Sob o céu de Brasília - O encontro no sertão de pedra

Um conto erótico de Gabriel
Categoria: Gay
Contém 1215 palavras
Data: 10/12/2024 18:29:07
Assuntos: Amor, Drama, Gay, suspense

1960. O Planalto Central se estendia diante de Adriano como um vasto mar de terra seca e promissora. Vindo de uma cidade pequena de Minas Gerais, ele sentia o peso da mudança sobre seus ombros, mas também uma grande esperança no peito. O cheiro forte do concreto recém-aplicado misturava-se ao aroma da terra quente, como se o próprio chão estivesse sendo transformado ali, a cada dia, em algo novo, algo grande. Brasília, a capital que estava sendo erguida aos olhos de todos, era uma promessa que o enchia de orgulho, mas também de uma certa ansiedade. Não sabia bem o que o esperava, mas sentia que sua vida jamais seria a mesma depois daquele passo, depois daquela chegada.

A cidade ainda estava inacabada. Os edifícios eram apenas esboços de concreto, e o céu de Brasília, vasto e claro, parecia imenso demais para uma construção tão jovem. Mas havia algo de fascinante em ver aquele sonho sendo desenhado bem ali, diante de seus olhos. Aos poucos, ele foi se acostumando à poeira que cobria tudo, à imensidão do espaço, ao calor que parecia nunca cessar. Mas o que mais lhe chamava atenção era o silêncio do local. Não era um silêncio de paz, mas de espera, como se o mundo estivesse contendo a respiração.

E foi nesse ambiente, seco e fervente, que ele viu Francisco pela primeira vez.

Francisco era diferente de todos os outros trabalhadores no canteiro de obras. Era robusto, com o olhar seguro de quem já conhecia o peso da vida e o valor do trabalho duro. Seus braços, grandes e musculosos, pareciam moldados pelo próprio esforço. Havia algo nele que Adriano não sabia bem identificar, mas que lhe tirava o fôlego sempre que o via de perto. Não era só a força do corpo, nem o jeito de dar ordens aos outros com sua voz grave e serena. Era o olhar penetrante, quase desafiador, e o sorriso discreto, mas cheio de malícia, que Francisco fazia sempre que cruzava seu caminho.

Nos primeiros dias, Adriano tentou se manter afastado. Vinha de uma cidade pequena e conservadora, onde os homens, embora fossem de uma força inegável, não expressavam o que sentiam tão abertamente. Mas havia algo em Francisco que quebrava todas as barreiras. Algo que o atraía de maneira quase irresistível.

"Você vem de onde, rapaz?", perguntou Francisco um dia, se aproximando de Adriano enquanto ele trabalhava, a camisa suada grudada ao corpo. O calor estava insuportável, e o suor escorria pela testa de ambos.

"De Minas… uma cidadezinha lá no interior. Lugar tranquilo, mas agora não vejo outra saída, não. Aqui, a vida se faz."

Francisco soltou uma risada baixa, que fez o peito de Adriano bater mais forte. Ele percebeu que o olhar de Francisco estava fixo nele, e por um momento, o mundo parecia ter parado. Mas o que foi apenas uma fração de segundo se transformou em uma eternidade silenciosa.

"Eu também venho de um lugar pequeno", disse Francisco, com a voz ainda carregada de um sotaque nordestino. "Mas aqui é diferente. Não tem descanso, mas tem um futuro, e isso é o que vale."

Adriano sentiu uma tensão no ar. Algo entre eles estava mudando, mas ele não sabia como reagir. Francisco se afastou, mas os olhos deles se encontraram novamente, e essa troca silenciosa dizia mais do que palavras poderiam expressar.

O barracão improvisado onde os operários descansavam no final do dia era um ponto de encontro dos mais variados. Alguns contavam histórias do sertão, outros apenas ficavam em silêncio, olhando para o fogo da pequena fogueira. Ali, entre as conversas e risadas abafadas, Adriano e Francisco se cruzavam com frequência, mas nunca davam o primeiro passo. Era como se houvesse um pacto não dito entre eles. Ambos sabiam que a atração estava lá, mas o peso do respeito e da moral impunham-se como um muro invisível. No entanto, a cada dia, esse muro parecia mais frágil.

Numa tarde, quando o sol começava a se esconder atrás das montanhas e a temperatura caía ligeiramente, Adriano estava no canto do barracão, com os olhos fixos em Francisco. Ele o observava de longe, tentando entender o que o fazia se sentir assim, tão inquieto, tão fora de si. Francisco, no entanto, parecia alheio ao olhar fixo de Adriano. Estava conversando com outros homens, mas, de vez em quando, seus olhos se voltavam para Adriano, e ele sorria, um sorriso lento, como quem sabia exatamente o que estava acontecendo.

"Tá me observando, rapaz?", perguntou Francisco de repente, quando se aproximou de Adriano, que corou na hora. O sorriso de Francisco se alargou ainda mais, e Adriano sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

"Não… eu só…", Adriano gaguejou, tentando desviar o olhar, mas a voz de Francisco o fez parar.

"Não precisa se esconder, Adriano. Eu vejo o que você tá pensando", disse Francisco, baixando a voz. "Mas saiba que nem tudo é o que parece."

Adriano não soube como responder. Aquelas palavras estavam carregadas de algo mais, de uma promessa silenciosa. Ele olhou para os pés, tentando esconder a vergonha, mas não pôde deixar de sentir o corpo de Francisco tão perto, seu cheiro, a intensidade da presença dele.

Naquela noite, a tempestade se instalou de repente. O som da chuva, que caía forte sobre o barracão, preenchia o ambiente com sua música frenética, abafando os sons do mundo exterior. Adriano estava sozinho no barracão, com os olhos fixos na janela embaçada, perdido em pensamentos. Ele podia ouvir as vozes dos outros trabalhadores lá fora, mas preferiu ficar ali, na penumbra, com a cabeça cheia de dúvidas e desejos não ditos.

Foi então que ouviu passos. Lentamente, Francisco apareceu na porta, sua figura alta e forte contra a luz fraca da lâmpada. Seus olhos se encontraram com os de Adriano, e o tempo pareceu desacelerar.

"Tá sozinho?", perguntou Francisco, a voz rouca, como se quisesse dizer algo mais.

"Sim", respondeu Adriano, a voz falhando. Seu coração batia mais rápido, e ele sabia que algo estava prestes a acontecer.

Francisco deu um passo à frente, e a distância entre eles diminuiu. O calor da presença de Francisco fez Adriano sentir-se perdido. Ele engoliu em seco, mas antes que pudesse falar, um estrondo ensurdecedor ecoou pela noite.

O som de um prédio desabando, a terra tremendo sob seus pés. O medo os uniu instantaneamente. Eles correram, sem palavras, em direção ao local do acidente. A tensão entre eles, no entanto, não se dissipou. A cada movimento brusco, seus corpos se tocavam, suas respirações se misturavam.

Quando o resgate foi feito e finalmente retornaram ao barracão, exaustos e sem palavras, seus olhares se cruzaram novamente.

"Estamos vivos", disse Francisco, suas mãos suadas tocando as de Adriano por um breve instante enquanto se livravam dos equipamentos.

Adriano sentiu o calor daquela mão. Ele olhou nos olhos de Francisco e soube que aquele toque não era apenas um gesto de ajuda. Era um começo. O começo de algo que ambos sabiam que não poderiam mais ignorar.

"Sim", respondeu Adriano, com a voz rouca. "E eu nunca mais vou esquecer esse momento."

O barracão estava em silêncio agora, mas o desejo, a tensão, permaneciam no ar, mais fortes do que nunca. E sob o céu tempestuoso de Brasília, o destino de ambos começava a ser selado.

_Continua_

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