polícia, ele me ajudou muito, já que ele já estava há três anos na corporação.
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Assim que chegamos, eu fui direto para a sala do Artur e ele foi muito gente boa, como sempre. Disse que eu podia levar a Naomi para casa assim que ela acordasse, que ele não ia registrar nada, que era como se nada tivesse acontecido. Mas que era para eu falar com ela, porque da próxima vez ele não iria aliviar para ela e só estava fazendo aquilo porque ela era minha namorada e gostava muito de mim. Eu o agradeci e pedi para ver a Naomi; ele autorizou e eu pedi para a Diana me esperar.
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Entrei no corredor onde ficavam as celas. Eram pequenas e ficavam poucas pessoas nelas. Geralmente eram bêbados ou alguém que se envolvia em crimes pequenos. Quando era algo grave, os detidos eram encaminhados para a delegacia do centro.
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Quando cheguei na porta da cela, Naomi ainda dormia deitada em uma cama de cimento com um colchão fino por cima. Eu a chamei três vezes para ela poder acordar. Quando ela abriu os olhos, parecia não entender o que estava acontecendo. Ela me viu e arregalou os olhos quando viu as grades nos separando. Ela tentou se levantar, mas parecia meio embriagada ainda. Eu perguntei a ela o que tinha acontecido e ela não sabia o que responder. Ela tentou levantar mais uma vez e conseguiu. Veio até a grade e perguntou o que estava fazendo ali.
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Greta: Você não lembra de nada do que houve?
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Naomi: Eu fiquei muito chateada pelo que aconteceu e saí de casa. Liguei para Rayssa e marcamos de nos ver na praça perto do meu trabalho. Quando cheguei, estavam ela e uns amigos dela. A gente acabou discutindo um pouco por sua causa, mas ela acabou me acalmando e me ofereceu cerveja. Eu estava mal e, mesmo não gostando, resolvi beber para ver se aquela dor passava. Mas acho que bebi demais. Eu lembro que o Serginho apareceu lá, mas não lembro direito das coisas. Depois acordei aqui. Mas.. por que eu estou aqui? Por que estou em uma cela?
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Eu expliquei para ela o que tinha acontecido, mas quando eu disse que acharam droga no bolso dela, as coisas desandaram de novo. Ela disse que nunca usou drogas na vida; por mais vezes que ofereceram, ela nunca aceitou. Aí, do nada, a polícia acha maconha no bolso dela. Isso só tinha uma explicação: Rayssa estava certa, os policiais dali não valiam nada e armaram para ela, igual eu armei para o Serginho. Eu tentei falar com ela, mas foi em vão. Ela estava meio bêbada ainda e descontrolada. Só tinha uma coisa a fazer: descobrir a verdade. Eu tinha certeza que a droga não era da Naomi, mas também tinha certeza de que não foi plantada. Virei as costas e deixei Naomi falando sozinha. Passei na sala do delegado e pedi para ele deixar ela trancada até eu voltar.
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Eu tinha uma ideia de como provar a inocência da Naomi, achar o culpado e ainda provar para Naomi que ela foi enganada. Eu só precisava contar com um pouco de sorte.
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Continua..
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper