Da minha casa, seguimos direto para a delegacia. Chamei Diana para ir comigo até a sala do Artur. Tivemos uma longa conversa e contei a ele tudo que aconteceu. Ela, como sempre, foi um paizão comigo e me deu vários conselhos. Disse-me que eu poderia, sim, ir até a clínica e tentar achar a casa da mãe da Rayssa. Só me aconselhou a não fazer nada fora das regras, principalmente se eu encontrasse a Rayssa na rua. Eu disse a ele que podia ficar tranquilo, que eu não iria fazer nenhuma besteira.
Saímos da delegacia e, depois de pegar nossas armas, seguimos para a clínica. Diana estava assustada com tudo que falei e disse que, provavelmente, a Rayssa tinha algum problema psicológico, que não era normal uma pessoa sã mentalmente inventar uma história daquelas. Eu tive que concordar com ela, mas tinha esperança de que, na clínica, eu teria a resposta se a Rayssa realmente tinha algum problema.
Chegamos à clínica e, depois de falar com a recepcionista, fui encaminhada até a sala da diretora. Antes de entrar na sala, coloquei meu celular no silencioso. Toda vez que uma câmera era ativada pelo sensor de movimento, eu recebia um sinal de alerta no celular. Como a Naomi estava em casa, ela já tinha recebido alguns alertas. Olhei alguns e era Naomi indo na cozinha pegar alguma coisa. Para evitar atrapalhar a conversa, achei melhor silenciar.
Entramos na sala e a diretora nos recebeu muito bem, mas quando falei o motivo da visita, ela já mudou o semblante. Ela disse que a Rayssa esteve internada ali por quase três anos. Que ela foi internada depois que sofreu um aborto e teve uma crise forte de esquizofrenia. A mãe dela autorizou sua internação. Ela só saiu porque um advogado entrou com um pedido para a liberação dela. A Rayssa é muito inteligente e, depois de dois anos que ela estava na clinica, fez amizade com um garoto que ficou internado por algum tempo ali. O garoto tinha uns transtornos mentais, nada muito grave. Ele ficou na clínica só por três meses e, nesses três meses, a Rayssa virou a namorada dele. Quando o garoto saiu, continuou a visitar a Rayssa. Depois de um tempo, o garoto contratou um advogado e entraram na justiça. O garoto era de família rica e contratou um psiquiatra para mostrar que a Rayssa tinha condições de viver em sociedade. A diretora disse que fez o que pode para não permitir, mas a Rayssa, na frente do juiz, foi impecável. O psiquiatra provavelmente foi comprado e a ajudou de todas as formas possíveis. O juiz acabou dando razão a eles e a Rayssa foi liberada. Depois que ela saiu, o garoto veio atrás dela. Pelo jeito, depois que ela conseguiu sua liberação, ela sumiu e ele não conseguia mais encontrá-la. Ele só foi usado por ela e nem tinha se tocado disso ainda, até ir procurar ela na clínica.
Eu perguntei à diretora o que a Rayssa tinha. Ela disse que não podia entrar em detalhes por causa das regras da clínica e do sigilo entre médico e paciente. O que ela poderia dizer é que a Rayssa era uma sociopata e tinha outros problemas mentais graves além da esquizofrenia. Ela disse que raras foram as vezes que viu uma mente tão bagunçada como a da Rayssa e que, se ela não estivesse tomando seus remédios regularmente, ela seria uma bomba-relógio, que poderia causar grandes problemas. Ela disse que a Rayssa não sente amor, remorso ou empatia com as pessoas, e só usa as pessoas para alcançar o que quer. Eu me tornei um alvo porque sou policial. Eu perguntei a ela o porquê disso. Ela disse que a Rayssa sofreu um trauma muito grande quando era criança e isso não foi tratado. Com o tempo, esse trauma foi crescendo e transformou-a no que ela é hoje. Mas, se eu quisesse saber disso com detalhes, era para eu procurar a mãe da Rayssa. Ela poderia me contar a história com detalhes sem quebrar nenhuma regra ou sigilo. Eu disse que já planejava fazer isso, mas não sabia onde encontrar a mãe dela. A diretora disse que podia me ajudar, que ela tinha o endereço da mãe dela.
A diretora me passou o endereço e me disse que era para eu tomar muito cuidado com a Rayssa, que ela era perigosa, inteligente e sabia como convencer as pessoas a fazer o que ela queria. Eu disse a ela que eu iria tomar cuidado, sim. Agradeci a ela e saímos da clínica direto para o endereço que ela me passou. Não foi difícil localizar o local. O bairro era perto do meu e a Diana conhecia bem o lugar, pois nasceu e cresceu naquele bairro, morou nele até os 18 anos. Quando chegamos em frente à casa, eu e a Diana descemos e chamamos no portão. Logo saiu da casa uma mulher de mais ou menos uns 50 anos. Ela não pareceu surpresa ao nos ver. Veio até o portão e já perguntou o que a filha dela tinha aprontado desta vez. Eu sorri cordialmente e disse que nada muito grave ainda, mas que eu queria evitar que isso acontecesse e queria fazer algumas perguntas. Ela abriu o portão e pediu para a gente entrar.
