Eu respirei fundo, tentando me recompor. Ainda estava difícil processar tudo que havia compartilhado com Erick e Yuri. Pela primeira vez em meses, senti como se alguém realmente se importasse, como se pudesse haver uma saída para o inferno em que eu vivia.
Erick se aproximou e pousou uma mão firme em meu ombro. A presença dele era reconfortante, transmitindo uma segurança que eu não sabia que precisava.
— Yago, escuta — disse ele, a voz grave, mas cheia de cuidado. — Eu vou tomar as providências necessárias. O que você me contou... isso não vai ficar assim. Mas, por enquanto, você precisa ser cuidadoso. Não faça nada impulsivo, não enfrente o Marc sozinho. Entendeu?
Eu assenti, mesmo que meu coração estivesse acelerado. Parte de mim queria resolver tudo de uma vez, mas as palavras de Erick me fizeram lembrar que lutar contra alguém como Marc exigia estratégia.
— Se precisar de mim, a qualquer hora, me ligue — continuou Erick, tirando do bolso um cartão com seu número pessoal. — Não hesite, não importa o horário ou a situação.
— Obrigado — murmurei, a voz embargada.
— Não precisa me agradecer, Yago — respondeu ele, com um pequeno sorriso. — Eu sei o que é lutar contra monstros. O importante agora é você se proteger e pensar no que realmente quer para sua vida.
Yuri, que estava ao lado, me deu um leve sorriso encorajador. Ele não disse nada, mas o olhar dele parecia dizer que eu não estava sozinho.
Com o cartão de Erick na mão, saí da casa deles com um misto de alívio e apreensão. O vento frio da noite me arrepiava enquanto eu caminhava pela rua escura, mas minha cabeça fervilhava demais para prestar atenção no clima. As palavras de Erick ecoavam na minha mente: "O importante agora é você se proteger."
Eu sabia o que precisava fazer. Por mais que a ideia de encarar Kadu e confessar tudo me apavorasse, eu não podia mais mentir para ele. Não depois de tudo que Erick e Yuri fizeram por mim. Era hora de ser honesto, mesmo que isso significasse perder o amor da minha vida.
Enquanto pegava o ônibus de volta para casa, meu celular começou a vibrar. Olhei para a tela e vi várias mensagens de Bia. Meu coração disparou.
Bia: "Yago, precisamos conversar agora."
Bia: "Aconteceu uma coisa com a Giovanna."
Bia: "Me liga assim que puder."
Sem perder tempo, disquei o número dela. Assim que ela atendeu, sua voz estava tensa, quase exasperada.
— Finalmente! Onde você estava? — disparou ela, sem esperar uma resposta.
— O que aconteceu, Bia? — perguntei, tentando manter a calma.
— Eu e Giovanna tivemos uma discussão feia — confessou ela. — Ela surtou comigo. Não sei se você sabe, mas ela estava... se afundando. Eu não podia mais esperar. Internei ela numa clínica de reabilitação.
A notícia bateu em mim como um soco. Respirei fundo, tentando processar aquilo.
— Você internou a Giovanna? — repeti, incrédulo.
— Sim. Foi a única saída. Eu fiz isso por ela, Yago. Ela me odiou, gritou que nunca vai me perdoar, mas eu não podia continuar assistindo minha filha se destruir desse jeito.
Olhei pela janela do ônibus, vendo as luzes da cidade passarem borradas. Por mais que entendesse as intenções de Bia, algo no tom dela me incomodava.
— Você não acha que ela precisava de mais suporte antes disso? Talvez conversar com Kadu, comigo...
— Não tinha tempo para esperar por consenso — cortou Bia. — Eu fiz o que achei certo.
— E o Kadu? Ele já sabe? — perguntei, sentindo meu estômago afundar.
— Ainda não. Você sabe como ele é. Vai tentar me convencer de que foi exagero, vai querer tirar ela de lá. Mas eu sei que fiz o melhor para ela.
Fiquei em silêncio, encarando meu reflexo na janela do ônibus. Eu precisava falar com Kadu, mas como? O que mais poderia surgir dessa confusão que já parecia sem saída?
Peguei o celular com as mãos tremendo, enquanto a voz de Bia ainda ecoava na minha cabeça. As palavras dela se misturavam aos meus próprios pensamentos, uma confusão entre raiva, medo e um desejo incontrolável de colocar um ponto final em tudo aquilo.
— Eu vou contar pra ele, Bia. Chega dessa história! — minha voz saiu mais alta do que eu esperava, quase um grito.
Do outro lado da linha, ela suspirou pesadamente antes de responder, num tom frio e calculado que me arrepiou.
— Você não pode fazer isso. Não agora.
— Não agora? — eu ri, um riso ácido, carregado de frustração. — Então quando, Bia? Quando é o momento certo pra você? Porque pra mim já passou faz tempo!
Houve uma pausa. Quase pude imaginá-la do outro lado, buscando as palavras certas, como sempre fazia.
— O momento certo é quando eu tiver todas as ações da empresa do Mark — ela disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Quando eu conseguir tomar tudo que ele tem, inclusive o poder sobre os acionistas. Até lá, você não pode desmoronar tudo.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando absorver o que ela acabava de dizer. A bile subiu à minha garganta, o estômago se contorcendo em nojo e raiva.
— Isso é tudo que importa pra você? — perguntei, a voz saindo rouca. — Dinheiro? É isso? Você não tá fazendo nada disso porque se preocupa comigo, não é?
— Claro que me preocupo com você, Yago. Mas eu não posso arriscar tudo agora!
— Não. Você não se importa! — gritei, incapaz de me conter. — Você tá usando toda essa situação só pra se beneficiar. Pra enriquecer. Enquanto isso, eu tô aqui, preso nesse inferno!
Ela tentou responder, mas eu desliguei antes de ouvir. Minha respiração estava pesada, como se eu tivesse acabado de correr uma maratona. As lágrimas começaram a escorrer sem que eu percebesse, mas eu não tinha tempo para isso.
Dei meia-volta, decidido. Eu ia contar tudo. Kadu precisava saber. Ele era a única pessoa que poderia me entender, e eu não podia mais suportar o peso desse segredo sozinho.
***
Desci do ônibus e caminhei até a casa de Kadu. Cada passo parecia um desafio, como se algo estivesse tentando me impedir de chegar lá. Minha mente alternava entre cenários possíveis: ele poderia me acolher, me odiar, ou pior, simplesmente me ignorar.
Quando cheguei na porta da casa, minha mão hesitou antes de tocar a campainha. Mas antes que eu pudesse apertá-la, a porta se abriu, e lá estava Marc.
Seus olhos estavam vermelhos, e a expressão em seu rosto me fez congelar. Ele parecia transtornado, como um animal acuado.
— Yago — ele disse, num tom baixo, quase um rosnado. — A gente precisa conversar.
Antes que eu pudesse responder, ele me puxou pelo braço, com força, e me arrastou para dentro. Meu coração disparou, e o medo tomou conta de mim enquanto ele me levava até o escritório.
— Marc, o que tá acontecendo? — perguntei, tentando me soltar, mas sua mão apertava meu braço com força.
Ele me empurrou para dentro do escritório, trancando a porta atrás de nós. O ambiente estava escuro, iluminado apenas por uma luz fraca de um abajur no canto. Livros e papéis estavam espalhados pelo chão, como se ele tivesse tido um surto de raiva antes de eu chegar.
— O que tá acontecendo? — ele repetiu, rindo de um jeito quase insano. — Eu é que devia perguntar isso pra você!
— Do que você tá falando?
Ele se aproximou, seus olhos fixos nos meus, e segurou meu pescoço com força. Eu tentei me afastar, mas ele me pressionou contra a parede e me segurou pelo pescoço.
— Me responde, Yago! — ele gritou. — Alguns informantes da polícia me disseram que estão me investigando. Quer me dizer o que você sabe sobre isso? Acha que eu não tenho gente trabalhando pra mim em todos os cantos?
Minha mente estava em pânico. As palavras se embaralhavam na minha boca, mas eu sabia que precisava dizer algo.
— Eu... eu não sei de nada!
— Mentira! — ele gritou, jogando uma pilha de papéis no chão. — Eu sei que você tá envolvido nisso. Alguém tá passando informações, e você é a única pessoa perto o suficiente pra fazer isso!
Ele apertou mais o meu pescoço, e eu senti as lágrimas escorrerem. Minha respiração estava curta, quase inexistente.
— Não sou eu! — gritei, num fio de voz. — É a Bia! Ela tá por trás disso tudo!
Marc me soltou de repente, como se minhas palavras o tivessem atingido fisicamente. Eu caí no chão, ofegante, enquanto ele dava um passo para trás, passando as mãos pelo cabelo em um gesto nervoso.
— A Bia? — ele repetiu, como se estivesse tentando processar.
— Sim! — eu disse, a voz entrecortada. — Ela tá me ameaçando. Disse que se eu não colaborasse, ela acabaria comigo. — menti.
Ele começou a andar de um lado para o outro, murmurando coisas que eu não conseguia entender. A cada passo, ele parecia mais descontrolado.
— Isso não faz sentido — ele disse finalmente, olhando para mim. — Por que ela faria isso?
Eu fiquei em silêncio, tentando pensar em algo que pudesse convencê-lo.
— Ela quer o seu dinheiro, Marc. Quer o controle das suas empresas.
Marc parou, os olhos se estreitando. Por um momento, achei que ele fosse explodir de novo, mas ele apenas riu, um riso seco e amargo.
— Claro que quer — ele disse, quase para si mesmo. — Isso explica muita coisa.
Ele se virou para mim, e pela primeira vez, vi algo diferente em seus olhos. Não era raiva, mas sim uma espécie de medo.
Marc socava a porta e continuava andando de um lado para o outro, os passos ecoando no escritório em um ritmo descompassado. Ele estava inquieto, completamente fora de si. Aquele homem sempre tão imponente e frio parecia à beira de um colapso.
Eu respirei fundo, ainda sentindo a ardência no pescoço onde os dedos dele haviam marcado a pele. A dor era pequena, mas eu sabia que poderia transformá-la em algo muito maior. Aquilo era uma oportunidade, e eu precisava agarrá-la.
— Você realmente acha que eu faria isso com você, Marc? — minha voz saiu baixa, quase trêmula, enquanto eu dava um passo à frente.
Ele parou de andar e me encarou, os olhos ainda ardendo com desconfiança.
— Eu não sei mais no que acreditar, Yago — ele respondeu, a voz carregada de tensão. — Tudo isso parece uma armadilha, e você... você está no meio disso.
Dei mais um passo em direção a ele, deixando as lágrimas brotarem nos meus olhos. Não precisei forçá-las muito. A raiva e o cansaço estavam lá, prontos para serem usados.
— Uma armadilha? — minha voz quebrou no final, carregada de emoção. — Eu? Logo eu, Marc?
Ele tentou dizer algo, mas eu continuei, avançando mais um passo.
— Você acha que eu faria algo pra te machucar? Depois de tudo que você fez por mim?
Meu tom era de incredulidade, mas meus pensamentos eram claros como cristal. Ele precisava acreditar em mim.
— Eu te amo, Marc. Você não entende isso? — toquei meu próprio peito, como se estivesse tentando arrancar o coração. — Você é o amor da minha vida.
Vi a confusão em seus olhos começar a se dissipar, dando lugar a algo mais suave. Ele abriu a boca, mas nada saiu.
— E olha o que você fez comigo — continuei, puxando a gola da camisa para mostrar a marca avermelhada no meu pescoço. — Você machucou quem só quer te amar.
Marc deu um passo para trás, como se as palavras o tivessem atingido fisicamente. Sua expressão endureceu, mas não de raiva. Era culpa.
— Eu... eu não queria... — ele gaguejou, a voz começando a tremer.
— Não queria? — perguntei, aumentando o tom. — Então por que fez? Eu faço tudo por você, Marc. Tudo! Eu te defendo, eu fico do seu lado, mesmo quando ninguém mais ficaria.
Me aproximei mais, até ficar a poucos centímetros dele. Pude ver as lágrimas começando a se formar nos seus olhos.
— E você me trata assim? Me acusa, me agride? — toquei meu pescoço, fingindo que a dor era insuportável. — Por quê?
Ele balançou a cabeça, os lábios tremendo enquanto tentava falar algo, mas eu não o deixei.
— Eu te amo, Marc. — Minha voz ficou mais baixa, quase um sussurro. — Você é tudo pra mim. Você é o motivo de eu acordar todos os dias. Mas talvez você não consiga ver isso. Talvez você nunca consiga enxergar o quanto eu sou louco por você.
Marc caiu de joelhos de repente, como se suas pernas não aguentassem mais o peso das emoções. Ele colocou as mãos na cabeça, os ombros sacudindo enquanto começava a chorar.
— Eu sou um monstro... — ele murmurou, entre soluços.
Me abaixei ao lado dele, segurando seu rosto com delicadeza. Minha voz era doce, mas firme.
— Não, você não é um monstro. Você só precisa de alguém que te ame de verdade, alguém que esteja disposto a tudo por você.
Ele olhou para mim, os olhos marejados, como um animal ferido buscando redenção.
— Eu sinto muito, Yago... Eu sinto tanto... — ele soluçava, as lágrimas escorrendo sem controle.
— Então me prova, Marc — sussurrei. — Me prova que me ama, que se importa comigo.
Ele assentiu freneticamente, como se fosse um menino tentando agradar um professor severo.
— Eu vou provar. Vou fazer tudo por você. Só não me deixa, por favor...
Enquanto ele chorava aos meus pés, uma onda de poder percorreu meu corpo. Pela primeira vez, eu percebi que tinha controle sobre Marc. Ele não era o homem implacável e invencível que todos temiam. Ele era fraco, movido por sua obsessão por mim.
"Ele está nas minhas mãos", pensei, enquanto passava os dedos pelos seus cabelos, fingindo consolar.
— Vai ficar tudo bem, Marc — murmurei. — Eu vou te perdoar. Porque te amo.
Mas, no fundo, eu sabia que esse era apenas o começo. Eu o tinha exatamente onde queria. E agora, eu usaria isso a meu favor. Se eu não podia confiar em ninguém, agora eu entraria no jogo.