Aquela história era algo surreal. Como alguém pode ter a capacidade de inventar algo assim? E, mais importante, por que essa garota fez isso? Eu nem a conhecia antes; aquilo não fazia o menor sentido para mim. Mas eu iria deixar Naomi terminar de contar tudo para poder pensar com calma no motivo de Rayssa ter agido daquela forma. Não havia muito o que fazer antes de saber de toda a história, e Naomi continuava a narrar, enquanto eu prestava atenção naquela trama surreal inventada por Rayssa.
{...}
Naomi —Quando saí, já vi Rayssa do outro lado da rua. Fui até ela e a cumprimentei. Pedi que ela esperasse um minuto até minha amiga sair, para que eu pudesse avisá-la que não iria com ela. Rayssa disse que tudo bem, mas que não podíamos demorar, pois ainda tinha muito o que me contar. Pensei em mandar uma mensagem para Rose, mas desisti ao vê-la saindo. Quando ela olhou na minha direção, percebi que fez uma cara estranha e saiu andando em outra direção. Chamei-a, mas ela não olhou para trás, simplesmente se misturou com os outros alunos e desapareceu. Achei isso muito estranho e comentei com Rayssa. Ela me disse que provavelmente minha amiga me viu junto com ela e que geralmente as pessoas agem assim quando as veem. Decidi deixar aquilo de lado e falar com Rose depois.
Saí com Rayssa, que me levou a um restaurante simples perto da faculdade. Pedimos nosso almoço e ela continuou a contar sua história.
Ela me disse que ficou no hospital por três dias e, nesse tempo, não recebeu nenhuma notícia de Serginho. Quando foi liberada, foi para casa e depois buscou informações sobre o namorado. Confirmou o que o policial havia dito: Serginho já tinha sido transferido para o presídio. Ela disse que nem teve tempo de chorar pelo filho que perdeu. Teve que correr atrás de um advogado e de uma carteirinha de visitante. Não tinha dinheiro e ainda teve que largar o emprego. Com o pouco que recebeu do acerto e a ajuda da família de Serginho, conseguiu um advogado. Ele não era bom; na verdade, era seu primeiro caso, mas era esforçado e ajudou no que pôde. Depois de conseguir a carteira de visitante, ela foi ver Serginho.
Rayssa disse que foi horrível vê-lo ali preso, e o pior foi descobrir o que aconteceu. Serginho contou que estava voltando de uma entrega quando foi abordado por uma viatura. Um policial desceu e mandou que ele encostasse na parede. Enquanto o policial fazia a revista, uma policial feminina foi olhar a moto que ele estava. Ela abriu a caixa térmica, mexeu nela, chamou um casal de namorados que passava do outro lado da rua, mostrou algo para eles, tirou fotos e pediu ao policial para algemá-lo e levá-lo até a moto. Quando se aproximaram, ela mostrou um tablete de maconha. Serginho disse que não sabia como a maconha tinha ido parar lá, mas que só podia ser a policial que a colocou, pois aquilo não estava ali antes e só ela mexeu na caixa. Ele jurou que não era dele, mas não adiantou: foi detido e preso por posse ilegal de entorpecente.
Rayssa me contou que, quando Serginho mencionou a policial feminina, ela imediatamente ligou uma coisa à outra e pediu que ele a descrevesse. Teve certeza de que era a mesma que a perseguiu. Depois, procurou a policial e a encontrou na praça. Pediu, pelo amor de Deus, que ela ajudasse, mas a policial disse que não podia fazer nada, que apenas cumpria seu dever, mas que poderia cuidar dela enquanto o “maridinho” estivesse preso. Rayssa disse que a policial falava com um sorriso cínico nos lábios. Sem poder fazer nada, saiu dali desesperada. Ela disse que foi um inferno até o julgamento, mas se manteve firme, pois, mesmo sendo algo quase impossível, ainda tinha esperança de que Serginho seria solto ou, quem sabe, receberia apenas uma pena educativa. Mas não foi isso que aconteceu.
Serginho foi julgado e condenado a cinco anos de prisão; o depoimento das testemunhas e dos policiais foi vital para a condenação por tráfico. Rayssa disse que, depois disso, sua esperança foi destruída. Estava sozinha, havia perdido o filho e o namorado ficaria preso por, no mínimo, três anos e meio. Sobreviveu com doações dos vizinhos e da família de Serginho. Porém, não podia mais pagar o aluguel e, após três meses sem pagar, o dono da casa a expulsou. Não queria voltar para a casa da mãe, então começou a viver na rua. Vendeu todos os seus móveis, comia na rua, dormia na praça e visitava o namorado quando podia. A policial não parou de persegui-la, sempre a parava e tentava de todas as formas levá-la para morar com ela, mas Rayssa disse que preferia a morte do que ir com ela.
Rayssa disse que chegou a um ponto em que não aguentou mais e enlouqueceu de vez. Não sabia direito o que aconteceu, mas acordou em uma clínica psiquiátrica. Ela lembrava de algumas coisas do início na clínica, mas eram poucas. Na clínica, foi bem tratada. Depois que voltou ao seu estado normal, lembrava das sessões com o psiquiatra, das pessoas que conheceu lá e dos muitos remédios que tinha que tomar várias vezes ao dia. Contaram para ela que a polícia a deixou na clínica, pois ela havia avançado em uma policial no meio da rua e foi presa, sendo depois levada para lá. Rayssa não se lembrava disso nem das coisas que aconteceram no primeiro ano em que ficou internada.
Ela me disse que ficou dois anos e meio na clínica; no primeiro, não lembrava de muita coisa. No segundo, foi se recuperando e ficou mais seis meses porque não tinha aonde ir. Saiu há pouco tempo e disse que resolveu mudar totalmente o visual para não correr o risco de ser reconhecida pela policial. Cortou e pintou o cabelo e fez tatuagens. Recebe um salário do governo todo mês como ajuda. Os remédios consegue todos de graça. Então, resolveu alugar um barraco e tentar voltar a ter uma vida normal. Porém, por ter mudado a aparência, fica difícil arrumar trabalho; o preconceito é grande. Ela disse que viu a policial algumas vezes, mas a policial não a reconheceu.
Logo que se recuperou um pouco na clínica, Rayssa voltou a visitar o namorado e se desculpou por ter sumido. Contou a ele tudo o que aconteceu e ele a entendeu. Ele estava para sair, e a única coisa que ela queria agora era ter sua vida de volta.
Greta, ela me contou muita coisa ruim que supostamente passou. Eu menti para você: não fui ao shopping com ela, fui ao presídio com ela, mas fiquei só do lado de fora porque não podia entrar. Fui ao barraco onde ela mora algumas vezes, é de dar pena o lugar. Ela me mostrou as receitas dos remédios que toma. Me levou até a clínica onde ficou internada e, realmente, conhece as pessoas de lá. As tatuagens que tem no braço são a foto do pai dela, de um bebê com asas de anjo, o nome do Serginho em japonês e a foto de um policial sem rosto. Ela disse que é para sempre lembrar das coisas boas e ruins que passou na vida.
No dia do almoço, ela me perguntou sobre nosso relacionamento, e eu contei que era ótimo. Então, ela me questionou se eu te conhecia de verdade ou apenas sabia o que você me contou. Eu disse que basicamente sabia o que você me disse, mas que você me demonstrou ser uma pessoa incrível. Perguntei a ela por que fez aquela pergunta. Ela respondeu que já tinha me visto na padaria, mas nunca prestou atenção em mim. No dia em que me viu com você, resolveu se aproximar e percebeu que eu era uma boa pessoa. Mas, segundo ela, eu era uma garota do interior e meio ingênua. Não entendi; então ela disse que se aproximou de mim para contar sua história, porque você era a policial da história dela. Eu não acreditei, claro, e disse que ela estava enganada. Ela afirmou ter certeza absoluta, até porque não se esquece de alguém que destrói a vida da gente. Disse que eu não precisava acreditar, mas que fez sua parte ao falar a verdade. Implorou para que eu não te contasse, pois, se você soubesse, ela perderia novamente a chance de ter uma vida normal. Eu não sabia o que dizer ou pensar.
Ela falou que era só eu continuar agindo normalmente e, se eu não acreditasse nela, poderia continuar com você até descobrir por conta própria se acreditava ou não. Se eu acreditasse nela, era só esperar minhas férias e voltar para casa, não voltar mais. Porque, na minha cidade, você não poderia fazer nada contra mim, mas aqui era perigoso demais se você descobrisse que eu sabia a verdade. Ela pediu que continuássemos conversando, que queria me mostrar algumas coisas e me levar a alguns lugares. Foi aí meu grande erro: eu concordei, não te contei nada e continuei falando com ela. Segui o que ela pediu e não te falei nada. Só mencionei Rayssa aquele dia de forma superficial, porque havia o risco de você me ver conversando com ela. Achei melhor te dizer que ela era minha amiga, mas omiti o resto.
Continuei a amizade com ela, e foi aí que ela me levou à prisão, ao barraco dela e à clínica. Hoje eu sei que é mentira, que você não fez aquilo, mas, com o passar do tempo e de tantas coisas que ela falou, comecei a acreditar nela. Nesses últimos dias, minha vida virou um inferno. Não conseguia estudar direito, e Rose, depois daquele dia na porta da faculdade, simplesmente passou a me ignorar, como se eu fosse uma estranha. Ela nem conversou mais comigo; no outro dia, quando fui falar com ela, simplesmente disse que não queria amizade comigo e saiu andando sozinha para a faculdade. Jurei que era por causa da Rayssa e achei muito sacanagem julgar alguém pela aparência. Dias atrás, ela veio falar comigo, dizendo que Rayssa era uma drogada. Como eu nunca tinha visto Rayssa nem sequer fumar maconha, briguei com ela.
Longe de você, achava que Rayssa tinha me falado a verdade. Mas, quando estávamos perto, via seu sorriso e o jeito que você me tratava, e isso não fazia sentido. Decidi terminar as provas e te contar tudo quando você fosse para minha casa. Se fosse verdade o que Rayssa dizia, eu teria a proteção da minha mãe e da minha família. Aqui, não tinha ninguém, só a Rayssa, que se tornou uma presença constante na minha vida. Mas, naquele dia em que você veio me cobrar das faltas e das provas, eu explodi. Já estava ficando maluca com tudo isso e acabei falando o que não devia. Mas você teve uma reação que não era de alguém culpada. Quando você tirou a aliança do dedo, vi meu mundo desmoronar. Em vez de ir falar com você, fui discutir com Rayssa.
Ela me acalmou e cometi a idiotice de beber. Foi naquele dia que vi Serginho pela primeira vez; ele tinha saído há pouco tempo da cadeia, mas eu ainda não o tinha visto. Quando acordei na cadeia, ainda estava bêbada, não conseguia pensar direito e acabei falando mais besteiras. Quando você me soltou, já havia tomado a decisão de ir embora. Não sabia em quem acreditar, em quem confiar. Estava em uma cidade longe da minha, sem ninguém a quem pudesse pedir ajuda. Estava com medo, muito medo.
Você pode me achar uma idiota. Não ligo, porque fui mesmo. Mas tudo isso aconteceu comigo e fiquei perdida. A história da Rayssa poderia ser verdade, e, se fosse, eu estava ferrada; se não fosse, eu tinha perdido você. Não tinha como ter certeza de quem estava mentindo. Eu amo você, e muito, mas amar alguém não a faz ser inocente. Não te conheço nem há um ano e, sim, duvidei de você. Me perdoe, mesmo que você não queira nunca mais me ver. Só quero que você tente entender o que aconteceu comigo e que não me odeie por ter estragado tudo.
Não sei o que você vai decidir, se vai me perdoar, se vai continuar sendo minha namorada ou se vai me mandar de volta para casa. Só queria dizer que sinto muito por ser uma boba de coração mole. Mas eu nunca, em nenhum momento, deixei de amar você. Nem quando duvidei de você ou do seu amor deixei de acreditar no que sinto por você. Agora está tudo nas suas mãos; o que você decidir, eu vou aceitar, por mais que possa doer, eu vou aceitar.
Então, Greta, o que você vai fazer? Vai me mandar embora ou vai me dar uma chance?
Continua...