Oi, gente. Como estão? Antes de iniciar a história quero salientar que escrevo sobre amor. Seja amor entre irmãos ou a descoberta de um novo amor. Não espero encontrar neste romance sexo ou algo do tipo. Essa história é sobre encontrar a si mesmo e desafiar os seus limites. Sei que algumas pessoas já estão familiarizadas pela minha forma de escrever, mas se você começou agora, peço que dê um achance. Confira a história:
"Pai, eu sou gay." Essas palavras ainda ecoavam na minha cabeça enquanto dirigia. O som do motor do Leopoldo e a voz de Benê, que tagarelava algo sobre a previsão do tempo, pareciam distantes. Meu pai não gritou, não me bateu, não me expulsou de casa. Em vez disso, ele me abraçou com uma força que parecia conter todos os medos que ele não sabia como expressar.
Foi a coisa mais inesperada da minha vida.
Confesso que passei o dia no automático. Os locais que passávamos se distanciavam cada vez mais da loucura de São Paulo.
— Ei! Joaquim! Terra chamando! — Benê me tirou do transe. Ele estava de pé ao lado do carro, segurando dois galões cheios de gasolina.
— Hã? O que foi? — perguntei, piscando algumas vezes para sair do piloto automático.
— Perguntei se coloco no porta-malas. — Ele balançou os galões para enfatizar.
— Ah, sim, coloca lá.
Enquanto Benê ajeitava tudo no Leopoldo, dei uma olhada rápida na estrada. Estávamos na BR-478, em uma cidade chamada Registro, com o horizonte aberto à nossa frente. Era a primeira vez que me sentia livre de verdade. Ainda assim, era impossível evitar as lembranças do meu pai e o alívio de saber que ele me aceitou.
— Vai esfriar hoje. — Benê disse, fechando o porta-malas com força. — A previsão aponta chuva no caminho.
— Ótimo. Vamos ver como o Leopoldo se sai na "prova de fogo". — Comentei, rindo.
Seguimos mais alguns quilômetros e à noite começou a cair. Paramos em um posto de gasolina na BR-116. Tivemos um pequeno problema em conectar a eletricidade do painel solar, mas o YouTube nos salvou. O Benedito começou o preparo do jantar, uma macarronada simples com carne moída, que perfumou todo o motorhome.
A chuva começou a cair quando paramos para passar a noite. O som das gotas batendo na carroceria era hipnotizante, mas logo percebemos que a velha funilaria do Leopoldo não era tão confiável. Pequenos respingos começaram a entrar pelos lados.
— Pega o marcador vermelho aí. — Benê disse, apontando para a mochila.
Peguei o marcador e fiz um círculo por todas as áreas problemáticas. Era uma lista maior do que gostaríamos, mas isso fazia parte do charme de viajar em um motorhome usado.
Depois de um dia cansativo, comemos a macarronada, que comprovou a praticidade do pequeno fogão a gás. Não era nada gourmet, mas estava quente e satisfatório.
— E a janta tá boa?! — gritou Benê, tentando competir com o barulho da chuva.
— Tá ótima! —respondi.
— Mas a louça é contigo!
— Sonha, moleque. — retruquei, jogando o pano de prato em direção a ele.
A rotina improvisada da viagem já começava a tomar forma. Banhos rápidos, pouca água, jantares simples e, acima de tudo, uma parceria inesperada entre dois irmãos tão diferentes. Benê era mais espontâneo, enquanto eu era introspectivo.
Para o motorhome, a equipe confeccionou uma caixa d'água de 150 litros, ou seja, banhos rápidos. Peguei a toalha e as roupas limpas, enquanto o Benê lavava as louças. Ele estava todo feliz, pois descobriu um método econômico para lavar louça. A técnica? Retirar toda a comida com o auxílio de pano umedecido.
Depois de um banho de dois minutos — um recorde de economia —, deitei no colchão. Apesar das goteiras e do barulho da chuva, estava confortável. Será que era cansaço? Ou talvez a sensação de que eu estava, finalmente, me movendo na direção certa?
Enquanto o Leopoldo balançava suavemente com o vento da tempestade, deixei minha mente divagar. A Argentina estava à nossa frente, e, com ela, uma chance de começar de novo. Talvez fosse apenas uma viagem, mas para mim, era muito mais do que isso. O cansaço do dia foi demais e apaguei.
A manhã chegou devagar, com raios tímidos de sol atravessando as frestas da cortina improvisada no Leopoldo. A tempestade da noite anterior havia deixado o ar fresco, mas também nos lembrado das limitações do nosso motorhome. Acordei com o som de panelas tilintando — Benê estava fazendo café.
— Você faz um barulho desgraçado pra uma pessoa que dorme igual uma pedra. — resmunguei, me espreguiçando.
— E você reclama como se tivesse lavado a louça ontem. Já tá na hora de revezar, hein? — Benê retrucou, me lançando um olhar desafiador enquanto mexia o pó de café com uma colher de plástico.
O cheiro do café fresco me despertou de vez. Peguei minha escova de dentes e saí para o lado de fora. A área de descanso onde havíamos parado era simples, mas limpa. O som dos carros passando na rodovia ao longe era constante, misturando-se ao canto de pássaros que resistiam ao barulho humano.
Enquanto eu lavava o rosto na pia portátil, Benê apareceu do meu lado com duas canecas de café fumegante.
— Então, qual o plano hoje? — ele perguntou, entregando-me uma das canecas.
— Curitiba até o fim da tarde, mas quero parar em algum lugar interessante no caminho. Vamos pesquisar quando tivermos sinal.
Benê assentiu, olhando para a estrada como se pudesse enxergar o futuro.
— Tá preparado pra cruzar fronteira? — ele perguntou, brincando, mas com um tom de curiosidade.
— Tá falando da Argentina ou de outros tipos de fronteiras? — perguntei, sorrindo, mas sabendo que ele estava se referindo à conversa que tive com nosso pai antes da viagem.
— Você sabe do que eu tô falando, Joaquim. Pai aceitou numa boa, mas... e você? Já se aceitou? — Benê perguntou, direto como sempre.
Suspirei. Benê sempre soube como perfurar minhas defesas. A única pessoa para quem me abri acabou expondo minha intimidade para o mundo. Aos meus 24 anos, eu nunca tinha ido para uma balada ou frequentado lugares queer 's. Até para a 'Parada do Orgulho LGBTQPIA+' eu não fui. Os meus pais até apoiavam a ideia, mas eu apenas não queria ir.
— Acho que tô tentando. Essa viagem é mais sobre isso do que eu quero admitir.
— Bom, quando cruzarmos pra Argentina, você pode se reinventar, cara. — Ele deu de ombros, sempre otimista. — Quem sabe a gente não encontra um tango pra dançar?
Rimos juntos, mas a verdade das palavras dele ficou pairando no ar. Talvez fosse isso mesmo que eu precisava: um recomeço, uma chance de me redescobrir.
Enquanto carregávamos o Leopoldo para mais um dia de estrada, notei algo curioso no banco de trás. Era o diário do meu pai.
— Benê, você viu isso aqui? — perguntei, levantando o diário.
— Não. O que é?
— É o diário do meu pai. — avisei. Ele olhou curioso e afirmou que não havia colocado o diário no motorhome.
— Abre em qualquer página. — Benê sugeriu. — Vê o que o velho teimoso tem a dizer.
Fechei os olhos e folheei as páginas. Respirei fundo e escolhi uma página. Havia uma passagem que dizia:
"Nem sempre vou entender as escolhas dos meus filhos, mas espero que eles saibam que sempre estarei ao lado deles. Os dois são os meus tesouros mais valiosos. Quero vê-los brilhar"
Benê, que lia por cima do meu ombro, assobiou.
— Acho que a gente tem uma missão extra.
— Qual?
— Brilhar. Ainda não te vi brilhando, irmão. E essa era pra ser a sua especialidade. — ele moveu os dedos de maneira frenética e sorriu. — Brilhar.
— Idiota. — brinquei, fechando o diário e batendo em Benê.
— Vamos sair em 10 minutos. — ele anunciou, pois assumiria o volante nas próximas horas.
Chegar a Curitiba foi como atravessar uma fronteira invisível entre o caos e a organização. Depois de horas na estrada, com a chuva nos acompanhando e escorrendo pelas goteiras do Leopoldo, encontrar um estacionamento para trailers no Bairro Alto parecia um oásis. Estávamos exaustos, mas a ideia de resolver os problemas do motorhome me dava um mínimo de esperança de que a viagem seria menos improvisada dali em diante.
— Lembra quando eu vim aqui pro evento de fotografia da faculdade? — perguntei, enquanto manobrava o Leopoldo para estacionar.
— Claro que lembro. Você voltou com umas fotos todas artísticas que ninguém entendeu. — Benê riu, revirando os olhos.
— Eram fotos de contraste urbano. — rebati, enquanto puxava o freio de mão. — Mas ok, ninguém da família entendia o que era contraste urbano.
— Não era só uma escada enferrujada com uma parede azul atrás?
Bufei, mas acabei rindo. Benê tinha o talento de transformar qualquer coisa séria em piada.
— Oi, pessoal! — exclamei, sorrindo e, provavelmente, assustando o Benedito. Usando o celular para me gravar. — Acabamos de chegar em Curitiba. O nome Curitiba é de origem guarani e significa "grande quantidade de pinheiros" ou "pinheiral". — expliquei. — A ideia é ficar aqui uns dias para ajustar a funilaria do Leopoldo. Assim que o serviço estiver pronto, vamos fazer um tour pela nossa casinha.
— Metido. — murmurou meu irmão, tirando o cinto de segurança e ficando em pé. Ele se esticou os braços para cima e gemeu.
Por sorte, o estacionamento tinha um mecânico ao lado, especializado em funilaria. Decidimos dividir tarefas: enquanto eu lidava com o problema das goteiras do Leopoldo, Benê foi até um supermercado abastecer nossas provisões.
O mecânico era um senhor simpático que parecia saber tudo sobre motorhomes antigos. Ele inspecionou o Leopoldo como um médico experiente avaliando um paciente crônico.
— Dá pra arrumar tudo, mas esses remendos aqui... vai precisar de carinho. — Ele apontou para algumas áreas corroídas pela ferrugem.
— Só conserte o essencial, por favor. — pedi, sabendo que nosso orçamento não permitiria luxos.
Enquanto ele trabalhava, Benê voltou carregando sacolas. Ele parecia satisfeito consigo mesmo, como se tivesse desvendado os segredos do supermercado.
— Trouxe pão, enlatados e... cerveja. — ele sorriu, jogando um pacote no banco do Leopoldo.
— Cerveja? Sério? — perguntei, arqueando a sobrancelha.
— Depois de um dia como esse, a gente merece.
Com o Leopoldo consertado e o cansaço nos vencendo, decidimos passar três noites em Curitiba para recarregar as energias. A primeira noite foi dedicada ao descanso. Dormimos como se não houvesse amanhã, embalados pelo silêncio do Bairro Alto.
Na segunda noite, Benê veio com uma proposta inesperada:
— Vamos sair. Conhecer a noite curitibana.
— Sair pra onde?
— The Rainbow Bar. Vi no Google. É voltado pro público LGBTQIAP+, e você tá solteiro.
Revirei os olhos, mas concordei. Estávamos em Curitiba, afinal, e eu não podia negar que sentia falta de interação social.
Apesar do frio, o bar estava cheio. Luzes de néon coloriam o ambiente, e o som de músicas pop preenchia o ar. Benê, sendo o extrovertido que era, logo se enturmou com um grupo, enquanto eu observava tudo de longe, segurando um copo de cerveja.
— Relaxa, cara. Aproveita a noite. — Benê disse, empurrando um shot de tequila na minha direção.
Depois do terceiro shot, minha memória começou a ficar nebulosa. O que sei é que, em algum momento, a tequila venceu, e Benê teve que praticamente me carregar de volta para o Leopoldo.
Na manhã seguinte, acordei com uma dor de cabeça monumental e o gosto amargo de arrependimento na boca. Benê estava sentado ao meu lado, segurando uma aspirina e um copo d'água.
— Toma. — disse, sem qualquer traço de simpatia.
Engoli o remédio, esperando que ele funcionasse rápido, mas Benê não me deu trégua.
— Você precisa aprender a beber, Joaquim. Ou, melhor ainda, não beber desse jeito. Estamos no começo da viagem, cara. Se cada parada for assim, não chegamos nem na metade.
— Tá bom, pai. — murmurei, cobrindo o rosto com um travesseiro.
Benê suspirou e balançou a cabeça.
— A Argentina ainda tá longe, e a gente precisa sobreviver a nós mesmos primeiro.
Ele estava certo. A viagem era longa, e a convivência entre dois irmãos tão diferentes seria, sem dúvida, nosso maior desafio.
— Fiquei com alguém? — questionei, tomando a aspirina.
— Não, mas consegui vídeos incríveis para o vlog! Eu não sabia que você era tão flexível, irmão.— ele exclamou sorrindo.
— É. A viagem vai ser longa. Muitooooo longa! — deitei.