Dizem que o amor é uma força misteriosa, intangível, como o vento que movimenta as folhas, mas nunca se deixa capturar. Ele chega sem aviso, desestabiliza o que parecia sólido e nos torna vulneráveis, expondo todas as fragilidades que tentamos esconder. O amor é, muitas vezes, incompreensível, e é nessa confusão que ele se torna tão belo.
Talvez o amor seja como uma pétala — frágil, delicada, mas indispensável para a flor ser completa. E assim, cada encontro, cada gesto, cada palavra trocada constrói um buquê de memórias que guardamos no coração, como se o destino tivesse o poder de escrever poesia em nossas vidas.
Quando Pedro e Luiz se conheceram naquele voo, não havia como prever que aquele breve encontro seria capaz de mexer tão profundamente com seus mundos. Eles eram como duas estrelas perdidas no céu infinito, encontrando-se por acaso no mesmo instante. “Teus sinais me confundem da cabeça aos pés”, Djavan escreveu, e talvez fosse isso que os dois sentiam desde o início: uma confusão que os fazia se reconhecer de alguma forma.
Pedro, o sonhador de Roraima, que carregava no peito a esperança de um encontro verdadeiro, se viu completamente desconcertado por Luiz. Ele, que sempre achou que sua vida era feita de caminhos solitários, agora se perguntava se estava diante de algo que poderia florescer. “Quanto mais desejo um beijo seu, muito mais eu vejo um gosto em viver.”, ecoava em seus pensamentos, enquanto ele tentava afastar as incertezas e a saudade que Luiz já deixava.
E Luiz, o cético calculista, que acreditava no preto e branco da vida, teve seu coração bagunçado pelas cores que Pedro trouxe. Mesmo com a distância e as incertezas, ele sabia que algo havia mudado. “A felicidade é uma coisa boa e tão delicada também”, ele refletia, mas logo seu lado racional se impunha: como sustentar algo tão incerto com tantos quilômetros entre eles?
O amor, ah, o amor, não é feito apenas de certezas. Ele é uma dança entre o desejo e o medo, entre o impulso e a prudência. Pedro, deitado em sua cama naquela manhã do casamento do irmão, refletia sobre isso enquanto segurava o celular, esperando por uma resposta que não vinha. E Luiz, no hotel, olhava para as mensagens de Pedro com a dúvida corroendo sua alma, questionando se o que sentiam era suficiente para enfrentar a distância, as diferenças, a vida.
“Ainda assim, acredito ser possível reunirmo-nos, tempo e espaço que há entre nós, o universo conspira a nosso favor”, Djavan parecia sussurrar ao destino de ambos. Mas o tempo, esse senhor tão rígido, ainda não lhes dava respostas.
Pedro sentia o peso das horas se arrastando, como se a saudade estivesse estampada em cada minuto do relógio. Ele se perguntava se deveria deixar o amor fluir como água, sem tentar controlar seu curso, ou se deveria lutar contra a correnteza. “Por ser exato, o amor não cabe em si, por ser encantado, o amor revela-se”, ele lembrou, sentindo o coração se apertar enquanto imaginava Luiz, em algum lugar, talvez pensando nele também.
E Luiz, perdido em suas reflexões, tentava buscar distrações, mas nada preenchia o vazio que Pedro havia deixado. Ele encarava a janela do hotel, vendo o céu lentamente escurecer, e se perguntava se o destino seria generoso ou cruel. “Se eu ousar catar na superfície de qualquer manhã, as palavras de um livro sem final, sem final, sem final, final”, a melodia dançava em sua mente, lembrando-o de que, às vezes, os finais mais bonitos são os que ainda não foram escritos.
E é assim que o amor age: silencioso, misterioso e, por vezes, cruel. Mas mesmo nas suas incertezas, ele planta em nós uma força invisível, a esperança de que, apesar de tudo, as estrelas se alinhem novamente. Porque, no final, o amor é a essência que nos move, que nos transforma, que nos dá coragem para acreditar que sempre há algo a ser vivido, algo a ser encontrado.
Luiz chegou à festa que havia sido convidado pelos colegas da faculdade, mas desde o início sentia-se deslocado. A música alta, as risadas e as conversas que o rodeavam pareciam vir de outro mundo, um mundo do qual ele não fazia parte naquele momento. Ele segurava um copo nas mãos, mais por educação do que por vontade, e fingia prestar atenção nos diálogos ao seu redor, mas sua mente vagava para longe dali.
As pessoas conversavam sobre trivialidades: a pesquisa na faculdade, planos para o futuro, fofocas sem importância. Luiz balançava a cabeça em concordância automática, mas mal sabia o que estava sendo dito. Tudo em que conseguia pensar era em Pedro.
A imagem de Pedro sorrindo, do calor de sua mão durante a turbulência no avião, da intensidade daquele beijo de despedida, tudo voltava a ele como uma onda que não podia controlar. Em determinado momento, alguém percebeu sua ausência emocional e perguntou, curioso:
— Luiz, no que você está pensando? Parece tão distante.
Ele hesitou, mas a bebida já o havia deixado mais vulnerável do que gostaria. Suspendeu o copo à altura dos lábios, mas não tomou nada, apenas suspirou.
— Acho que estou pensando no amor — respondeu, quase sem pensar.
O grupo ao redor riu, achando que era uma resposta genérica, mas o amigo que havia feito a pergunta insistiu:
— No amor? Você? Logo você, que é sempre tão prático, tão lógico?
Luiz deu um leve sorriso, mas havia tristeza nos seus olhos.
— Pois é. Acontece que acho que estou apaixonado. E não sei o que fazer com isso.
O silêncio caiu sobre o grupo, todos se voltaram para ele, surpresos. Alguém finalmente perguntou:
— Apaixonado? Você? Como assim?
Luiz olhou para o copo em suas mãos, buscando coragem para continuar.
— Eu não sei explicar. Aconteceu tão rápido, tão fora do meu controle. Sempre achei que o amor fosse algo que a gente escolhe, algo que a gente constrói. Mas agora... agora eu não consigo pensar em mais nada. Não consigo ser lógico, não consigo ser eu.
Ele fez uma pausa, olhando para os rostos curiosos ao seu redor.
— Conheci alguém, durante o voo. Foi tudo tão intenso, tão inesperado. Eu nunca senti isso antes. Nunca amei ninguém, então nem sei se isso é amor. Só sei que... que está me destruindo não saber se ele está pensando em mim como eu estou pensando nele.
Uma das meninas na roda, com um leve tom de reprovação, perguntou:
— E por que você não corre atrás dele?
Luiz soltou uma risada amarga.
— Eu perdi o contato dele. Meu celular quebrou, e quando consertaram, todas as ligações e mensagens que ele mandou não chegaram. Agora ele deve achar que eu o ignorei. Além disso... ele mora em outro estado. Ele é daqui de Roraima, e eu sou do Rio. Como isso poderia dar certo?
Um dos amigos, mais interessado, perguntou:
— Mas você sabe alguma coisa sobre ele? Um nome, qualquer coisa?
Luiz pensou por um momento, então respondeu:
— Ele falou sobre o irmão dele, que se casaria hoje. Lembro do nome: Rafael Gomes.
O nome caiu no ar como uma fagulha prestes a acender algo. Um dos presentes, já meio bêbado, arregalou os olhos e interrompeu:
— Espera aí... Rafael Gomes? Não pode ser! Minha irmã tá indo pra um casamento agora, e o noivo se chama Rafael. É aqui na cidade mesmo.
Os outros começaram a cochichar, surpresos.
— Pode ser coincidência? — alguém perguntou.
— Ou pode ser destino — outro respondeu, sorrindo.
O bêbado, já animado pela revelação, pegou o celular.
— Quer saber? Vou ligar pra minha irmã e descobrir. Luiz, se for o mesmo casamento, você tem que ir atrás desse cara.
Luiz hesitou, mas o grupo ao redor já estava decidido. Todos começaram a incentivá-lo:
— Vai, Luiz! Você não pode perder essa chance!
Enquanto o amigo bêbado fazia a ligação, o grupo ao redor de Luiz sorria, animado. Após alguns minutos de conversa, ele confirmou:
— Ela acabou de me mandar o endereço.
Luiz olhou para os rostos ao seu redor, sentindo a esperança e o nervosismo borbulharem dentro de si. Alguém se ofereceu para dar uma carona, e antes que pudesse hesitar, Luiz já estava no carro, correndo contra o tempo para tentar encontrar Pedro antes que fosse tarde demais.
Do outro lado da cidade, Pedro estava no casamento do irmão, mas sua mente vagava. Ele tentava se concentrar no momento, repetindo para si mesmo que aquele era o dia de Rafael, que ele precisava estar presente, de corpo e alma, para o irmão. Mas seu coração insistia em bater mais forte toda vez que a imagem de Luiz surgia em sua mente.
Pedro estava impecável em seu terno azul marinho, o mesmo que havia experimentado com Rafael horas antes. O clima era de celebração, e ele sabia o quanto esse momento significava para a família. A cerimônia já havia acontecido, e agora todos estavam reunidos no salão, entre brindes, discursos emocionados e risadas.
Ele olhou ao redor, vendo o sorriso no rosto do irmão enquanto ele dançava com a noiva. Eles eram o retrato da felicidade, e Pedro sentiu um aperto no peito. Não era inveja, era saudade. Saudade de algo que ele nem sabia se realmente tinha, mas que parecia ser a coisa mais importante do mundo: Luiz.
Ele estava sentado em uma das mesas, mexendo no guardanapo dobrado à sua frente, fingindo prestar atenção nas conversas dos tios e primos. Para se distrair, levantou-se e foi até o bar improvisado, onde Rafael, já com algumas taças de champanhe a mais, o encontrou.
— Ei, Pedrão! Tá tudo bem? Você tá muito quieto hoje.
Pedro forçou um sorriso e balançou a cabeça.
— Tô bem, Rafa. Só pensando... no quanto esse dia tá sendo especial pra você.
Rafael riu, passando o braço pelos ombros do irmão.
— Especial demais, cara. Você sabe que a mamãe estaria muito feliz, né?
A menção à mãe deles fez Pedro sentir um nó na garganta, mas ele respirou fundo e assentiu.
— Eu sei. Ela sempre quis ver a gente feliz. E você tá. Isso que importa.
Rafael ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras do irmão. Então deu um sorriso sincero e apertou o ombro dele.
— Sabe o que mamãe sempre dizia? Que o amor da nossa vida nem sempre vem fácil. Mas quando vem, a gente sabe.
Pedro desviou o olhar, sentindo os olhos marejarem.
— E se não der certo?
Rafael riu.
— E se der? Você não vai saber se não tentar. Pedro, não importa quem seja, onde esteja... eu só quero que você seja feliz. Você sabe que pode contar comigo, né? Independente de qualquer coisa.
Pedro assentiu, as palavras do irmão o confortando, mas também o enchendo de uma nova angústia. Será que Luiz pensava nele da mesma forma? Ou será que tudo já havia sido esquecido?
Naquela noite, algo extraordinário acontecia no céu. Uma estrela cadente, como a que Pedro e Luiz haviam visto no dia em que fizeram seus pedidos, atravessava novamente o firmamento, brilhando com a mesma intensidade e trazendo consigo o mistério das coincidências.
A probabilidade de um raio cair duas vezes no mesmo lugar é de uma em trezentos mil, dizem os cientistas. Para muitos, essa chance é tão ínfima que se torna impossível. E, no entanto, a história está repleta de relatos de raios que insistiram em desafiar as estatísticas, golpeando a mesma terra como se buscassem provar que o acaso tem uma força própria, alheia às nossas contas e cálculos.
O reencontro de dois corações, em meio a bilhões de pessoas no mundo, também parece improvável. Qual é a probabilidade de duas vidas se cruzarem no exato momento em que ambas precisam uma da outra? Qual é a chance de, em um voo turbulento, duas almas solitárias se reconhecerem na confusão de um assento apertado e de uma conversa inesperada?
Os números não sabem responder a isso. Eles falam de grandes amostras, médias, desvios padrões. Mas o amor não é algo que se meça em gráficos. Ele não se curva diante da matemática, não respeita as margens de erro, não se limita aos percentuais. O amor é a exceção que insiste, é o raio que cai duas vezes, é a estrela cadente que rasga o céu, como se dissesse: "Eu vim de novo. Desta vez, preste atenção."
Naquele momento, tanto Pedro quanto Luiz, em pontos distintos da cidade, levantaram os olhos para o céu. Nenhum deles sabia que o outro fazia o mesmo. E, ainda assim, ambos pensavam a mesma coisa: "Será que ainda há tempo para reencontrar o amor?"
A estrela cadente sumiu no horizonte, deixando uma trilha invisível de esperança. Porque, mesmo que as estatísticas dissessem o contrário, algo no coração deles — algo que não sabia contar — dizia que ainda não era o fim. O amor, afinal, não precisa das probabilidades para acontecer. Ele só precisa de uma segunda chance.
O casamento estava em pleno auge. Um espetáculo de luzes e flores enfeitava o grande salão ao ar livre, com o céu estrelado de Roraima como teto. Cortinas leves balançavam suavemente com a brisa, e as mesas estavam adornadas com arranjos florais impecáveis — orquídeas e rosas em tons pastéis que pareciam capturar a própria essência da noite. Pequenas luzes penduradas entre as árvores brilhavam como vagalumes artificiais, dando um ar de conto de fadas ao ambiente.
Pedro estava perto da mesa do bolo, observando o casal recém-casado dançar. Ele sorria, mas o brilho no olhar parecia apagado, perdido em pensamentos. A música suave tocava ao fundo, mas em sua mente ecoava apenas o som de uma voz que ele não ouvia há dias, um rosto que ele não conseguia tirar da cabeça.
E foi nesse momento que Luiz chegou. Ele parou na entrada do salão, o coração batendo tão forte que parecia ecoar por todo o corpo. Ele nunca havia estado em um lugar tão bonito, mas não conseguia se concentrar em nada além de encontrar Pedro. Passou os olhos pelo ambiente, deslizando entre os rostos felizes, os vestidos elegantes, os ternos bem alinhados.
Luiz respirou fundo e começou a caminhar, devagar, quase hesitante, como se estivesse com medo de que aquele momento fosse um sonho. Cada passo parecia uma eternidade até que, finalmente, ele o viu. Pedro, de costas para ele, conversava com alguém, as mãos nos bolsos e a postura tensa. Luiz sentiu o coração parar por um instante.
Ele caminhou mais rápido agora, com os olhos fixos em Pedro, até que a voz quase falhou quando disse:
— Pedro...
Pedro congelou. Ele conhecia aquela voz em qualquer lugar. Lentamente, virou-se, e o choque em seu rosto deu lugar a algo que Luiz só poderia descrever como pura emoção.
— Luiz? — A voz de Pedro saiu fraca, como se ele não acreditasse no que via.
Eles se aproximaram, o mundo ao redor desaparecendo. Pedro deu um passo à frente, o olhar fixo no de Luiz, e perguntou quase sem fôlego:
— É mesmo você? Eu achei que... achei que nunca mais te veria.
Luiz tentou sorrir, mas a emoção era tanta que mal conseguiu.
— Eu também achei. Não sabia como te encontrar, mas... eu não consegui desistir.
Pedro riu, e a emoção transbordou nos olhos dele.
— Você não tem ideia de quantas vezes eu olhei para o meu celular. Quantas mensagens eu mandei... Eu pensei que você tinha desistido de nós.
Luiz balançou a cabeça, os olhos marejados.
— Nunca. Meu celular quebrou. Eu só... Pedro, eu pensei tanto em você, e tudo o que eu conseguia pensar era em como eu te deixei partir.
Pedro deu mais um passo, a distância entre eles quase inexistente.
— Eu não parei de pensar em você um segundo. Luiz, eu... Eu sei que parece loucura, mas desde aquele voo, eu sabia que havia algo especial. Algo que eu nunca senti antes.
Luiz respirou fundo, a voz tremendo de emoção.
— Pedro, eu sempre fui lógico, sempre acreditei que as coisas precisavam de tempo, de planejamento. Mas você me bagunçou de um jeito que nada mais faz sentido. E, pela primeira vez, eu não me importo. Porque se for para estar com você, eu quero me perder.
Pedro sorriu, emocionado, e segurou o rosto de Luiz com delicadeza.
E ali, sob as luzes cintilantes, cercados pelas flores e pela magia daquela noite, eles finalmente se beijaram. Foi um beijo cheio de tudo que haviam guardado nesses dias de distância: desejo, esperança, medo e, acima de tudo, amor. O mundo ao redor pareceu desaparecer, e, naquele momento, tudo fez sentido. O destino havia feito sua mágica mais uma vez.
Luiz sorriu ao se afastar minimamente, ainda sentindo os lábios de Pedro formigarem nos seus. O coração dele batia tão rápido que parecia competir com a música suave do casamento ao fundo. Ele finalmente conseguiu soltar um riso leve, olhando nos olhos de Pedro, que brilhavam com um misto de emoção e curiosidade.
— Aliás, eu mudei o tema da minha pesquisa na faculdade — disse Luiz, ainda com o rosto levemente corado, tentando recuperar o fôlego.
Pedro franziu o cenho por um momento, mas logo um sorriso iluminou seu rosto.
— E qual será o tema?
Luiz não precisou pensar duas vezes antes de responder, as palavras saindo como uma confissão cheia de significado.
— Probabilidades de se encontrar o amor à primeira vista.
Pedro soltou uma risada gostosa, aquela que Luiz já havia decorado em seus sonhos nos dias em que estiveram separados. Ele balançou a cabeça, ainda rindo, e se aproximou mais uma vez, encostando sua testa na de Luiz.
— Bom, eu diria que você já tem um ótimo estudo de caso...
Luiz sorriu, sentindo o calor reconfortante de Pedro tão próximo.
— E eu diria que minha hipótese foi confirmada.
— Qual hipótese? — perguntou Pedro, sem disfarçar o brilho divertido no olhar.
Luiz passou os braços ao redor da cintura dele, puxando-o com suavidade.
— Que algumas coisas não podem ser explicadas pela lógica. Que o amor... simplesmente acontece.
Pedro suspirou, como se as palavras de Luiz tivessem encontrado um espaço perfeito dentro dele. E, antes que pudesse responder, deixou que seus lábios dissessem tudo ao colarem novamente nos de Luiz.
Naquele instante, sob as luzes cintilantes e o céu estrelado, ambos souberam que haviam encontrado algo raro, algo que nem a distância, o acaso ou a lógica poderiam apagar.