Uma grande mudança em nossas vidas.Cap 3 - Revelações e a queda de Pedrão -3.2

Um conto erótico de Manfi82
Categoria: Heterossexual
Contém 5147 palavras
Data: 02/12/2024 12:16:11

como terminei meu último relato:

“Após concluir seu relato, Fernanda desabou, chorando intensamente.

Eu a deixei se expressar e desabafar, e depois lhe disse que faria o possível para convencer Ana a registrar a queixa até o final de semana, custasse o que custasse.

Fernanda se recompôs, me agradeceu e me deu uma dica valiosa: Ana compõe músicas e sonha em conseguir escrever suas próprias canções. Essa informação foi crucial para alcançar meu objetivo naquele final de semana.”

……

*Sábado a noite, semana anterior a luta*

Terminei de conversar e acalmar a Fernanda já tarde da noite. Cheguei em casa por volta da meia-noite, cansado, mas com o peso do dia ainda martelando minha mente. Foi só quando entrei no meu quarto, em meio ao silêncio quase absoluto, que lembrei de olhar as mensagens no celular.

As novidades de Amanda já tinham sido relatadas anteriormente, mas o que realmente prendeu minha atenção foram as inúmeras mensagens de Fabi. Cada notificação parecia pulsar na tela, um lembrete constante de minha ausência. Um peso na consciência se instalou instantaneamente — eu havia deixado ela preocupada, ansiosa, e isso me incomodava profundamente. Nosso relacionamento estava se fortalecendo de uma forma que nunca imaginei, e a última coisa que eu queria era falhar com ela.

Mas eu não podia contar a verdade. Não naquele momento. E essa omissão me corroía. Era como se, de alguma forma, eu estivesse traindo sua confiança. Pode parecer exagero, mas o sentimento de culpa que aquilo gerou era completamente novo e devastador. Eu já havia escondido coisas de amigos antes, como a luta contra Pedrão, e isso também pesou, mas com Fabi... era diferente. Ela não era só uma amiga.

Senti um aperto no peito, uma angústia que parecia engolir tudo ao meu redor. Era algo que não conseguia explicar totalmente. Talvez o fato de, finalmente, estar lidando com meus sentimentos de forma mais honesta tenha tornado essa dor ainda mais intensa. Eu me peguei refletindo: como alguém consegue trair quem ama? Não falo só de infidelidade física, mas de pequenas deslealdades que podem destruir uma relação. No meu caso, nem houve traição — nem em pensamento. Mas esconder algo dela já parecia um crime.

Anos de terapia me ajudaram a entender de onde vinha essa sensibilidade. As traições da minha primeira namorada e, mais tarde, de Amanda, marcaram minha vida profundamente.. Elas não só me feriram, como me humilharam de um jeito que deixou cicatrizes profundas. Cada vez que algo me fazia lembrar desses episódios, os gatilhos emocionais voltavam com força total, me enchendo de insegurança. Isso me fazia questionar, inclusive, minha capacidade de manter relacionamentos saudáveis no futuro.

É por isso que reforço para vocês: tudo o que fazemos carrega consequências. Se você só pensa no impacto que algo terá sobre você, isso é puro egoísmo. Espero que possam realmente aprender algo com esse relato.

Voltando ao relato…após refletir sobre tudo isso, sabia o que precisava fazer. Liguei para Fabi e expliquei, da forma mais honesta possível, o motivo da minha ausência. Disse que estava focado no objetivo de me vingar de Pedrão e que toda a preparação para conseguir esse objetivo estava me consumindo por completo. Era uma verdade, mas incompleta. Não revelei tudo, e isso me incomodava, mas era o máximo que conseguia fazer naquele momento.

Depois disso, esperei a ligação da Fernanda. Sabia que provavelmente está ligação iria demorar, então resolvi tomar um banho gelado, tentando organizar meus pensamentos. Quando ela ligou, me trouxe a notícia de que tinha convencido Ana a me encontrar. Marcamos de nos reunir no apartamento de Fernanda e, de lá, seguiríamos para a casa de Ana.

Com esse ponto resolvido, me joguei na cama. O sono que eu tanto precisava parecia um adversário difícil de vencer. Minha mente não parava. Pensamentos sobre Fabi, Pedrão, Ana, e tudo o mais formavam um turbilhão que me impedia de relaxar. Fiquei rolando de um lado para o outro, prisioneiro de minhas próprias inquietações. No fim, foi o cansaço extremo que venceu a batalha, e acabei dormindo de forma abrupta, quase como se meu corpo decidisse desligar sozinho.

No meio da madrugada, fui arrancado do sono por uma notificação no celular. Ainda atordoado, estiquei o braço até a mesinha de cabeceira, onde o aparelho piscava. O brilho da tela feriu meus olhos ajustados à escuridão, mas o conteúdo da mensagem despertou algo muito mais profundo do que incômodo visual.

Era de um número desconhecido. O texto breve acompanhava um vídeo que eu relutei em abrir. Minhas mãos começaram a tremer antes mesmo de clicar. Algo dentro de mim já sabia que aquilo não era coisa boa.

Quando o vídeo começou a rodar, senti meu estômago revirar. Lá estava Fabi. Reconheci o ambiente, reconheci a cama. Reconheci o... outro. Era Pedrão. O cara que mais odiei na vida agora ocupava a cena mais detestável que meus olhos poderiam testemunhar.

Fabi estava de quatro, os cabelos desgrenhados e o rosto virado para o lado, enquanto implorava por ele. Não por carinho, por toque, por atenção. Mas por aquilo que eu nunca imaginei ouvir sair de sua boca, e que parecia ter sido gravado só para me torturar.

— Veja, meu corninho predileto — dizia o texto sobre o vídeo, como se gritasse na minha mente. — Você nunca conseguirá fugir de mim. Continue insistindo em ter relacionamento com alguma garota. Eu agradeço por isso.

Enquanto assistia, uma mistura de incredulidade, dor e ódio tomou conta de mim. Pedrão segurava o corpo de Fabi com uma mão firme, enquanto, com a outra, conduzia sua provocação. Ele esfregava a ponta do pau pela entrada da bucetinha molhada de Fabi, que tremia e gemia com cada provocação, em um desejo que ela não fazia questão de conter.

— Vamos, minha putinha — a voz dele soava como um trovão que invadiu a minha mente. — Peça, implore pela minha rola. Diga quem é seu macho.

E ela... Ela cedeu.

— Por favor, Pedrão. Me coma... me fode... me toma pra você. Eu quero! Não aguento mais, por favor.

A cada palavra dela, algo dentro de mim se partia. Eu queria acreditar que aquilo era falso, uma armação. Mas os gemidos, os movimentos, os olhares... tudo parecia brutalmente real.

— Agora avisa o corno do Zeca quem é o macho que você escolheu — Pedrão ordenou antes de desferir dois tapas nas nádegas de Fabi, deixando marcas na pele clara. Ela ofegava, mas não hesitava.

— Zeca... desculpa meu amor, mas o Pedrão será meu macho. Você só me terá se ele deixar. Seja bonzinho e obediente. Por favor…

O sorriso dele era monstruoso, cruel. Então, sem aviso, ele a penetrou de uma vez, arrancando um grito de prazer que reverberou no quarto e na minha mente.

Eu berrei praticamente ao mesmo tempo que ela. Um grito visceral, misturando dor e desespero.

— Nãooooo!

Foi então que despertei, ofegante e banhado em suor. Era o mesmo pesadelo que me torturava todas as noites desde que recebi aqueles malditos vídeos de Pedrão com Amanda. Mas agora, a protagonista da cena não era mais Amanda… era Fabi.

Por um momento, fiquei congelado na cama, tentando separar a realidade do tormento em minha mente. O coração disparava como se quisesse rasgar meu peito, e minhas mãos trêmulas agarraram o celular no impulso irracional de confirmar que tudo não passava de um sonho.

Arranquei o aparelho do carregador, quase derrubando tudo ao redor, e sentei-me na beira da cama. Minhas mãos não obedeciam, os dedos quase incapazes de deslizar pela tela. Minha respiração estava descompassada, sufocante. Eu puxava o ar com força, mas ele parecia preso, como se algo invisível apertasse minha garganta.

Aos soluços, consegui abrir as mensagens. O celular tremia entre os meus dedos enquanto meus olhos varriam cada notificação. Nada. Nenhuma mensagem, nenhum vídeo. Era mesmo apenas mais um pesadelo.

Quando a confirmação veio, não senti alívio. Pelo contrário, a tensão me abandonou de forma abrupta, e tudo que restou foi um desespero esmagador. Desabei em prantos, as lágrimas quentes escorrendo pelo rosto. O vazio que eu sentia dentro de mim parecia ainda maior. Não era só o medo do Pedrão ou o que ele havia feito. Era o entendimento cruel de que ele não estava apenas no meu passado, mas também habitava minha mente, meus sonhos, minha alma.

Nunca conseguiria vencê-lo verdadeiramente se permanecesse sendo prisioneiro dessa presença. Não importava o quanto lutasse, o quanto treinasse, o quanto me preparasse para enfrentá-lo fisicamente. A verdadeira batalha era interna.

Meus pensamentos se misturavam, uma avalanche de imagens, lembranças e medos. A angústia era quase insuportável. Por um momento, senti que não tinha forças para continuar. Um cansaço profundo tomou conta de mim, como se cada parte do meu corpo estivesse desistindo ao mesmo tempo.

Mas então, no fundo daquele abismo emocional, algo começou a emergir. A ideia de evitar que outras pessoas se tornassem vítimas dele… isso me deu um vislumbre de propósito. Talvez fosse suficiente, talvez não. Eu não sabia. Mas era tudo o que eu tinha.

Com os olhos ainda úmidos e a mente tentando se reorganizar, decidi que precisava agir. Ana, uma aspirante a cantora de pagode, era uma peça crucial no plano. Se ela fosse minha chance, eu faria tudo ao meu alcance.

Peguei meu cavaquinho, ainda guardado na velha capa acolchoada amarronzada, com as bordas desgastadas pelo tempo. Ele estava esquecido em um canto do armário, sufocado pelo pó e pelo abandono. Ele foi meu primeiro instrumento de corda, o símbolo de uma paixão antiga que, de alguma forma, ainda respirava em mim. Tirar aquele objeto do esquecimento parecia mais do que um ato simples; era quase como despertar uma parte de mim que havia adormecido junto com ele.

Ao abrir a capa, senti o cheiro agridoce da madeira envelhecida. O brilho de outrora havia sumido, substituído por marcas do tempo, e as cordas estavam enferrujadas, quase como se protestassem por tanto descaso. Passar os dedos por elas produziu um som desafinado, áspero, mas carregado de lembranças. Aquele som, embora imperfeito, parecia traduzir meu estado: desgastado, mas ainda capaz de criar algo.

Minha banda favorita era de power metal, intensa e visceral, e era nela que encontraria inspiração. A ideia de transformar uma música tão poderosa em algo suave, que combinasse com o estilo de Ana, parecia absurda, quase uma heresia. Mas também era um desafio que eu precisava enfrentar. O paradoxo de criar algo leve em meio à tormenta interna que me consumia parecia, de alguma forma, coerente com o que eu sentia.

Sentado na cama, com o cavaquinho apoiado no colo, comecei a trabalhar. A madrugada era silenciosa, mas dentro de mim um turbilhão rugia. Cada acorde, cada adaptação que fazia, era como uma luta contra as sombras que Pedrão lançava sobre minha mente. Eu sabia que essa música não era apenas para Ana. Era para mim. Era a minha tentativa desesperada de transformar dor em algo belo, de canalizar toda aquela intensidade para algo que me desse algum controle.

As horas passaram, e a melodia começou a tomar forma. A princípio, eram apenas fragmentos, desconexos como meus pensamentos. Mas aos poucos, algo surgia. Trabalhar naquela adaptação era uma batalha contra o desânimo e a sensação de impotência que me corroía.

Quando os primeiros raios de sol apareceram no horizonte, iluminaram o quarto com uma luz suave, quase reconfortante. Eu estava exausto, física e emocionalmente, mas havia um traço de alívio. Não porque tivesse vencido algo definitivamente, mas porque, por um momento, senti que ainda havia algo em mim que resistia.

Era um pequeno começo, mas, naquela noite, foi suficiente.

Na manhã seguinte, acordei com minha mãe me chamando, a voz dela repleta de preocupação. O som do despertador ecoava, insistente, mas eu não havia sequer mexido um músculo. Meu sono, pesado e impenetrável, parecia uma fuga inconsciente da realidade. Ela precisou me sacudir várias vezes para me trazer de volta.

— Você está bem? — perguntou, com os olhos ansiosos fixos em mim.

Eu mal respondi. Ainda atordoado, resmunguei algo incompreensível e fui direto para o banheiro. Não era o momento de conversar; eu tinha outras prioridades na cabeça. Hiperfocado como sempre, não percebi, ou talvez tenha escolhido ignorar, o quanto minha mãe estava aflita.

A água fria do banho me ajudou a despertar por completo, mas não limpou o peso emocional que parecia grudado à minha pele. Quando saí do banheiro, a casa estava estranhamente silenciosa. Meu pai já havia saído para o trabalho, e minha mãe, aparentemente resignada, ocupava-se com algo em seu quarto.

Sentei no sofá, o ambiente vazio amplificando a sensação de que, mais uma vez, eu estava afastando meus pais. A promessa que fizera a mim mesmo de nunca mais deixá-los de fora estava sendo quebrada. Peguei o celular e, quase sem pensar, gravei um longo áudio para eles. Falei tudo, sem filtro. Sobre o que sentia, sobre as coisas que me atormentavam. Foi a primeira vez que percebi como desabafar podia ser libertador, quase terapêutico.

Depois de terminar, fui para a cozinha e preparei meu café da manhã. O pão francês fresco que meu pai havia deixado estava perfeito para o ovo frito que fiz. Um gesto simples, mas que carregava um afeto silencioso. Enquanto comia, senti o celular vibrar repetidamente. As notificações eram respostas dos meus pais ao áudio que enviara. Não tinha tempo para ouvir naquele momento, mas só de saber que haviam respondido, senti um conforto inesperado.

Quando o relógio marcou dez horas, peguei minhas coisas e fui para o apartamento de Fernanda. Ela já estava me esperando e, ao entrar no carro, foi direto ao ponto.

— O endereço está aqui. — Disse, enquanto digitava no GPS.

Antes de sair, deu-me um beijo rápido na bochecha.

— Boa sorte. Por favor, tenha cuidado com ela. Tudo ainda é muito recente, e você sabe... sabe tudo o que aconteceu... — A voz de Fernanda vacilou, como se as palavras fossem pesadas demais para serem ditas sem esforço.

Ela fez uma pausa, e eu percebi o brilho de algo contido em seus olhos, como se quisesse chorar, mas não permitisse que a emoção transbordasse. Tentei abraçá-la, uma tentativa desesperada de aliviar o peso que ela parecia carregar, mas ela se esquivou, mantendo a barreira firme entre nós.

O olhar que ela lançou foi duro, resoluto, mas havia um fundo de tristeza, um misto de proteção e desamparo.

— Ela estará sozinha, esperando por você. Eu cumpri minha missão. Agora, tudo dependerá de você.

Fernanda pronunciou essas palavras de forma rápida, quase como um alívio ao finalmente dizê-las, antes de sair do carro com passos decididos, sem olhar para trás, sem abrir espaço para mais perguntas ou explicações.

Fiquei ali, com as mãos ainda no volante, sentindo um nó na garganta que não conseguia desfazer. Ela havia me deixado com muito mais do que um endereço; deixou-me com a responsabilidade de lidar com algo que parecia maior do que eu.

Com a mente cheia de pensamentos conflitantes, comecei a dirigir até a casa de Ana. A ansiedade veio como uma onda, mas era uma ansiedade diferente. Uma sensação de expectativa, como se algo bom pudesse realmente sair daquela situação. Era algo raro para mim.

Quando estacionei em frente à casa, respirei fundo. Meu coração batia rápido, mas não de medo. Era o tipo de emoção que me dizia que, apesar de tudo, eu tinha uma chance. Eu só precisava manter o controle e deixá-la à vontade. Com uma mistura de cautela e otimismo, saí do carro e caminhei em direção à porta.

Segurava uma caixa de som e um amplificador em uma mão. Nas costas, dentro da mochila pesada, estava meu computador e uma pequena mesa de som portátil. Presa ao meu tronco, a guitarra de estimação, companheira fiel nas noites de composição, repousava dentro de uma capa preta já desgastada pelo tempo. Na outra mão, carregava o cavaquinho, também guardado em sua capa, como se fosse uma extensão de mim mesmo. Estava preparado para aquela conversa. Ou, pelo menos, era o que eu pensava.

Quando toquei a campainha, senti o coração disparar como se quisesse escapar do peito. A espera por uma resposta parecia interminável, e, com cada segundo que passava, pensamentos invadiram minha mente como uma tempestade. Será que ela me atenderia? Será que eu conseguiria dizer o que precisava? As dúvidas vieram como ondas, afogando qualquer vestígio de confiança que eu achava ter.

Coloquei tudo que segurava no chão. Minhas mãos começaram a tremer e o ar parecia escapar de meus pulmões. Precisava me acalmar. Puxei o ar fundo, forçando meus pensamentos a desacelerar, mas a ansiedade tinha suas garras em mim. E então, finalmente, o som da trinca da porta me trouxe de volta à realidade.

Quando a porta se abriu, lá estava ela. Uma garota jovem, talvez com 18 anos, mas que parecia carregar décadas de sofrimento no olhar. Seus olhos estavam apagados, cercados por olheiras profundas, e sua expressão era de puro cansaço, como alguém que já tinha chorado tudo o que podia. Os cabelos molhados caíam desajeitados sobre o conjunto simples de pijama, e sua pele, pálida como a de alguém que não via a luz do sol há dias, refletia um estado de completa exaustão.

Ela era a própria sombra do que havia sido, bem distante da imagem vibrante que Fernanda me mostrara nas fotos e vídeos. O contraste era tão gritante que um peso esmagador se abateu sobre mim, trazendo consigo um remorso que me golpeou como um soco. Quis chorar ali mesmo, mas segurei as lágrimas, embora o nó na garganta fosse quase insuportável.

Eu sempre fui bom em esconder minhas emoções. Mas aquele novo eu, que tentava me abrir para os sentimentos e aprender a lidar com eles, não conseguiu se manter firme diante daquilo. Ver o que restara daquela garota me quebrou.

E então veio o pensamento que me atravessou como uma lâmina, acompanhado por um gosto amargo que subiu até minha boca, quase me fazendo vomitar: Como terei coragem de pedir o que preciso para ela? Ela já não sofreu o suficiente?

A sensação de desnorteamento foi imediata. Durante horas inteiras eu havia imaginado como seria aquele encontro, debatido possibilidades, ensaiado palavras. Mas essa cena, a mais óbvia de todas, não passou pela minha mente nem por um instante. Era como se meu subconsciente tivesse bloqueado essa possibilidade, temendo encarar a realidade crua que agora estava diante de mim.

Ela hesitou por alguns segundos, como se decidisse se queria ou não abrir espaço para mim. Por fim, com um suspiro que soou quase resignado, deu um passo para o lado e disse, com a voz baixa:

— Pode entrar.

Peguei os equipamentos no chão, tentando equilibrar a mochila nas costas e a guitarra pendurada no tronco, enquanto segurava o amplificador e a capa do cavaquinho. Assim que cruzei a porta, fui envolvido por um cheiro doce, quase nostálgico, como uma mistura de baunilha com algo levemente floral. No ar, um toque de madeira envelhecida completava a atmosfera acolhedora e melancólica da casa.

A sala de estar era simples, mas bem cuidada. Um sofá azul-marinho ocupava boa parte do espaço, ladeado por uma mesa de centro com uma pilha de livros e uma caneca esquecida. Havia uma estante próxima à parede com porta-retratos e alguns objetos decorativos. A luz natural entrava timidamente pelas cortinas de tecido bege, dando ao ambiente um tom suave e quase introspectivo.

Ana fechou a porta atrás de mim e encostou-se nela por um momento, como se precisasse reunir forças para continuar.

— Você é o Zeca, não é? — perguntou, finalmente, sem me encarar diretamente.

— Sim, e você é a Ana — respondi, tentando não parecer invasivo.

Ela assentiu levemente e fez um gesto para que eu a seguisse pelo corredor. Seus passos eram lentos e silenciosos no chão de madeira polida, que rangia sutilmente aqui e ali. Enquanto caminhávamos, notei que as paredes do corredor estavam decoradas com quadros e fotos familiares. Uma delas chamou minha atenção: Ana, ainda criança, sorrindo em um balanço de parque. O sorriso dela, cheio de vida, contrastava com a jovem pálida e abatida que agora caminhava à minha frente.

— Meus pais não estão em casa — disse ela, quase como uma explicação. — Mas sempre me apoiaram na música. Então, montaram uma sala para eu ensaiar. É lá que vamos.

Ao abrir a porta no final do corredor, ela revelou um ambiente completamente diferente. A sala de música parecia um refúgio. As paredes estavam cobertas por placas acústicas de um cinza suave, e uma janela lateral deixava entrar uma luz difusa, suavemente filtrada por cortinas translúcidas. No canto esquerdo, uma bateria estava montada, cercada por instrumentos de percussão típicos de pagode: pandeiros, tamborins e um reco-reco repousando com cuidado sobre uma bancada de madeira.

Havia também microfones posicionados em pedestais ajustáveis, com cabos organizados em espirais perfeitas. Um teclado elétrico estava à frente, com estantes repletas de partituras e livros sobre música ao lado. O ambiente exalava um perfume sutil de cera para madeira misturado com o odor metálico dos instrumentos.

Ana parou ao lado da bateria e observou os instrumentos, como se estivessem distantes dela naquele momento. Eu não conseguia desviar o olhar. Sua presença emanava uma melancolia palpável que preenchia todo o ambiente.

— Então... — ela começou, a voz hesitante, os olhos desviando para o teclado. — Foi aqui que passei boa parte da minha vida, até... enfim.

Ela não terminou a frase. O silêncio que se seguiu parecia apertar o peito. Eu queria dizer algo, mas a tensão era palpável.

Pus minha mochila no chão com cuidado, tentando não fazer barulho. Enquanto tirava o cavaquinho da capa, passei os olhos novamente pelo ambiente. Não era apenas uma sala de música. Era o reflexo de tudo o que Ana parecia ter sido e perdido.

— É um lugar incrível — comentei, retirando o cavaquinho com delicadeza. — Dá pra sentir a energia criativa daqui.

Ela me encarou, os olhos marejados, como se fosse tentar decifrar minhas palavras. Por fim, assentiu e se sentou em um banco próximo ao teclado, abraçando os próprios joelhos. A postura dela estava tensa, como se quisesse se fechar mais no próprio espaço.

Enquanto me preparava, ajustando os cabos na mesa de som e afinando o cavaquinho, percebia os olhares fugidios de Ana. Ela parecia querer falar algo, mas hesitava. O silêncio estava preenchido apenas pelos sons metálicos das cordas sendo tensionadas e pelos estalos ocasionais do pedestal do microfone que eu ajustava.

Por fim, ela quebrou o silêncio com a voz baixa, quase se perdendo no ar:

— Então você é o Zeca. O cor...

Mas algo a interrompeu, e ela permaneceu ali, os olhos fixos no chão. Era visível o esforço dela para se recompor, mas as palavras falhavam. Eu sabia o que estava acontecendo. O silêncio estava pesado, como se fosse uma pressão contra o meu peito. Mas eu também sabia que não podia deixar ela se fechar. Precisava me conectar com ela, não só por mim, mas pela situação. Se eu falhasse, tudo estaria perdido.

Senti um nó na garganta. Soltei uma risada baixa, nervosa, tentando quebrar o gelo, mas a tremedeira da minha voz denunciou o desconforto.

— Sim, sou o amigo da Amanda. Não me considero corno, porque nem namorava ela, mas, pra ser honesto, tudo o que eu senti não teria sido diferente se estivéssemos ou não oficialmente juntos.

Ana me encarou, os olhos marejados. A dor estava clara ali. Ela estava tentando controlar as lágrimas, mas o esforço era visível. O ambiente estava abafado, o ar parecia ter ficado mais quente e pesado.

— Me desculpa… eu... eu… — ela tentou falar, mas a voz falhou.

Era impossível não perceber o quanto ela lutava para se controlar. Um impulso me fez caminhar até ela e, sem hesitar, a abracei. Foi um abraço firme, talvez o mais firme que eu já dei. Aquele contato físico, a troca de calor, parecia que o mundo inteiro estava ali. O instante se alongou, mas eu não consegui me mover. Senti a fragilidade dela, a dor que parecia transbordar, e algo em mim quebrou.

Ficamos assim por um tempo. O silêncio era interrompido apenas pelas lágrimas que escorriam e os corações que batiam juntos, descompassados. Nenhum de nós tinha forças para segurar mais nada. O choro parecia uma válvula de escape, mas, ao mesmo tempo, cada lágrima parecia mais um peso a ser somado à nossa carga emocional. Ambos precisávamos de alguém, alguém que entendesse a dor, sem julgamentos, só o consolo da presença.

Soltei-a suavemente, ainda sentindo a pressão do abraço em meu corpo. Levantei seu rosto com as mãos e a encarei, a voz falhando:

— Eu que peço desculpas.

Ela tentou falar, mas eu a interrompi. Não queria ouvir nada, não naquele momento. Eu precisava falar. Precisava desabafar.

— Por favor… me ouça. Eu finalmente tenho com quem desabafar. Eu preciso, por favor. — implorei, minha voz trêmula.

Ela me olhou por um momento, o rosto molhado pelas lágrimas, e assentiu com a cabeça, me dando permissão para continuar. O peso da situação parecia opressor, mas havia um alívio, uma sensação de que eu não precisava carregar esse fardo sozinho.

— Eu devo desculpas… não apenas a você, mas à Amanda e todas as outras vítimas daquele cara. — a palavra “vítimas” me cortou, como se uma lâmina afiada tivesse atravessado meu peito. Eu precisei parar, respirar fundo, tentar recuperar a compostura. O ar parecia ter sumido. — Eu morei com aquele cara por pelo menos três anos. Ouvi tudo. Tudo o que ele dizia para os outros filhos da puta na nossa república.

Fiquei ali, respirando fundo, tentando reunir forças para continuar. Mas, em vez disso, mais lembranças começaram a me invadir, como uma onda ameaçando me afogar. Eu não queria mais reviver aquele tempo. Mas não havia como escapar.

— O que aconteceu com a Amanda… não foi a primeira vez. — A dor na minha voz se fez um nó apertado no peito. — Comecei a namorar uma amiga de infância antes de entrar na faculdade. Estava tudo bem, até que... até que eu a levei para a república.

A dor parecia me engolir, e eu não consegui mais conter as lágrimas. Elas desceram sem controle, e Ana, com um gesto silencioso, tomou minha mão. Seu toque quente foi o único consolo que consegui entender naquele momento. Ela não precisava falar. Estava ali, apenas, e isso já era mais do que eu poderia pedir

— Ele fez questão de "tomar" minha namorada… e me ameaçou. “Você não é homem o suficiente para ter um relacionamento. Toda vez que você se relacionar com alguém…” — a frase dele reverberou em minha mente, mas eu não consegui completá-la. A dor me atingiu com uma força avassaladora, e meu corpo se curvou em um soluço de desespero.

Ana se levantou sem dizer uma palavra, saiu em silêncio e voltou com um copo d'água. Eu apenas a observei, sentado, enquanto as lágrimas desciam incontroláveis. O peso do passado era insuportável, e a sensação de estar afundando psicologicamente tomou conta de mim. Mas, quando ela voltou, sua presença me trouxe uma sensação de segurança. Ela não falava, mas estava ali. E, de algum modo, isso me dava forças.

Ela se sentou ao meu lado novamente, mais perto, como se soubesse que eu precisava de sua proximidade. Colocou o banco ao meu lado e me abraçou.

— Comecei a sair com a Amanda, e as poucas vezes que tentei me impor foram, na verdade, para implorar que ela não fosse para aquela república. — minha voz saiu mais baixa agora, quase um sussurro.

O quarto parecia menor, os espaços apertando à medida que eu falava. Como se as palavras que eu soltava também estivessem empurrando os limites ao meu redor. Cada palavra que escapava de minha boca parecia aumentar o peso que já esmagava meu peito. A pressão cresceu, e o desespero se espalhou.

— Estava tudo certo. Pelo menos com relação ao Pedrão… até que eu deixei meu celular na cozinha e ele viu nossas mensagens. Depois disso… aconteceu tudo o que aconteceu. — Eu mal consegui completar a frase. Senti-me completamente exposto, completamente vulnerável.

Ana ergueu suavemente o meu rosto, sua mão tocando minha pele com uma delicadeza que me fez fechar os olhos por um instante. Ela me encarou profundamente.

— Você não teve culpa. Não pense assim. Nunca. Ele… e... nós fomos os culpados.

Eu neguei com a cabeça, sem conseguir responder.

— Você não entende. Eu me omiti. Desde o começo. Eu me omiti. Fiz isso com pessoas que não conhecia, me omiti e aceitei por pura covardia quando aconteceu com a minha primeira namorada...

Agora, a sensação de desespero se transformava em pura angústia. Eu não aguentava mais. Levantei-me e comecei a andar de um lado para o outro, dentro daquele quarto apertado. As paredes pareciam se fechar sobre mim, e a pressão no meu peito aumentava, como se não houvesse mais ar. Eu sabia que estava prestes a desmoronar, mas não podia parar. Não agora. Não enquanto não tivesse dito tudo o que precisava dizer.

— A minha omissão. A minha covardia. Isso fez com que a Amanda e você se tornassem vítimas. — Eu estava despedaçado. O remorso me devorava. — Mas eu juro para você… eu darei minha vida, se for necessário, para que ele pague por tudo o que fez.

Naquele momento, algo se quebrou dentro de mim. Não sabia se as palavras que eu dizia eram um pedido de perdão ou uma promessa desesperada. Talvez fossem as duas coisas.

Voltei a me sentar ao lado dela. O alívio de finalmente ter falado tudo o que eu guardava dentro de mim foi momentâneo. O vazio, a dor e o remorso ainda estavam lá. Olhei para Ana, e ela estava pensativa, os olhos sem brilho, focados no nada. O silêncio se estendeu, e a tensão parecia voltar a nos envolver. Ela não falava, mas eu sabia que estava pensando. Pensando nas palavras que eu tinha lançado sobre ela. Não queria, mas estava. E, mais uma vez, eu me senti culpado.

Ficamos em silêncio, imersos nas nossas próprias emoções, até que, finalmente, Ana tentou dizer algo, mas sua voz falhou. Ela parecia querer falar, mas as palavras não saíam. A tensão ficou ainda mais forte. Como se tudo o que tínhamos dito já estivesse dito, mas ainda restasse algo não resolvido entre nós.

E, naquele momento, eu soube que, por mais que tentássemos, as palavras nunca seriam suficientes.

Tomei a iniciativa e mudei o rumo da conversa.

— Quer saber como Amanda e eu conseguimos seguir em frente? Como tentamos, ao máximo, reconstruir nossas vidas?

Ela se surpreendeu com a pergunta e, com um gesto tímido, assentiu com a cabeça. Peguei meu notebook, liguei-o e a convidei para ver algo. A princípio, ela hesitou, mas, após alguns segundos, pegou seu banco e se sentou ao meu lado..

O que aconteceu a seguir, contarei em meu próximo relato…

Continua…

Obs: FICA PROIBIDO A COPIA, EXIBIÇÃO OU REPRODUÇÃO DESTE CONTEÚDO FORA DESTE SITE SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO AUTOR.

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Comentários

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Parabéns amigo pela retomada da saga nota mil

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Obrigado meu amigo!!!

Como sempre presente p me apoiar!!!

Obrigado de coração!

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Aliás, muita pedrada para o Zeca, só acho

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Só estou tentando retratar com um pouco de realismo o que poderia acontecer com alguém caso passasse por esse tipo de situação!!

Os dois personagens são cagados psicologicamente...desde do início essa é o ponto central da história!!!

Já foi a parte pesada da Amanda. Será???

Agora é a do Zéca!!! Tomara que no final tudo de certo!!

Obrigado pelo comentário

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Belo capitulo, só espero que essa saga termine logo, acho que já deu para esse Pedrão

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Cara essa parte com a Ana seria num conto só para ficaria enorme!!! Sinceramente não sei dizer qts partes ainda terão desse capítulo. Devidi ligar o foda-se e escrever pensando no meu prazer!!!

E vou fazer sem pressa, sem me preocupar com tamanho e etc...

Provavelmente va deixar de postar essa série aqui no site!!!

Mas eu irei avisar como será para quem quiser a série toda!! No final do capítulo falarei.

Eu vou escrever a outra série TB...fiquem tranquilos...essa será do jeito que a maioria gosta, episódios com até 2 mil letras, tentando colocar erotismo e etc...

Obrigado pelo comentário!!!

E não se preocupe, os dias do Pedrão estão contados...kkk

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Que capítulo, parabéns meu irmão!

👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👊🏼👊🏼👊🏼👊🏼👊🏼

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