8. Especulada
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- Oi, meus amores, como vocês estão? Trouxeram o que eu pedi? - pergunta a avó, beijando no rosto a filha e o neto.
- Estamos ótimos, mãe, sim, trouxemos tudo.
- Tá tudo ótimo, vó. E com vocês? - responde Beto, sendo abraçado pelo avô
Alguns momentos depois, os dois homens levavam as coisas para dentro enquanto as mulheres organizavam tudo. Pouco tempo depois, já aconchegados, o avô puxa conversa como neto, vendo um jogo de futebol qualquer. Denise e Beto agiam normalmente, sem darem mínimas evidências de que algo havia mudado entre eles, esperando o momento mais adequado para anunciar o namoro.
Exatamente ao meio-dia o almoço estava pronto e os quatro começavam a servirem-se do macarrão caprichado de dona Vilma.
- Tanto tempo casado com sua mãe e não enjoo desse macarrão! - diz Julio
- Pai, você ainda diz isso toda vez que a mãe faz macarrão!? Kkk
Eles se divertiam e conversavam coisas leves e corriqueiras. Então o Sr. Julio começa a fazer algo que adorava, provocar a filha:
- Sua mãe, Roberto, quando tinha sua idade… Putz, ela dava muito trabalho! - continua o avô
- Ah, pai, pode parar, eu não dei trabalho nenhum, vá!
- Não? Eu que sei! kkk - ele balança a cabeça em afirmativo enquanto engolia o espaguete.
Beto fica curioso:
- Ah, agora me conta, vô! Que tipo de trabalho ela dava?
Dona Vilma tenta impedir as gracinhas do marido:
- Amor, você e essas conversas bestas, né? Vai deixar a menina sem graça, assim!
- Ôxi, e o que é que tem? A melhor parte de ser pai é essa mesmo! Haha - o velho brincava
- Aff, mãe, fala a verdade, eu dava trabalho??? - Denise recorre à mãe
- …
- Mãe???
- Filha, você não deu trabalho no sentido de ser namoradeira, isso não. Só que quando você se apaixonava… Vish…
- kkk. Como era isso? - se divertia Beto
- Iiiiiih, pronto! Agora vão ficar com palhaçada comigo, é? rs - se defende Denise
Julio retoma:
- Você sempre foi muito boba com sentimentos, filha. Como era o nome daquele cara da oitava série?
- Nossa, pai… você desenterra cada merda…
- Era Lídio, amor - lembra dona Vilma
- Lídio? Hahaha - Roberto se diverte
- Sim, Beto, esse cara era meio roqueirinho, sabe? - caçoa Julio
- Hahaha. Nossa, mãe, não sabia que você era roqueirinha, rs
- Eu não era! - Denise se esquiva
Sr. Julio bebe um pouco de cerveja e continua:
- Sua mãe adorava esse cara, mas ela não tinha coragem de dizer pra ele. Ele era feio pra burro, meio fedido, mas tinha uma mobilete, sua mãe gostava dele por causa disso.
Todos riem muito, exceto Denise, que apenas aturava as palhaçadas do pai:
- Ah, para de mentir, pai!!! A história não é bem essa não, ôxi!
Todos riem muito, Denise fica semi-irritada, mas sem deixar de levar na esportiva. Julio continua:
- Era uma mobilete velha, fazia um barulho infernal… Mas então, sua mãe não falava que gostava dele porque era muito tímida, só ficava escrevendo no diário dela, o dia todo, eu e sua avó ficamos preocupados, achamos que ela estava doida, não saia mais do quarto.
- Eita, mãe, rs - brinca Beto
Denise continua comendo, fingindo nem ligar
- Mas e aí, vô, e depois?
- Ah, quando ela foi saber, o cara já estava namorando a amiga dela
- Filho, não acredita nele, não foi nada disso, eu gostei dele só um pouco
Vilma toma a palavra:
- Mas filha, isso é verdade, você sempre foi muuuito bobinha com sentimentos, quando seus relacionamentos não davam certo, você desmoronava
Roberto fica pensativo. Esse era um dado importante sobre sua mãe, mas ele jurava para si mesmo jamais magoá-la.
- Sabe, filha - a avó continua -, por isso que eu falei pra você aquele dia… Sobre você e o Roberto…
Denise fica quieta, só esperando ver até onde chegaria esse assunto. Dona Vilma continua:
- Tudo bem, você disse que não tem interesse nele e tal, mas… Se vocês um dia pensassem diferente, acho que seria muito bom você saber disso, viu, Roberto? Sua mãe ficou todo esse tempo sem se relacionar com ninguém justamente por causa disso, porque ela leva tudo muito a sério.
Roberto e Denise se entreolham, tentando saber se já era o momento de tocar no assunto. Denise, que tinha medo de como o filho diria essas coisas, resolve tomar a frente:
- Na verdade, mãe…
Todos olham para ela.
- Eu e o Roberto, nós…
Todos olhando para ela.
- Nós… Conversamos, sabe? E…
Todos olhando para ela. Ninguém pisca.
- A gente…
Roberto então segura a mão da mãe para que eles vissem, revelando com esse gesto parte da notícia. Então a mãe pôde continuar:
- … Estamos namorando, rs - ela desembucha
- Aiiii, sério??? - Vilma põe as duas mãos na boca, tamanha surpresa.
- Uhum, rsr
- Nossa, parabéns, minha filha!!! - levanta o avô, para os abraçar, parabenizando-os.
- Valeu, vô! - diz Beto, um pouco sem graça.
- Mas gente, como é que isso aconteceu? Filha, você não disse que isso jamais ia acontecer?
- É, mãe, mas - Denise beija a mão do filho, sem soltá-la - aos poucos fomos nos entendendo, sei lá, rs - ainda tímida, mas tudo sob controle
- Nossa, eu posso dizer que estou muito feliz, viu!? Faz tempo que eu torcia por isso, não é, amor? - Dona Vilma olha para Júlio buscando confirmação
- Ah, sim, nós tínhamos conversado várias vezes sobre isso, porque eu sinceramente não conseguia ver um melhor partido para você do que esse meninão aqui! - diz o avô, dando um soquinho no ombro de Roberto, mostrando estar bem contente
- Olha, Roberto, você tem que cuidar bem da minha filha, viu?
- Pode deixar, vó
- Ai, gente, estou até emocionada - diz a avó -, quero ver um beijinho! rs
- Ai, mãe, para, rs- se protege Denise, um pouco tímida
- Tudo bem, mãe, qual é o problema? Contar foi o mais difícil rs - e Beto leva a boca em direção à dela, que não recusa, mas apenas o controla em termos de intensidade.
- Ih, que beijo mixuruca! Eu disse beijo, não selinho! - a avó estava mesmo empolgada
- Ai, mãe, ok
Novamente, os dois pombinhos se beijam, agora com menos reservas. Nada escrachado, mas um beijo de verdade. Ao término, Beto se sentia um homem respeitado, enquanto Denise, com as bochechas vermelhas, mostrava-se uma tímida adolescente.
Depois, o almoço termina e eles conversam sobre coisas variadas. Júlio vai mostrar a sinuca que havia comprado, e então começam algumas partidas entre ele e o neto. Denise e Vilma ficam conversando em dois banquinhos embaixo do velho pé de manga. Conversa vai e conversa vem:
- … Mas filha, você não é mais uma adolescente, né? Não estou falando pra você transar com ele na primeira oportunidade, mas as coisas são diferentes agora, os tempos mudaram. Além do mais, casar virgem não é algo que você possa fazer mais hahaha
- Credo, mãe, que horror - ela se retrai um pouco
- Eu estou sendo sincera, Denise. Veja o que aconteceu na sua própria vida. Segurou, segurou, segurou… Você deixou o Cássio “de molho” um ano! Um ano! Só beijo e aperto de mão. Nem um “agrado” no coitado você fazia rs. E na primeira vez que rolou, o que aconteceu??? - pergunta já sabendo a resposta
- Engravidei - responde Denise, meio abalada, lembrando do passado
- Exatamente. Por isso que eu digo, você não tem mais todo aquele tempo de adolescente, né, minha filha? Você já é uma mulher, não faz sentido ficar de namorico de menina.
Denise fica pensativa. De fato, não tinha sentido agir como uma menina virgem, querendo casar pura. Os tempos eram outros e além disso, não precisava temer o próprio filho. A avó continua:
- Eu e seu pai… a gente dizia pra você aquilo que os pais sempre dizem: que não é pra fazer logo de cara, que precisa estar preparada, conhecer bem a pessoa, porque é uma coisa séria e tal. Mas você levou isso a ferro e fogo.
- Sim, segurei demais, e quando dei, me lasquei; é isso o que quer dizer, mãe? Disso eu já sei. Aliás, todo mundo sabe. De qualquer forma, o Roberto foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, então não me arrependo de nada! - ela diz decidida - E agora além de ele ser meu filho, ele me ama e vai casar comigo! Não deu tudo certo no final?
- Sim, lógico que sim. E estou muito feliz, você sabe disso.
- Mas eu entendi você, mãe. Sei que os tempos mudaram. Pra mim mudou até demais, em um sentido que ninguém me compreende, mas enfim, já superei isso.
- Do que você está falando?
- Nada, nada.
- Bom, mas é isso, filha. Não deixe o menino “de molho” por um ano. Você não é mais uma menina. E você já conhece ele a vida toda, não tem por que fazer isso.
- Eu já entendi, mãe, vamos mudar de assunto.
Enquanto isso, na sinuca, conversa vai e conversa vem:
- Bom, vô, isso não sei… - e erra a caçapa - droga!
- Ela era bem difícil, Beto. O Cássio, seu pai, sofreu muito com ela, haha. Mas, pode ser que dessa vez ela seja diferente - Júlio mira na bola e acerta em cheio.
- Caramba, vô! Você é um rato da sinuca!
- haha, eu sei que sou - Julio se diverte
- Bom, eu não tenho como pressionar ela… Mas claro que eu não queria esperar tanto também - ele diz, um pouco sem graça
Sr. Julio passa o giz na ponta do taco, olhando sério para o neto. Ele o analisa de alto abaixo, e por fim, diz:
- Você ama mesmo minha filha, né?
- Sim, claro que sim, vô.
- Sei… Tomara mesmo, senão, esse taco aqui, sabe o que eu vou fazer com ele?
- Vai quebrar na minha cabeça?
- Não, eu vou é enfi…
- Ah, kkk. Para de graça, vô! É claro que amo minha mãe, rs
- Ok, eu acredito em você - ele ri -, cuide bem da Denise, rs
Mais tarde a família se reúne no sofá, em frente à televisão, a mesma onde toda a bagunça havia começado na cabeça de Denise, quando tempos atrás, viu aquele programa de auditório. Dona Vilma havia trazido uma porção de pudim para cada um, e não parecia ser suficiente, porque todos queriam mais.
- O que será que esse programa está abordando hoje, hein? Dá até medo! - brinca Denise, sabendo que não seria compreendida
- Sei lá, mas eu gosto desse programa, você não gosta? - pergunta dona Vilma
- Não é que eu não goste, é que…
- Ah, é! Lembro daquele dia que você achou estranho aquela convidada que namorava o filho! Nossa, aquele dia você estava estranha, viu? - completa o Sr. Julio
- Abafa o caso, pai rs
- Como assim, vô, eu não entendi. O que minha mãe disse? - Roberto fica curioso
- Sua mãe estava meio bêbada, disse que não sabia que existia esse negócio de mãe namorar filho, sei lá, nem eu entendi direito, ela tratou isso como se fosse uma coisa incomum e absurda
- Ôxi, tipo algo criminoso? - Beto fica confuso
- Sim, até pior que isso, algo bem hediondo
- Sério, mãe? Mas como assim? Por causa da idade deles???
- Iiiiih, vão ficar batendo nessa tecla agora, é? Eu sei lá o que me deu aquele dia, eu tinha bebido um vinho antes e… - ela mente, tentando evitar o assunto
- Ah, então tá explicado! Sabia que você tava estranha - comenta dona Vilma
Denise fica em silêncio refletindo sobre tudo aquilo, sobre como as coisas mudaram desde então, até que o apresentador da TV dá um grito:
- “Paaaaaraaaaaa!!! Paraaaaaaaaraaa!!! Depois dos comerciais a vai gente vai revelar, não troque de canal!!!”
- Aff, que exagero, precisa desse drama todo? - se queixa Denise
- Ah, mãe, eu acho esse apresentador muito engraçado - se diverte Beto, ao lado da mãe.
- Mas o que ele vai revelar? - Denise fica curiosa
- Sei lá, parece que aquela mulher está grávida, mas não sabe de quem, já que namora os dois filhos.
- O quê??? - Denise se assusta, mas depois ameniza o tom, para não parecer histérica novamente. Roberto retoma:
- … A mãe está namorando os dois filhos dela, aí ficou grávida, mas não sabe qual dos dois é o pai…
A avó toma a palavra:
- É por isso que tenho medo desses relacionamentos à três. Tudo bem, é difícil aceitar o pedido de um e se negar ao outro, né? Afinal, mãe ama todos igualmente, mas no geral acho que não vale a pena namorar com dois.
“Não acredito nisso, mais isso agora? É normal namorar com mais de um filho??? Ainda bem que só tenho um! Bom, mas não vou agir como se fosse um absurdo, não quero pagar de louca de novo” - pensa Denise, sentindo aquela dorzinha na cabeça surgir novamente. Ela colabora com o assunto:
- Hãn… É, de fato, eu também não namoraria dois filhos ao mesmo tempo - ela tenta dizer da forma mais natural possível
- E você, vô, nunca teve nada com minha mãe? - pergunta Beto com a maior naturalidade, fazendo a mãe quase cuspir o pudim pra fora. Denise não queria ouvir, queria tapar a boca dele antes que ele respondesse, queria fugir dali. E, contudo, tinha que fingir normalidade. Ela dá mais uma colherada, tentando se concentrar no sabor, só no sabor, para não ouvir a resposta que viria.
- Ah, meu neto, quando ela começou a ficar mocinha ela ficou muito bonita, né? É claro que a gente dá aquela especulada, né? Haha
Denise estava gelada por dentro. Júlio continua:
- Mas eu nunca dei em cima dela, por que eu acho que isso tem que partir da filha, sabe? E como sua mãe nunca me olhou assim, me acostumei. Mas foi bom assim, gosto de vê-la só como filha mesmo.
De alguma forma o comentário final do pai foi um alívio. Mesmo que primeiro tivesse dito coisas como “ela ficou muito bonita…”, e “a gente dá aquela especulada, né?”, aquela frase final foi um bálsamo, por saber que o pai sempre a respeitou e só a via como filha.