Depois que saí daquele hospital, nunca mais vi Naomi nem Simone. O caso foi para as mãos da polícia civil, que cuidou de tudo dali em diante, até ser encaminhado ao Ministério Público. Além do meu depoimento, forneci todas as provas que tinha. Fiquei afastada do trabalho por quinze dias e, após conversar com uma psicóloga, retornei. Mas, sinceramente, menti em quase tudo que ela perguntou. Queria voltar ao trabalho antes que enlouquecesse e, para isso, tive que esconder muita coisa que estava passando.
Eu não dormia direito e tinha pesadelos quando conseguia dormir. Comecei a me automedicar para conseguir descansar; no início, isso foi útil, mas depois me causou muitos problemas. Nunca mais voltei para casa. Fiquei morando com meus pais por um tempo e coloquei minha casa à venda. Depois que consegui vendê-la, comprei outra em um bairro diferente. Era mais velha, mas ficava perto do pelotão. Troquei quase todos os meus móveis e vendi os antigos; não queria nada que me lembrasse Naomi. Mas não adiantou muito tudo que fiz para esquecê-la; eu me lembrava dela todos os dias, especialmente quando colocava a cabeça no travesseiro para dormir.
Recordava cada momento feliz que passei ao seu lado, mas, em seguida, vinham as lembranças ruins, e isso me destruía. Lembrar dela com Rayssa era a pior parte. Não entendia por que, mesmo drogada, ela não a recusou, como fez com Serginho. Diana disse que era porque Naomi era lésbica e, mesmo sob efeito de drogas, não aceitou ser tocada por um homem; mas Rayssa era uma mulher. Fingi entender, mas não compreendia. Para mim, ela tinha algum tipo de sentimento por Rayssa, por isso a levou para dentro de casa e se jogou nos braços dela.
Toda aquela cena da morte de Serginho também não saía da minha cabeça e, para tentar esquecer, comecei a beber às vezes à noite. Quando bebia, não tomava o remédio para dormir; ainda não queria morrer. Nesse período, as coisas, por pior que estivessem, não mudaram muito, a não ser por um pacote que Rose deixou na delegacia com meu nome. Artur disse que o pacote foi deixado na minha casa antiga e que o novo proprietário entregou à mãe da Rose, que o levou até a delegacia.
Era um pacote pequeno, bem embrulhado. Como era maleável, Artur disse que não parecia uma bomba, mas sim um monte de papel embrulhado. Não havia remetente nem identificação, apenas meu nome completo escrito nele. Resolvi abrir e, realmente, era papel, mas papel moeda. Tinha cerca de três mil reais em notas de cem. Não fazia ideia de quem poderia ter me enviado aquele dinheiro. Liguei para Rose, mas ela não atendeu. Depois, mandou uma mensagem dizendo que já tinha contado tudo ao delegado. Nem tentei ligar de novo; entendi o que ela quis dizer nas entrelinhas: "Não tenho nada para falar com você".
Bom, ela era amiga da Naomi, eu a compreendia.
Acabei ficando com o dinheiro; não havia para quem devolver, e não fazia ideia de onde ele tinha vindo. Pensei que poderia ser Simone, mas ela não tinha dinheiro e não me devia nada.
O tempo passou e minhas noites com meu litro de whisky se tornaram rotina. Quando percebi, já era dependente. O problema é que, às vezes, sem querer, misturava calmante com álcool, o que começou a me trazer problemas no trabalho e na vida. Perdi a hora algumas vezes e cheguei fedendo a bebida no trabalho. Até que um dia, estava bebendo em um barzinho e fui voltar para casa dirigindo. Grande erro: bati o carro em outro que estava parado. Graças a Deus, não me machuquei muito, mas meu carro e o outro ficaram muito estragados. Tive um prejuízo enorme e, se não fosse Diana me emprestar uma grana e os três mil que eu guardei no banco, não conseguiria pagar o conserto dos dois. Meu seguro não cobria acidentes causados por embriaguez. Fiquei com uma tipoia no braço por 30 dias. Só não perdi minha carteira porque Artur me ajudou, mas isso me afastou do trabalho. Ele já havia me avisado para parar com a bebida, mas não parei e ainda aprontei essa. Esse afastamento foi pior; me afundei mais e acabei indo parar no hospital com início de coma alcoólico duas semanas após meu afastamento. Diana me encontrou quase morta em casa.
Enquanto eu me recuperava no hospital, Rayssa era julgada. Graças a Deus por eu estar internada, sendo parte interessada e ainda namorada da vítima na época do crime, consegui me livrar de ter que ir ao fórum dar depoimento. Só queria saber da sentença, e conseguir ver em uma página de um jornal local. Rayssa pegou 14 anos de prisão, que foram revertidos em tratamento em uma clínica psiquiátrica do estado. Já esperava por isso; não fiquei decepcionada porque já esperava por isso, mas era muito pouco pelo que ela fez. Proibi as pessoas de tocar no nome de Naomi comigo ou em qualquer coisa relacionada a ela. Queria esquecer tudo, mas parecia impossível. As lembrava dela e as lembranças ruins me perseguiam por todo lugar.
Depois que saí do hospital, consegui me manter sóbria por um bom tempo e até recuperei meu trabalho. Mas, no final do ano, fui emboscada por dois homens quando estava indo para casa. Minha sorte é que depois do que aconteceu, eu nunca mais andei desarmada; sempre tinha uma arma no carro. Quando parei para abrir minha garagem, ouvi o primeiro disparo. Minha sorte foi que o homem errou, e o tiro pegou de raspão no meu braço esquerdo, depois quebrou o vidro da porta. Me joguei para dentro do carro e vários disparos foram efetuados, mas só atingiram o veículo. Peguei minha arma no porta-luvas e fiquei encolhida debaixo do volante. Não me movia, até porque não tinha como. Quando vi o primeiro vulto na porta, atirei. A bala pegou no peito do homem. Escutei o outro correr e, a uns 30 metros, acertei-o e ele caiu. Olhei para o homem caído à minha frente e ele não se movia. Eu mão ia dar a chance dele tentar me matar de novo. Liguei para o pelotão e contei o que aconteceu.
A polícia chegou e fui levada ao hospital em uma viatura. O ferimento foi superficial; apenas limparam, costuraram e fizeram um curativo. Depois, mais uma vez, depoimento, entrega da minha arma particular e afastamento por quinze dias. Os dois homens eram aliados de Serginho, tentaram vingar o amigo e tudo deu errado. O homem que acertei no peito morreu na hora; o outro viverá o resto da vida em uma cadeira de rodas. O tiro pegou na coluna e a bala destruiu a vértebra L1.
Não deveria me sentir mal por aquilo, mas me senti. Os traumas do passado voltaram mais fortes do que nunca. Mais uma vez eu tirei uma vida. Não aguentei muito tempo e voltei a beber. As pessoas tentavam me ajudar. Minha mãe chegou a chorar, pedindo para eu procurar ajuda, mas eu era orgulhosa demais para isso. Achei que era só uma fase e que superaria.
Grande engano: não superei. Um dia, saí à noite e estava bebendo em um barzinho. Estava meio bêbada, mas desta vez fui e iria voltar de táxi. Eu já estava pensando em ir embora, quando paguei e fui sair, um rapaz me abordou. Ele estava meio chapado e, ao tentar me livrar dele, acabei me irritando. Para evitar problemas, disse que era lésbica e policial. A situação piorou; acho que ele não acreditou e começou a me ofender. Para evitar mais problemas, tentei ir embora, mas já havia formado um pequeno grupo ao nosso redor. Quando passei por eles, o rapaz me segurou pelo braço esquerdo e me puxou. Lembro de ter virado e dado um soco nele. Depois, não lembro de mais nada; é como se tivessem pausado minhas lembranças.
Acordei em um hospital, amarrada em uma cama. Diana estava ao meu lado, dormindo em uma poltrona. Quando me mexi, uma das minhas mãos doía e a outra não se movia. Olhei e vi que uma estava engessada e a outra com curativos. Chamei Diana e ela me olhou assustada, perguntando se eu estava normal. Respondi que sim, mas minha mão doía. Perguntei por que eu estava amarrada na cama. Ela disse que foi o único jeito de me manter na cama antes que o remédio fizesse efeito e eu apagasse.
Diana explicou que eu estava fora de mim e que precisaram de Diogo, um policial, para me segurar. Ele parece um armário; eu realmente devia estar muito descontrolada. Perguntei a Diana o que fiz e ela pegou o celular. Mostrou-me um vídeo amador de alguém filmando o rapaz me xingando e depois me segurando pelo braço. Quando me virei, acertei o nariz dele e ele caiu. A partir daí, foi algo que preferia não saber. Ajoelhei-me sobre a barriga do rapaz e fui dando socos. Alguns pegavam nos braços dele, que ele usava para se defender, e outros iam direto no rosto. Por fim, ele não aguentou mais se defender e os socos acertaram seu rosto. Ele desmaiou, mas eu não parei de bater.
Era possível ouvir os gritos das pessoas ao redor me incentivando. O rosto do rapaz estava coberto de sangue, e minhas mãos também. Mas algumas pessoas me tiraram de cima dele; eu gritava e tentava agredir quem me segurava, mas um rapaz mais forte me imobilizou, provavelmente ele praticava alguma luta, porque não conseguia me mover mais. Devolvi o celular a Diana. Ela me disse que, logo após, a polícia chegou e me reconheceram. Chamaram Diogo, que me trouxe para o hospital. O rapaz quebrou o nariz, vários dentes e o maxilar. Eu tinha quebrado dois dedos da mão direita. Quando puxaram a ficha do rapaz, descobriram que ele tinha histórico de assédio e violência doméstica contra sua ex-namorada. Ele provavelmente não iria registrar queixa, já que isso poderia resultar em outro processo de assédio contra ele. Ele ainda estava respondendo o de violência doméstica. No fim, ele seria o mais prejudicado.
Aquele vídeo se espalhou pela cidade toda e eu fiquei muito conhecida. O estranho é que as pessoas na rua me davam os parabéns, mas eu não me senti bem com aquilo. Poderia ter matado o rapaz; e se eu estivesse armada? Poderia ter matado gente inocente. Aquilo me fez tomar uma decisão: entrei com um pedido de exoneração da Polícia Militar. Não tinha mais condições de ser policial. Eu havia me tornado alguém incapaz de vestir uma farda e, principalmente, de portar uma arma. Isso pegou todos de surpresa, mas não houve conversa; eu estava decidida e fui em frente. No fim do ano, meu pedido foi aceito e eu não era mais policial.
Dali para frente, foi só ladeira abaixo; mergulhei de cabeça no álcool. O dinheiro acabou, meu carro foi rebocado por falta de pagamento. Fui vendendo as coisas que tinha, já que não conseguia trabalhar. Vendi minha casa e voltei a morar com meus pais. Meus amigos tentaram me ajudar de todas as formas. Até fui internada à força, mas fugi uma vez e, na outra, agredi um enfermeiro. Meus pais tiveram que me buscar na clínica porque eu era muito agressiva para continuar ali. O dinheiro da venda da casa acabou e eu só conseguia alguns trocados dos meus pais para beber pinga. Virei uma pessoa sem vida. Apenas bebia e bebia. Cheguei a dormir na rua e só não fui violentada porque tive sorte. Cheguei ao fundo do poço e não tinha mais nada, a não ser meus pais e as lembranças daquele maldito dia que destruiu minha vida.
Se passaram dois anos e meio desde que deixei a polícia. Eu não deixei de lembrar de Naomi um dia se quer. As lembranças boas e ruins pareciam ser partes de mim. Eu ainda tinha pesadelos e às vezes sonhava acordada com Naomi e as tragédias. Muitas vezes eu tinha dificuldades de separar o que era sonho ou delírio.
Eu andava quase como uma mendiga na rua. Meus pais já tinham desistido de tentar me ajudar; acho que os dois só rezavam e esperavam pela notícia da minha morte. Meus amigos se afastaram de mim. Não por maldade, mas porque eu os afastei. Só estava viva porque não tinha coragem de tirar minha própria vida.
Em um fim de tarde, encontrei trinta reais no canto do passeio; três notas de dez emboladas. Já estava indo para casa, pois o dono do único bar que ainda me vendia bebidas me expulsou, já que eu estava pedindo pinga aos clientes. Com os trinta reais, fui ao mercado e comprei um tubo de 2 litros de cachaça e uma pequena bexiga de salame.
Sai andando sem rumo e bebendo direto do tubo. Não sei se fui por querer ou se estava delirando, mas depois de muito vagar pelas ruas, eu fui parar na praça da minha antiga casa. Quando percebi que estava ali, as lembranças ruins vieram à mente na hora. O desespero me atingiu e comecei a chorar; meu coração doía. As lembranças eram cruéis, pois sempre começavam com as boas e depois vinham as que me destruíram durante todos esses anos. Virei o tubo na boca e bebi o máximo que consegui, depois voltei a chorar até apagar.
Acordei em um lugar estranho, sem ideia de onde estava. Lembrava de alguém me chamando e tentando me levantar, mas não sabia quem era; só sabia que eram duas pessoas ou mais. Uma das vozes eu conhecia muito bem. Mas não sabia o que estava acontecendo; às vezes, as lembranças sumiam. Era como flashes de memória na minha cabeça bagunçada.
Olhei ao redor e parecia que estava em um hospital, mas era meio diferente. Quando fui levantar, a porta à minha frente se abriu. Ao olhar, a reconheci na hora. O cabelo estava maior e ela estava mais magra. A roupa também era diferente; agora, usava óculos finos. Nem parecia a mesma garota tímida de antes. Quando ela sorriu, me alegrei; era bom ver aquele rosto de novo.
Continua…
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper