2. Xaveco
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Denise chega em casa com a cabeça doendo. O dia tinha sido muito irritante para ela. Como pôde estar cercada de gente tão esquisita durante a vida e não se dar conta disso? Aos trinta e três anos descobrir que a mãe, o pai e as melhores amigas consideravam algo normal um filho namorar e até transar com a própria mãe era no mínimo bizarro.
Depois de tomar um banho, era hora de conferir o e-mail da editora, e para seu completo alívio tudo tinha sido aprovado e o dinheiro depositado. Aproveitando que estava com o notebook ligado, ela digitou só por curiosidade no Google: "Incesto". Algumas páginas apareceram, descrevendo o que era, a origem da prática e coisas assim. Mas não era bem isso o que ela procurava. Indo mais a fundo e mudando as palavras-chave da pesquisa, muitas páginas de pornografia apareceram, mas ela também não estava buscando isso. Em seguida, digitou "Mães que namoram seus filhos". E agora sim. Páginas de Instagram, Facebook, vídeos do YouTube, celebridades… todos relatando seu amor incestuoso na maior normalidade do mundo. Denise estava chocada.
"Mas que porra é essa??? Isso não pode ser real!". Denise não conseguia entender. Ela estava confusa, porque tinha certeza de que isso sempre fora algo abominável para todo mundo. Como pôde ter interpretado tão mal assim o mundo em que vivia?
"Caralho, mas eu tinha certeza que…"
Ela clica no YouTube, em um vídeo antigo, de 1998, onde um apresentador de TV entrevistava um cantor, e em devido momento perguntou:
- Certo, consta aqui que você está namorando, é verdade?
- É sim, rs - o auditório feminino grita “Ihuuuuuu” e o aplaude efusivamente
- E você trouxe ela? - pergunta o apresentador
- Sim, é aquela ali - o cantor aponta para uma mocinha -, é minha filha Isabel.
- Ah, é sua filha? Poxa, que legal. Venha para cá, Isabel, senta aqui com seu namorado, rs
Denise estava de boca aberta.
Insistindo, procurando uma última fagulha de esperança, digitou no Google o termo, “incesto” associado a palavras como crime, imoralidade, etc. Mas nada havia nesse sentido na pesquisa.
"Puta que pariu! Mas eu tinha certeza que… Caramba… Nossa, depois dessa eu preciso dormir."
Ela vai pra cama, mas antes confere o WhatsApp e vê que Beto está on-line.
- Filho, você vem amanhã pra casa, né?
- Oi, mãe, vou sim, amanhã cedo tô aí.
- Certo… - e ela começa a escrever um textão, sobre como estava confusa pelas coisas recentes. Mas por fim, apagou tudo e mandou só um "ok".
- O que era, mãe? Eu vi que você ficou digitando um tempão…
- Nada não, filho…
- Tem certeza?
- Sim. Até amanhã.
- Até amanhã, mãe. Ah, a propósito, essa foto de perfil ficou ótima, hein?
Denise, que já estava com a cabeça confusa e perturbada, entendeu tudo errado:
- Olha, filho, prefiro que guarde esses comentários com você, por favor! - totalmente na defensiva.
- … Quê??? - pergunta Beto sem entender a reação da mãe.
"Aff, Denise, você tá louca? Seu filho só disse que a foto tá legal" - ela pondera
- Ah, desculpa, filho, eu li errado, eu estou com sono e...
- Ok, ok.
- …É que você nunca falou isso pra mim, e de repente vem com esse papo…
- Oxi, mãe, mas que papo? Eu só falei que você tá bem na foto, kkk
- Certo, certo - tenta encerrar Denise.
Pausa de estranhamento
- Ei! Você tá achando o quê? Kkk - pergunta Beto.
- Quê? Nada, ué! Não estou achando nada. Vou dormir, tchau!
- Tá achando que eu tô te xavecando? Haha
Denise leva um susto.
- Você tá louco, Roberto??? Claro que não, que conversa besta, hein?
- Tá, mãe, mas relaxa, eu não estou te xavecando não, sério. Só comentei de boa...
- Ok, olha, esquece esse assunto, aff
- Tá, mas não precisa ficar brava, caramba kkk.
- Não estou brava, chega desse assunto. Tchau!
E Denise desliga a tela.
Beto também vai dormir, mas antes abre mais uma vez a foto da mãe. Linda, radiante.
"Caramba, será que minha mãe estava me dando bola??? Caramba! Putz, será que eu teria alguma chance??? Uau! Mas beleza, quando eu chegar em casa tento chegar junto, rs."
Beto dormiu com o pau duro.