Capítulo 5 – Metodologia do trabalho científico
Já haviam se passado quase uma semana. Jonas estava de volta, mas como fazia curso noturno, quase nunca jantava com Keila e Rafa. Era mais uma noite tranquila, e a mesa do jantar estava posta com frango assado, vegetais e vinho. Rafa mexia no prato, claramente distraído, enquanto Keila cortava um pedaço de carne com uma precisão quase cirúrgica. Ela levantou os olhos e percebeu a expressão abatida dele.
— O que foi, Rafa? — perguntou, casual, mas com um tom que já indicava que esperava detalhes. — O que foi? Não gostou de usar papel higiênico em mim hoje? Preferia usar a língua?
Rafa suspirou, largando o garfo.
— É o professor de Metodologia de Trabalho Científico. Eu passei dias quebrando a cabeça com o último relatório, segui tudo o que ele pediu, ou pelo menos achei que segui, mas... Ele acabou comigo. Disse que estava cheio de inconsistências, que eu deveria me envergonhar de entregar algo assim. Uma verdadeira “comida de rabo” ma frente de todo mundo. Foi horrível.
Keila ergueu as sobrancelhas, mas não parecia nem um pouco surpresa. Pelo contrário, um pequeno sorriso se formou no canto de sua boca.
— Ah, o professor Marcos, não é? — Ela tomou um gole de vinho, o olhar avaliando Rafa. — Ele ainda tá com aquele jeito insuportável? Rigoroso demais, cheio de manias... mas tão previsível.
Rafa piscou, surpreso.
— Você conhece ele?
Keila deu uma risada curta, recostando-se na cadeira.
— Claro que conheço. Ele tentou o mesmo comigo quando eu fiz a matéria dele. No primeiro relatório, ele me deu uma comida de rabo daquelas. — Ela balançou a cabeça, como se se lembrasse com diversão. — Mas, Rafa, a diferença é que eu sou esperta. No segundo, já sabia exatamente como lidar com ele.
— Como assim? — Rafa perguntou, inclinando-se ligeiramente para frente.
Keila cortou mais um pedaço de frango, mastigando calmamente antes de responder.
— Ele é metódico, Rafa. Tudo o que ele quer é que você siga as regras dele à risca. Não importa se você está escrevendo besteiras, desde que o pacote esteja perfumado. Se você apresentar do jeito que ele gosta, pode até inventar, que ele aprova. Eu dominei o estilo dele já no segundo relatório e passei a matéria com nota alta.
Rafa parecia intrigado, mas ainda frustrado.
— Mas ele parece odiar tudo o que eu faço. Como vou descobrir o jeito certo?
Keila deu de ombros, pegando sua taça de vinho.
— Bem, eu posso te ensinar. Mas antes... quero saber exatamente como foi essa “comida de rabo” que você levou. Conta tudo. Quero saber o que ele disse, o tom, os gestos. Tudo.
Rafa hesitou, mas começou a relatar o que havia acontecido: como o professor havia criticado seu trabalho ponto por ponto, apontado erros com uma frieza quase cirúrgica, e como ele havia sentido o olhar da turma inteira sobre si.
Keila ouvia atentamente, ocasionalmente soltando uma risadinha.
— Sim, é exatamente o jeito dele. Adora intimidar, fazer você se sentir pequeno. Ele tentou isso comigo, mas logo percebeu que não ia funcionar. — Ela tomou mais um gole de vinho, os olhos fixos em Rafa. — Aliás, quer saber de uma coisa engraçada? Ele não é só metódico. Ele também tem um segredo.
Rafa levantou o olhar, curioso.
— Segredo? Que tipo de segredo?
Keila sorriu, maliciosa, e se inclinou para frente, baixando a voz.
— Digamos que o professor Marcos gosta de meninas... bem mais jovens. E ele tem o hábito de abordá-las em segredo. Algumas até aceitam, mas... digamos que isso nunca foi um problema pra mim. Não precisei disso pra passar na matéria dele. Eu usei o cérebro, Rafa, coisa que você precisa aprender a usar melhor.
Rafa ficou boquiaberto, mas antes que pudesse dizer algo, Keila continuou.
— Agora, deixa eu te ensinar o jeito certo. Primeiro, a estrutura. Ele quer tudo no formato que ele pediu, sem desviar nem um centímetro. Se ele mandou fazer 20 linhas de introdução, faça exatamente 20 linhas. Não importa se você está dizendo algo que faz sentido ou não. Apenas obedeça. Ele gosta de controle.
Ela se recostou novamente, cruzando os braços.
— E, Rafa, você vai aprender. Porque, no final das contas, você vai se destacar, e ele vai ficar impressionado. Mas não se esqueça de uma coisa... — Ela sorriu, um brilho de malícia nos olhos. — Mais cedo ou mais tarde, quem vai comer o seu rabo sou eu. E, acredite, não vai ser com palavras.
Rafa congelou, o rosto pegando fogo. Ele desviou o olhar, incapaz de processar a mistura de provocação e autoridade na voz dela.
— Relaxa, Rafa. Vai dar tudo certo. Agora come. A comida tá esfriando, e você tem muito o que aprender. — Keila finalizou, cortando mais um pedaço de frango, como se a conversa tivesse sido a coisa mais normal do mundo.