A noite anterior à batalha fora tensa. Bernardo, com seus 50 homens, havia se reunido na clareira, planejando o ataque à tribo de Chico. Os olhos de Bernardo estavam ardendo com raiva, uma raiva alimentada por meses de frustração e ressentimento. Ele precisava romper com o domínio que a tribo exercia sobre a região e mostrar quem estava no comando. O amor não correspondido, a dívida de Chico com Indianara, tudo isso parecia agora um obstáculo, uma humilhação a ser destruída.
— Amanhã, eles saberão que não podem nos desafiar — disse Bernardo, com os punhos cerrados. Seus olhos estavam focados no horizonte, mas sua mente estava em outro lugar, nos sentimentos conflitantes que ainda carregava por Chico.
O som da batalha ecoou pela manhã. Os homens de Bernardo avançaram com força, mas a resposta da tribo foi imediata e eficiente. Os indígenas, liderados por Chico, conheciam o território como ninguém. Eles se moviam pela floresta como sombras, se aproveitando da geografia local para emboscar os invasores. Cada movimento parecia estratégico, quase como se o próprio solo tivesse sido manipulado para defender a tribo.
Bernardo tentou se manter firme, dando ordens a seus homens, mas a luta estava perdida antes mesmo de começarem. Seu coração batia forte, a frustração de ver seus homens caindo, de perceber que estava perdendo não só uma batalha, mas o controle que tanto desejava. A sensação de impotência tomou conta dele, e ele sabia que precisava fazer algo, e rápido.
Foi nesse momento que Chico apareceu, emergindo das sombras da floresta, com uma expressão implacável. Ele estava calmo, como sempre, mas seus olhos estavam carregados de uma determinação inabalável.
— **Chico!** — Bernardo gritou, seu peito arfando, o suor escorrendo por seu rosto. Ele avançou em direção ao homem, a raiva e a dor se misturando dentro dele. — Você acha que pode parar essa luta com palavras? Ou você vai tentar me matar também?
Chico olhou para ele sem hesitação, como se já tivesse antecipado esse confronto. A batalha ao redor parecia desacelerar, como se o mundo tivesse se tornado um cenário isolado para o que estava prestes a acontecer entre os dois.
— **Não.** — Chico disse, a voz grave, sem emoção. — Mas você não vai sair daqui, Bernardo. Agora, você precisará negociar. A guerra que você trouxe até aqui tem um preço. E, se você quiser sobreviver a ela, será preciso mais do que apenas força bruta.
Bernardo parou, sentindo o peso das palavras de Chico. Ele não sabia se deveria continuar brigando, ou se a ameaça que Chico havia lançado era algo maior do que ele imaginava. A tensão entre eles, marcada pelo rancor e a paixão não resolvida, era clara como o dia. Mas algo mais estava em jogo, algo que Bernardo ainda não conseguia compreender.
— **Negociar?** — Bernardo disse, rindo nervosamente. — O que você quer de mim, Chico? Você acha que vai me controlar agora? Depois de tudo o que fizemos... depois de tudo o que aconteceu entre nós? Você acha que ainda há algo para negociar?
Chico não recuou. Seus olhos não vacilaram, e sua postura era firme, como uma rocha na tempestade.
— **Sim.** — disse Chico. — Eu sou leal à minha tribo, Bernardo. Mas você... você está jogando com fogo. Não vai conseguir controlar isso sozinho. Você precisa entender que há algo mais grande do que nós dois aqui. Algo que está além da sua raiva, além da minha dívida.
O silêncio que se seguiu foi pesado, quase opressor. O som da luta ao fundo parecia distante, irrelevante para o que estava acontecendo entre eles. Bernardo queria gritar, queria destruir tudo o que ele e Chico haviam construído, ou destruído, durante aqueles meses de distanciamento e tensão. Mas, ao mesmo tempo, havia algo na firmeza de Chico que o fazia questionar sua própria sanidade.
— **Você ainda me quer, não é?** — disse Bernardo, a voz mais baixa agora, cheia de amargor. — Mas vai se casar com ela... com Indianara. Vai me abandonar por ela.
Chico não respondeu imediatamente. Ele olhou para Bernardo com um olhar que parecia penetrar sua alma, como se estivesse tentando entender a verdade por trás de cada palavra.
— **Não é sobre querer ou não, Bernardo.** — Chico disse finalmente. — É sobre responsabilidade. Eu fiz uma promessa. E não importa o que sinta, minha lealdade a ela e à minha tribo vem antes de qualquer outra coisa. Eu não posso ignorar isso.
Bernardo sentiu o coração apertar com aquelas palavras. Ele queria protestar, queria gritar que Chico estava se rendendo à obrigação, ao destino que parecia ter sido traçado para ele. Mas algo dentro dele se partiu, uma dor insuportável que o fez desviar o olhar. Ele virou-se abruptamente, começando a se afastar.
Mas algo, ou alguém, o fez parar.
De repente, ele percebeu que não estava mais sozinho. Indianara estava ali, observando a cena. Seus olhos estavam fixos em Bernardo, e havia uma mistura de curiosidade e algo mais nos seus olhos. Ela havia ouvido tudo.
Ela se aproximou lentamente, seu olhar inquietante passando entre Bernardo e Chico, como se estivesse tentando entender o que estava acontecendo ali. O ar entre eles estava carregado, e uma sensação estranha de mistério parecia pairar ao redor de Indianara.
— **O que vocês dois estão escondendo?** — Indianara perguntou, sua voz suave, mas carregada de um tipo de poder silencioso.
Bernardo e Chico trocaram um olhar, e algo no ar pareceu mudar. Indianara não era apenas a mulher pela qual Chico havia se comprometido. Ela sabia mais, muito mais, do que estava disposta a revelar.
— **Não é o que você pensa, Indianara.** — Chico disse, tentando manter a calma, mas havia algo em sua voz que denunciava a tensão.
Indianara sorriu, mas não era um sorriso de felicidade. Era enigmático, quase desafiador.
— **Eu sei exatamente o que está acontecendo, Chico. E você também sabe. Mas há mais aqui do que você imagina. Mais do que vocês dois estão dispostos a admitir.** — Ela fez uma pausa, seu olhar se voltando para Bernardo. — **O que aconteceu entre vocês não foi apenas um acidente. Isso está escrito, e vocês dois estão presos a algo que não conseguem controlar.**
Bernardo sentiu um calafrio subir pela espinha. O que ela estava dizendo não fazia sentido, mas algo na maneira como ela olhava para os dois fez com que ele se sentisse desconcertado, como se estivesse vendo uma parte da verdade que ele ainda não entendia.
— **O que você quer dizer com isso?** — Bernardo perguntou, a voz baixa, mas carregada de tensão.
Indianara deu um passo à frente, seus olhos brilhando com uma mistura de confiança e algo mais obscuro.
— **Vocês não sabem o que realmente está em jogo aqui.** — Ela sorriu, uma expressão enigmática. — **Mas vão descobrir logo. E quando o fizerem, será tarde demais.**
O mistério que ela deixara no ar pairava como uma nuvem negra sobre os dois homens. Algo estava prestes a acontecer, algo que mudaria tudo. Eles estavam prestes a descobrir segredos que nem imaginavam, e a batalha que haviam começado naquela manhã não era nada comparada ao que estava por vir.
Naquela noite, o acampamento estava em silêncio. A batalha havia terminado, mas a vitória de Chico não havia trazido alívio, apenas mais perguntas. Bernardo estava sentado sozinho perto da fogueira, as chamas dançando na escuridão, quando ouviu passos atrás dele. Ele se virou lentamente, os olhos ainda em chamas de raiva e confusão.
— **Indianara...** — murmurou ele, sem surpresa.
Ela apareceu nas sombras, seu olhar frio, mas penetrante. Ela se sentou ao lado dele sem dizer uma palavra. Por um longo momento, os dois ficaram em silêncio, até que finalmente ela falou.
— **Você não entende, não é?** — Ela disse, sua voz suave, mas cheia de uma tristeza silenciosa. — **Chico e você... ambos têm algo em comum, algo que nem mesmo ele sabe. E, quando a verdade vier à tona, nenhum de vocês será capaz de escapar.**
Bernardo a olhou, confuso, até que ela fez algo que o deixou em choque. Ela tocou sua mão levemente, e uma sensação estranha percorreu seu corpo, como se um segredo tivesse sido compartilhado.
— **Vocês dois... estão ligados por algo mais antigo do que sabem.** — Ela sussurrou. — **Algo que Chico... e você... jamais poderão evitar.**
Bernardo sentiu o peso das palavras dela e, por um momento, tudo parecia girar ao seu redor. O que ela estava dizendo? O que estava prestes a acontecer? Ele estava prestes a descobrir que o verdadeiro conflito não era entre ele e Chico, mas algo muito mais profundo, e que ninguém, nem mesmo Indianara, poderia controlar.