O nome dela era Socorro. Ela parecia ser uma pessoa calma e bem simples. Ela nos ofereceu um café e eu aceitei. Eu expliquei para ela, meio por alto, o motivo da visita e falei também da minha visita à clínica. Ela disse que sentia muito por eu estar passando por isso, que ficava com muita vergonha por sua filha estar fazendo isso, mas que, infelizmente, ela aceitou que a filha dela não existe mais, que aquela pessoa não é mais a sua filha. Eu perguntei a ela se podia me contar o que aconteceu para a Rayssa ter se tornado o que se tornou; eu disse que a diretora da clínica disse que ela sofreu um trauma muito grande na infância. Socorro disse que era verdade e que iria me contar.
{...}
Socorro: —Quando eu era jovem, me envolvi com um rapaz e me apaixonei cegamente por ele. Namoramos por uns 6 meses e eu acabei engravidando dele. Nossas famílias meio que nos obrigaram a se casar; eu era louca por ele e não me importei. Ele parecia ter gostado da ideia também. Depois do casamento, as coisas começaram a dar errado; ele não queria trabalhar, não parava em casa e, depois que minha filha nasceu, as coisas pioraram. Eu não podia trabalhar, ele não ligava para nada; só não passamos fome porque minha família me ajudava. Eu já estava pensando em voltar para casa quando ele começou a fazer umas compras e me dar dinheiro para comprar as coisas para casa e para nossa filha. Eu achei que ele tinha arrumado um trabalho, mas ele vivia nos bares e nas boates do bairro. Eu perguntava onde ele estava arrumando dinheiro e ele não falava. Ele nunca me agrediu, mas me xingava e me tratava como um lixo. Mesmo com sua ajuda, eu resolvi me separar. Ele não foi contra, mas disse que queria ver sua filha todo final de semana. Por pior que ele fosse, ele parecia se importar com a filha. Então, todo final de semana, ele buscava ela.
O tempo foi passando e ele só foi melhorando sua situação financeira, mas nessa época eu já sabia onde ele arrumava dinheiro. Ele fazia assaltos em casas de luxo e vendia drogas. Ele acabou sendo preso umas duas vezes, mas nunca ficou mais de um ano na cadeia e saía para a rua. Ele nunca deixou de buscar a filha para levar para sua casa e encher ela de presentes e roupas caras. Ela amava ele e mais ainda as coisas que ganhava. Ela tinha uns dez anos na época em que tudo aconteceu. Ela estava na casa do pai em um final de semana quando a polícia chegou de manhã e invadiu a casa. Meu ex estava com drogas e armas dentro de casa e sabia que, dessa vez, ele iria mofar na cadeia.
Eu não sei o que passou na cabeça dele, mas ele pegou sua própria filha e a usou como refém para tentar fugir. Ele colocou uma arma na cabeça dela e disse aos policiais que, se eles não deixassem ele sair, ele iria matar ela. Eu não sei se ele estava blefando ou não. Só sei que ele fez isso, mas não deu certo. Quando ele saiu de dentro da casa, ele se distraiu. Quando ele foi abrir a porta do carro, ele tirou a arma da cabeça da minha filha, um dos policiais atirou nele. A bala entrou no olho dele e estourou o crânio dele atrás. Ele caiu e minha filha ali vendo aquilo tudo; ela era uma criança ainda. Acho que minha filha morreu ali naquele dia. A pessoa que ficou não era mais a garota feliz e amorosa que eu criei.
A polícia levou minha filha para minha casa e me contou o que aconteceu. Ela só chorava e dizia que eles tinham matado o pai dela. Ela ficou triste por muito tempo; no velório do pai, ela chegou a desmaiar de tanto chorar. Muita gente falou para eu levar ela a um psicólogo, mas eu não podia pagar e nem minha família. Consegui um de graça, mas parece que não resolveu muito. Minha filha só foi crescendo e se tornando cada vez mais revoltada. Nessa época, eu já morava com meu atual marido; ele e minha filha se davam bem antes, mas depois que o pai dela morreu, ela passou a tratá-lo muito mal. Graças a Deus, ele teve paciência e ficou do meu lado, mesmo sendo xingado todos os dias dentro da sua própria casa.
Ela me deu muito trabalho; não estudava direito, só dava trabalho aos professores e quase foi presa algumas vezes por xingar ou jogar pedra em policiais. Uma vez, ela colocou fogo em uma viatura que estava na porta de uma padaria. Ela ficou presa 90 dias, mas por ser menor, liberaram-na. Meu marido teve que vender o carro dele e pedir dinheiro emprestado para pagar o prejuízo. Eu não tinha paz na minha vida. Eu juro que tentei de tudo que podia para ajudar ela, mas tudo foi em vão. As coisas começaram a melhorar quando ela se envolveu com um rapaz. Ele era traficante, mas tratava ela bem e, pelo jeito, conseguia controlá-la.
Isso durou algum tempo; ela estava estudando e parou de arrumar problemas com policiais. Porém, ela começou a aprontar na escola de novo. A última vez que a vi foi em seu antigo colégio. Ela me xingou de um monte de nomes horríveis. Eu voltei para casa arrasada e, no outro dia, vi que ela tinha pegado suas coisas. Fiquei sabendo através de uma amiga que ela estava morando com o tal rapaz. Eu falei com meu marido e a gente se mudou. Eu não aguentava mais; eu estava grávida do meu segundo filho e queria viver em paz.
Depois de algum tempo, fiquei sabendo que o rapaz, um tal Serginho foi preso e que ela tinha sido levada para um hospital. Dias depois, uma médica me ligou, me contou que ela tinha perdido um filho e estava louca. A médica disse que precisava interná-la em uma clínica para fazer tratamento, mas precisava da minha autorização. Eu falei que dava, fui à clínica, conversei com a diretora, assinei os papéis e voltei para casa. Nunca a visitei, mas sempre ligava ou ia à clínica falar com a diretora. Quando fiquei sabendo que ela já estava melhor, parei de ir e segui minha vida.
Vocês podem me achar insensível, uma pessoa sem coração, mas só Deus sabe o que passei nesses anos. Eu desisti, não porque não amava minha filha, mas porque aquela pessoa não é mais ela; a Rayssa é um monstro. Minha filha morreu junto com o pai dela. O policial que o matou, matou minha filha junto com ele. E a pessoa que ficou não pegou ódio só daquele policial, mas de qualquer policial. Eu já ouvi ela dizer várias vezes que ainda vai vingar o pai. Se você se tornou o alvo dela por ser polícia, tome cuidado. Ela não vai sossegar enquanto não acabar com você ou você acabar com ela. Ela esperava por isso há muito tempo e ela é louca.
{...}
Eu agradeci à Socorro pelas informações e pelo café. Disse a ela que eu não a julgava mal e que iria tomar cuidado. Saí dali muito preocupada; a Rayssa era muito mais perigosa do que eu pensava. Quando saímos, lembrei do meu celular. Quando abri, tinha uma mensagem da Naomi e várias notificações das câmeras. Resolvi abrir a última notificação e acessar a imagem da câmera. Quando vi, entrei em choque. No sofá da minha sala, estava a Naomi sentada seminua no meio da Rayssa e do tal Serginho. Eu pedi para a Diana deixar eu dirigir. Ela perguntou o que houve e eu só disse que a Rayssa estava com seu namorado dentro da minha casa.
Entrei e já saí com tudo na viatura. Pedi à Diana para passar um rádio pedindo apoio e para terem cuidado, porque podia ser uma situação com refém. Mas no vídeo, eu vi a Naomi sorrindo; ela não parecia ser uma refém. Mas ela sabia das câmeras. Será que ela estava junto com a Rayssa? Será que ela acreditou na história da Rayssa e armou uma vingança contra mim? Era muita coisa que passava na minha cabeça naquele momento.
Demorei uns 6 minutos para chegar em casa. Parei umas duas casas acima e já desci da viatura, fui com a chave na mão. Mas não precisou; o portão estava aberto. Tirei a trava de couro do meu coldre e fui com minha mão em cima do cabo do 38. A Diana estava com o dela na mão, logo atrás de mim. Ouvi o barulho da TV ligada. Eles provavelmente ligaram a TV para abafar o barulho. Cheguei na porta e tentei abrir; ela também não estava trancada. Quando abri e tive a visão da sala, a cena que vi me destruiu por dentro.
A Rayssa estava sentada no sofá sem sua calça e com as pernas abertas. A Naomi estava nua ao lado do sofá, com a cara entre as pernas da Rayssa, e o Serginho atrás da Naomi, ajoelhado, com as calças abaixadas e com o pênis em uma das mãos. Ele foi o primeiro a me ver e, no susto, levou a mão em cima do sofá. Eu só vi a arma porque ele moveu o corpo. Mas eu fui mais rápida que ele e saquei a minha e apontei. Quando ele foi mirar, eu atirei e a bala pegou entre a orelha e o olho dele. Sua cabeça foi jogada para o lado com o impacto e ele não se mexeu mais.
Caiu um pouco de sangue nas costas da Naomi e pude escutar o grito da Rayssa. Mesmo com a arma em punho, ela se levantou e veio para cima de mim. Mas ela estava desarmada; eu só deixei a arma da mão esquerda e dei um direto no seu nariz, e ela caiu. Aquela cena iria me assombrar por muito tempo. Serginho morto, espalhando sangue no meu sofá de couro. Rayssa caída com a mão no nariz sangrando e mesmo daquela situação ela estava me jurando. Naomi me olhando e rindo de mim. para piorar, ela me. olhou e disse:
Naomi: — Nossa amor, você demorou a chegar para a festa kkkkkkkkk.
Meu mundo acabou ali!
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper