Fazia tempo que eu não me sentia feliz, mas ver Rose ali na minha frente, com um sorriso no rosto, me fez sentir feliz por um momento. Ela estava bem diferente; não tinha mais cara de garota, mas sim de uma mulher adulta, e suas roupas também demonstravam isso. O jeans, blusinha e tênis deram lugar a um terninho social e um sapato de salto muito bonito. Seu cabelo também estava maior e mais bem cuidado. Ela estava com uma maquiagem leve, mas que destacava bastante as qualidades do seu rosto.
Rose tinha se tornado uma mulher muito bonita. Não que ela fosse feia, mas ela não era mais uma gatinha e sim um mulherão. Ela se aproximou de mim, sentou ao meu lado e me deu um abraço muito apertado. Ela usava um perfume muito gostoso, mas, infelizmente, o cheiro, mesmo bom, fez meu estômago embrulhar. Com certeza era a ressaca que a pinga me causou. Por falar em pinga, provavelmente eu tinha perdido o meu tubo. Mas achei melhor procurar saber onde eu estava e, assim que Rose se afastou, eu perguntei.
Greta —Onde eu estou, Rose, e o que aconteceu?
Rose —Bom dia para você também, Greta! Eu estava com saudades de você. Senti sua falta esses anos, viu.
Greta —Desculpe, Rose. Bom dia! Também senti sua falta.
Rose —Sei que está mentindo e nem deve ter se lembrado de mim. Mas tudo bem, eu te desculpo. Agora, respondendo à sua pergunta: você está no consultório de uma amiga minha e ela quer ajudar você.
Greta —Amiga sua? Me ajudar com o que, Rose? Pode me explicar melhor?
Rose —Minha amiga é psicóloga e ela quer ajudar você a dar uma melhorada na sua vida, Greta. Se você continuar assim, você vai morrer.
Greta —Te agradeço, mas não preciso da ajuda da sua amiga, não, Rose. Só quero ir embora para casa e, se eu morrer, não vou fazer muita falta, não, Rose. Acontece que pessoas morrem todos os dias.
Rose —Tudo bem então, você pode sair quando quiser. Vou deixar dinheiro pro táxi e para você comprar mais veneno para beber. A Rayssa acabou com você mesmo; achei que você não era assim tão covarde. Nem lutou direito, ela te derrotou fácil.
Ela falou aquilo e se levantou da cama. Tirou sua carteira da bolsa e me entregou 100 reais. Eu peguei meio no susto e, quando olhei para ela, vi que seus olhos estavam marejados. Me deu um aperto no coração e ouvir o que ela falou mexeu comigo. Acho que ninguém nunca tinha falado comigo daquele jeito. Pior que era verdade; a dura realidade era essa: Rayssa realmente tinha vencido. Mas eu não era covarde, eu lutei o quanto pude, mas perdi. Mas eu não era a culpada, não a única.
Greta: Você tem razão. Ela venceu, sim, mas não sou covarde; eu lutei, mas lutei sozinha. A Naomi...
Não consegui falar; deu um nó na minha garganta.
Rose —Não, Greta, você perdeu porque você desistiu. Sei que a Naomi cometeu erros, mas você também cometeu. Mas não foram os erros dela ou seus que derrotaram você, foi você mesma. Você desistiu de tudo, não buscou ajuda, não aceitou ajuda, preferiu jogar tudo pro alto sem ao menos tentar se recuperar. Sei que deve ser muito difícil, mas pelo menos tentar você devia ter tentado. Greta, ainda dá tempo; eu não acredito que você vai se entregar sem lutar até o fim. Por favor, estou implorando a você: aceite a ajuda da minha amiga. Se não der certo, prometo que não vou te importunar nunca mais.
Greta —Eu não quero perder meu tempo e nem fazer sua amiga perder o dela.
Rose —O que você tem a perder?
Greta —Nada, eu já perdi tudo. Só sobraram meus pais e um resto de dignidade.
Rose: Acho que aí que está seu erro; você não perdeu nada além da sua sanidade mental. O resto você jogou fora, mas dá para recuperar tudo se você quiser. Seus amigos, seu emprego, sua casa, carro. Sua vida. Só tem duas coisas que você perdeu que acho que não tem como recuperar: o tempo e a Naomi.
Greta —Não quero recuperar ela; na verdade, prefiro nem ouvir o nome dela.
Rose —Sem problemas, não toco no nome dela mais. Prometo, mas que tal tentar recuperar o resto? Por favor, Greta, não é possível que eu esteja tão errada sobre você. Ainda tem um pouco da mulher que aprendi a admirar aí dentro de você.
Greta —Você me admirava?
Rose —Sim. Sempre admirei você. Desde que nós nos conhecemos, minha mãe ficava falando sobre você. Você era a mulher que eu queria ser: forte, independente, corajosa e de um coração enorme. Eu às vezes ficava te olhando e queria muito ir falar com você, pedir algumas dicas. Mas minha timidez e minha fobia a policiais me impedia. Eu comecei a fazer meu tratamento psicológico porque eu queria ser sua amiga. Queria poder conversar com você e poder te dar um abraço. Você era o exemplo de pessoa que eu queria ser. Acho que a única diferença é que eu sempre sonhei em ser promotora e não policial. O pior disso tudo é que quando consegui me livrar da fobia, você desistiu de tudo.
Greta —Desculpe te decepcionar.
Rose —Eu sei o que você passou, Greta. Eu sei que deve ser muito difícil; eu nem consigo imaginar o seu sofrimento. Mas não me faça desistir de você. Por favor, me ajude a te ajudar. Pelo menos tenta.
Greta —E como seria isso? Vou ter que ficar trancada aqui?
Rose —Não. Só se você quiser e, se você realmente quiser se curar do vício, você mesma vai querer que te tranque no início. Olha, não vai ser fácil, mas minha amiga é ótima. Ela que me livrou da minha fobia. Sei que nem se compara com seus problemas, mas ela é muito competente. Pelo menos faz algumas sessões com ela. 30 dias e, se você mudar de ideia, a gente desiste.
Meus pais e meus melhores amigos imploraram para eu me tratar e eu não aceitei; eu não acredito que minha ex-vizinha estava fazendo eu mudar de ideia. Mas naquele momento, eu já estava pensando em aceitar. Mas aí ela pegou pesado de novo.
Rose —Você sabe que a Rayssa queria destruir você, não é?
Greta —Acho que sim.
Rose — Eu tenho certeza absoluta. Eu li todo o processo; estou fazendo estágio em um escritório muito bom aqui na cidade. Eu tive acesso a todos os casos da Rayssa. Eu li tudo, inclusive o laudo psicológico dela. Ela só tinha um objetivo: destruir você. Tudo que ela usou para conseguir isso eram apenas ferramentas para chegar ao seu objetivo. E quando vi você caída ali na praça, eu percebi que ela tinha conseguido. Isso me deixou muito triste porque vidas foram perdidas, muitas pessoas sofreram e ainda sofrem por causa disso. Saber que ela teve sucesso depois de saber de tanta coisa ruim que ela fez me fez sentir muita raiva. Eu não quero que ela saia ganhando e a única forma de vencer é você se recuperar. Por favor, me ajude a provar para mim mesma que vale a pena lutar pelo que é certo. Não deixa ela te vencer, não, Greta; prova para ela que você é forte e que ela não teve sucesso no objetivo dela. Por favor.
Greta —Tudo bem, Rose. Eu vou tentar, mas não te prometo nada. Por favor, não coloque suas esperanças em mim; se eu te decepcionar, eu vou ter mais uma culpa para carregar nas costas.
Rose —Você só me decepcionaria se não tentasse, Greta. Se você pelo menos tentar, para mim já é o suficiente.
Greta —Tudo bem. Te prometo que vou ficar aqui no mínimo 30 dias. Depois não prometo mais nada, ok?
Rose —Combinado 🤝🏻
Ela me deu outro abraço muito apertado. Eu iria fazer o que Rose queria. Não tanto porque ela pediu, mas porque ela tinha razão; eu não podia deixar Rayssa sair ganhando e, enquanto eu estivesse no fundo do poço, ela com certeza estaria vencendo. Eu nunca senti ódio de ninguém; da Naomi eu sentia raiva, decepção, mas não a odiava. Mas da Rayssa eu tinha ódio, e não era pouco. Eu iria usar aquilo para tentar tirar forças para dar a volta por cima. Eu não iria deixar ela sair ganhando, não mesmo. Eu ia fazer disso meu objetivo dali para frente.
Rose ficou toda feliz; era estranho para mim ver ela sorrindo o tempo todo, mas era um estranho muito bom. Ela até conseguiu me arrancar alguns sorrisos. Ela me contou que estava vindo de carona com uma amiga quando me viu deitada no banco da praça. Então resolveu parar e me ajudar. Ela disse que pensou em me levar ao hospital, mas sabia que no outro dia eu iria para a rua beber de novo, então ligou para sua amiga psicóloga e pediu para me trazer para sua clínica.
Eu conversava com ela e me lembrava da Naomi; não tinha como não lembrar, mas não lembrei das coisas ruins. Basicamente, me lembrei das duas estudando na minha casa e da Naomi implicando Rose por causa de um garoto que ela gostava. Naomi dava altas risadas dela; foram bons momentos. Quando Rose foi sair, me deu vontade de perguntar sobre a Naomi; só saber se ela estava bem não faria mal. Mas eu poderia ouvir algo que me deixasse com mais raiva dela ainda. Eu não a queria de volta, mas o amor que eu sentia por ela nunca morreu e quem ama sente ciúmes. Era melhor não saber de nada.
Quando Rose se despediu, ela prometeu vir todos os dias me ver; só não viria se eu ou a psicóloga pedisse para ela não vir. Eu a agradeci e, dessa vez, eu que a abracei. Quando nos separamos, eu quase perguntei de Naomi, mas quando abri a boca, me arrependi e não falei nada. Rose me olhou e parece que leu meus pensamentos.
Rose —Foca em você, em ficar bem e vencer a dura batalha que você vai enfrentar. Eu vou te apoiar em tudo e tenho certeza que as pessoas que te amam também. Me passa o endereço da sua mãe. Quero dar a boa notícia a ela pessoalmente.
Greta —Tudo bem, eu vou te passar sim. Obrigado por tudo, Rose. Só mais uma coisa... Você sabe se... Deixa pra lá, obrigado por tudo.
Rose —Por nada, minha amiga.
Eu passei meu endereço e ela anotou no celular. Me deu um beijo no rosto e se levantou para sair. Quando ela abriu a porta, parou e olhou para trás.
Rose —Ela está bem, Greta. Ela é forte, e sei que você também é.
Ela falou, virou as costas e saiu. Eu não sabia o que sentir com aquela informação. Achei melhor não pensar naquilo e tentar arrumar forças para me recuperar.
Logo que Rose se foi, a psicóloga apareceu. Seu nome era Leandra e ela era mais velha do que pensei; provavelmente deveria ter mais de 50 anos. Baixa, um pouco acima do peso, mas não muito. Tinha seios grandes, era morena de cabelo grisalho. O rosto dela me passou uma paz só de olhar para ela e, quando começamos a conversar, eu me senti muito à vontade. Ela tinha uma fala mansa e um sorriso tímido que raramente saía dos seus lábios. Ela me explicou que teríamos sessões todos os dias e que talvez eu precisasse de acompanhamento de um psiquiatra, mas ela iria ver isso depois das primeiras sessões. Ela me explicou que era crucial que eu tomasse as medicações certinhas para a abstinência não ser tão forte. Ela disse que o segundo dia era o pior e, depois de cinco dias, provavelmente a abstinência iria voltar forte de novo. Que, com a ajuda dos remédios, eu iria passar por isso com mais facilidade, mas não deixaria de ser muito ruim e eu sentiria alguns sintomas como vômitos, tremores pelo corpo e, principalmente, irritabilidade.
Aquela última informação me preocupou e eu lembrei do que fiz com o rapaz no barzinho. Eu não queria agredir mais ninguém e achei melhor alertar ela.
Greta —Eu quase matei uma pessoa de bater uma vez e não lembro de nada. Não quero passar por isso de novo. Tem como me amarrar na cama ou me trancar aqui, pelo menos no início?
Leandra —Não nesse quarto, mas tem outro que podemos fazer isso. Eu vi o vídeo e foi assustador mesmo. Mas vamos tratar de você e, se você estiver mesmo disposta a cooperar, vai ser muito melhor. Pelo que você me falou, você realmente está disposta a sair dessa e você vai sair; acredite.
Greta —Eu estou realmente disposta a tentar. O que for preciso fazer, eu vou fazer nos próximos 30 dias. Eu prometi a uma amiga.
Leandra —Daqui a 30 dias, eu te garanto que você não vai querer sair daqui. Aposto um corote com você. Kkkkk
Greta —Melhor a gente apostar um suco de laranja. Kkkkkk
Leandra —Esse é o espírito da coisa. Vou ajudar você a ser uma pessoa normal de novo.
Ela me levou para outro quarto, parecia aqueles quartos de hospícios com as paredes todas acolchoadas. Ela viu minha cara de espanto e disse que ali era um consultório psiquiátrico há alguns anos atrás, mas fechou as portas e ela conseguiu comprar a um bom preço do ex-proprietário. Ela disse que reformou tudo, mas deixou alguns quartos como antes; só não imaginou que iria usar algum dia, já que ela não interna ninguém ali, mas meu caso era diferente. Eu disse que estava tudo bem. Eu entrei e ela disse que ia deixar a porta aberta, que à noite voltaria para fechar. Me explicou onde era o banheiro e falou que iria me trazer o almoço. Eu agradeci e ela se foi.
Eu me deitei na cama, que provavelmente era de cimento com acolchoamento por cima. Me senti bem ali, olhando as paredes brancas daquele lugar. Imaginei que talvez Rayssa estivesse em um quarto igual ao meu, mas eu iria sair primeiro que ela, com certeza. Só esperava que eu saísse curada. Eu estava bem decidida; parece que minha vontade de viver voltou e aquilo era muito bom. Mas depois do almoço, aquela vontade foi diminuindo; já na hora do jantar, eu estava louca de vontade de beber algo com álcool. Leandra me deu alguns remédios e eu disse a ela para não deixar de trancar a porta quando saísse. Eu tinha certeza que eu iria tentar sair dali de qualquer jeito.
Eu estava pronta para passar a primeira noite ali e sabia que não iria ser fácil. Eu estava começando a travar a maior e pior batalha que eu tive na minha vida: largar o vício!
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper