Durante o banho, eu tentava esfriar a cabeça um pouco. A adrenalina já tinha diminuído e eu precisava pensar com calma em tudo que aconteceu. Ficou claro que Rayssa, por algum motivo, jogou Naomi contra mim. Pelo que fiquei sabendo, as duas já eram próximas há um bom tempo e eu não sabia. Para Naomi não ter me contado nada e ter agido como agiu, algum motivo ela tinha. Ninguém faz o que ela fez sem ter razões. Eu não iria julgá-la sem saber o que aconteceu e, se ela viesse falar comigo para se desculpar, eu gostaria de saber a história. Só depois de saber de tudo eu decidiria se a desculpava ou não. Mas talvez ela não fosse se desculpar e fosse embora para sua casa. Algo que eu não iria impedir, mas só de pensar em ficar sem ela, meu coração doía.
Saí do banho e fui para meu quarto. Assim que abri a porta, vi Naomi sentada na minha cama.
Greta —Já viu tudo?
Naomi —Só vi o primeiro vídeo e vim te esperar para me desculpar. Eu acreditei em uma história e fui feita de boba. Sinto muito mesmo, não sei nem o que dizer. Me sinto a pessoa mais idiota do mundo.
Greta —Eu só queria entender o que te fez pensar o que pensou de mim. Imagino que Rayssa tenha enchido sua cabeça de mentiras, mas o que não entra na minha cabeça é você não ter me contado, não ter me confrontado. Minha mágoa com você é essa. Você acreditou em uma estranha e me julgou sem ao menos eu poder me defender.
Naomi —Vou te contar, provavelmente você vai me achar mais idiota do que já sou, e nem entenda meus motivos, mas foi o que aconteceu.
Greta —Não vou achar nada até você me contar tudo. Vou ouvir tudo que você tem a dizer, só depois vou formar uma opinião e dizer o que acho.
Naomi —Bem justo. Coisa que eu não fui com você. Vou te contar tudo.
{...}
Naomi —Eu já tinha visto Rayssa sentada ali no banco em frente à padaria algumas vezes. Ela sempre estava sozinha; às vezes, tinha uma garota com ela, mas era raro. Ela às vezes vinha à padaria comprar salgados ou cigarro, mas eu nunca tinha falado com ela e ela sempre estava com a cara fechada. A primeira vez que prestei atenção nela foi um dia em que você veio me ver e saí com você até o lado de fora. Você entrou na viatura e saiu com a Diana. quando fui entrar, olhei para o outro lado da rua e vi Rayssa. Ela acenou com a mão me cumprimentando e eu devolvi o cumprimento.
Isso tem uns três meses, mais ou menos. Depois disso, ela sempre ia à padaria e dava um jeito de ser atendida por mim. Ela não tinha mais aquela cara fechada e sempre brincava comigo ou perguntava algo sobre o que ia comprar. Resumindo, ela sempre interagia comigo e acabamos criando uma certa liberdade uma com a outra. Um dia, quando saí, ela estava sentada no final da praça, quando me viu, me chamou e eu fui falar com ela. Não falamos muito tempo; ela só perguntou meu nome, de onde eu era, coisas básicas. Ela também disse que eu parecia ser uma garota legal, que não a olhava diferente por causa da aparência dela. Ela também disse que se sentou no fim da praça para que meus amigos do trabalho não vissem a gente conversando, que não queria me causar problemas.
Depois disso, conversamos ali rapidinho mais algumas vezes. Ela era muito legal. Foi quando ela perguntou sobre você; eu falei a verdade e ela fez uma cara triste. Eu até achei que ela estava afim de mim. Mas ela me falou em seguida que a polícia não gostava dela e preferia que eu não te contasse que a gente se falava, porque isso poderia me trazer problemas. Eu disse a ela que não tinha nada a ver. Ela disse que iria me contar umas coisas para eu entender melhor, mas que precisava de tempo. Eu disse que poderia ser no outro dia, que eu teria só três aulas e subiria mais cedo para o trabalho e a gente conversava. Ela concordou e pediu para eu não te contar nada até ela me contar o que tinha para contar. Eu disse que tudo bem. Fiquei curiosa e, como não estava fazendo nada de errado, achei que poderia omitir isso de você até ela me contar o que queria.
Naquela época, já tinha mais de um mês que eu falava com ela esporadicamente, como falava com outras pessoas na faculdade ou no trabalho. Eu não via motivos para te contar tudo, até porque eram conversas normais como qualquer outra. Da mesma forma que você não me contava com quem conversava no seu dia a dia, a não ser quando era algo relevante. Para mim, Rayssa era como qualquer outra pessoa que eu conversava, uma freguesa com quem eu falava como várias outras.
No outro dia, subi mais cedo e ela já me esperava. Ela começou contando sobre quando era pré-adolescente e que o pai dela era muito trabalhador. Que, mesmo pobre, ele nunca deixou faltar nada dentro de casa e era um pai maravilhoso. Ela falou bastante sobre o pai, só coisas boas por sinal. Depois me contou que um dia, quando o pai estava voltando do trabalho à noite com um amigo, eles pararam em um bar, beberam algumas cervejas e jogaram bilhar. Quando estavam a caminho de casa, uma viatura os parou. O amigo do pai dela era meio ignorante e acabou respondendo mal a uma pergunta de um dos policiais. O policial não gostou e bateu no amigo do pai dela com o cassetete. O amigo reagiu e os policiais começaram a bater nele. O pai dela ficou com pena e tentou tirar os policiais de cima do amigo, mas eles partiram para cima do pai dela e o espancaram até deixa-lo sangrando no chão. Algumas pessoas viram, mas não fizeram nada por medo. Por sorte alguém chamou a ambulância e levaram o pai dela para o hospital, mas, infelizmente, era tarde; ele teve um traumatismo craniano e faleceu.
Rayssa me disse que ela ficou muito mal, que o pai era um homem bom e foi morto na maior coberdia. Porém a mãe dela não deu muita importância ao que aconteceu e parece que ficou feliz com a morte do marido. Não demorou nem seis meses e colocou outro homem dentro de casa. Ela me disse que dali para frente a vida dela virou um inferno. O homem batia nela, tentou abusar dela várias vezes e a mãe sempre ia a favor do padrasto. Além disso, ela ainda tinha que ver os policiais que mataram o pai passando pelo bairro todo dia, como se nada tivesse acontecido. Ela me contou muitas coisas tristes e ruins que passou nessa época, até uma tentativa de estupro que sofreu dentro da própria casa. Ela contava e eu via as lágrimas escorrerem pelo seu rosto. Eu juro que ela chorou na minha frente contando isso. Fiquei com muita pena dela.
Ela disse que a vida dela começou a melhorar quando conheceu Serginho em uma festa de uma amiga do colégio. Foi amor à primeira vista; eles ficaram e logo começaram a namorar. Quando Serginho ficou sabendo o que ela passava em casa, fez de tudo para tirá-la de lá e, depois de um ano de namoro, foram morar juntos. Serginho era pobre, mas muito trabalhador. Ele conseguiu alugar uma casa bem simples e pequena, colocou os móveis mais necessários e Rayssa saiu de casa para morar com ele. Ela falou que passaram por muitas dificuldades, mas aos poucos foram comprando as coisas. Serginho trabalhava a semana inteira como servente de pedreiro e, no final de semana, como entregador em uma lanchonete. Rayssa disse que trabalhava como doméstica e estudava.
Ela falou que a mãe nunca foi atrás dela e nunca deu a mínima para o que houve. Rayssa disse que, depois de um ano juntos, descobriu que estava grávida. Mesmo com as dificuldades, ela e Serginho ficaram muito felizes pela gravidez. Mas foi aí que as coisas começaram a dar errado. Ela disse que sempre que voltava do trabalho, passava pela praça onde estávamos conversando naquele momento e começou a ver uma viatura policial parada lá. Ela não gostava de policiais e nem olhava para o lado da viatura. Mas, um dia, quando estava passando, uma policial desceu da viatura e a abordou. Pediu os documentos e ela deu. A policial era muito bonita e começou a fazer elogios a ela. Rayssa não gostou, mas sorriu e foi educada, já que sabia que confrontar uma policial poderia dar problemas. Ela disse que a policial devolveu os documentos e pediu seu número de telefone. Rayssa disse que não podia passar, que o marido não ia gostar. Mas a policial insistiu e, por medo, ela acabou passando.
Ela disse que foi para casa e, quando Serginho chegou, contou tudo para ele. Ela falou que Serginho era muito calmo e disse que era só ela ignorar a policial e evitar passar pela praça. Rayssa contou que naquela mesma noite a policial mandou algumas mensagens elogiando-a, mas ela apagou as mensagens e bloqueou a policial. No dia seguinte, mudou de trajeto e não passou pela praça. Isso durou uma semana, até que um dia, voltando do trabalho, a viatura encostou ao lado dela. A mesma policial desceu e a abordou de novo. Perguntou por que ela não a respondeu e a bloqueou. Rayssa explicou que era casada e estava grávida de dois meses, mas a policial parecia não ligar. A policial pediu para ela pôr as mãos na parede e falou que iria revistar ela. Ela disse que a policial apalpou seu corpo todo e ela não pôde fazer nada. Que saiu dali quase chorando e a policial ainda brincou que ainda iria conquistá-la.
Rayssa disse que ficou muito mal com aquilo e achou que a solução era sair só do trabalho, mas não podia; então Serginho passou a buscá-la todos os dias à tarde. Ela disse que terminava o trabalho e ficava esperando ele sair do trabalho dele para buscá-la. Na primeira semana, a viatura passou perto deles duas vezes, mas não os abordou. Ela achou que isso iria passar e que a policial iria parar de persegui-la, e realmente parou. Não viu mais a viatura na semana seguinte e ficou aliviada. Mas o pior estava por vir.
No domingo de manhã, sua casa foi invadida por vários policiais. Ela disse que não estava entendendo nada, até que um policial disse que o namorado dela foi preso com um quilo de maconha e eles estavam procurando mais. Quando ouviu aquilo, Rayssa não acreditou; não fazia o menor sentido. Serginho era trabalhador e nunca tinha se envolvido com drogas. Ela tentou explicar isso para o policial, mas foi tudo em vão. Eles reviraram a casa dela e, vendo aquilo, ela acabou passando mal e desmaiou. Só foi acordar no seguinte em um hospital com muitas dores abdominais. Um médico veio depois e disse que ela tinha perdido a criança que esperava.
Nesse momento Rayssa já não parava de chorar e me disse que não tinha mais condições de continuar a história e saiu. Eu fiquei ali em choque com tudo que ela me contou. Mal consegui trabalhar direito naquele dia. Fiquei muito abalada com o que ela me contou.
À tarde, quando saí do trabalho, ela estava me esperando no fim da praça. Quando me aproximei, ela me abraçou e pediu desculpas por ter saído daquele jeito. Eu disse que entendia, mas que tinha ficado muito preocupada com ela. Ela disse que estava bem e que iria acabar de contar tudo no dia seguinte. Eu disse que não teria tempo de vir mais cedo para o trabalho e que você estaria em casa. Ela falou que era melhor deixar para o outro dia então. Que ela poderia ir na porta da minha faculdade e a gente almoçava em algum restaurante barato, que ela pagaria e assim me contaria o resto da história. Eu disse que tudo bem, e ela me perguntou em qual faculdade estudava. Falei para ela e assim ficou combinado. Mas antes de eu sair, ela fez eu prometer que não contaria nada a ninguém, nem a você. Eu prometi, pois queria saber da história toda e não achei que teria problema em guardar segredo de algo tão íntimo e pessoal que ela estava me contando.
Greta eu juro não passava pela minha cabeça que a tal policial da história dela era você. Não tinha como ser; eu nem cheguei a questionar isso.
Eu não te contei e guardei aquilo para mim. No dia seguinte, eu a vi quando saí do trabalho e reforçamos o compromisso para o outro dia. Eu estava rezando para as horas passarem rápido para a gente se encontrar. Fui para a faculdade de ônibus com a Rose, como sempre fazíamos quando a mãe dela não nos levava. Eu nem prestei atenção nas aulas de tanta ansiedade. Aquilo tudo que ela me contou ficou na minha mente o tempo todo. Eu sou muito idiota e fico com pena de todo mundo que conta alguma história triste para mim. Sempre quero ajudar de alguma forma e queria ajudar Rayssa a superar o que passou, e olha que eu nem sabia de tudo ainda, mas só o que já sabia era o suficiente para eu ter muita pena dela.
As aulas acabaram e eu saí o mais rápido possível. Eu queria muito saber o que ela iria me contar, o que eu não esperava era que fosse algo tão ruim a ponto de eu duvidar de você e do amor que você sentia por mim.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper
