O som ritmado do teclado ecoava no escritório silencioso. Lara Mendes estava sentada à sua mesa, com o olhar fixo na tela do computador, mas sua mente vagava para um lugar distante e indefinido. O projeto em que trabalhava, um condomínio de luxo à beira-mar, parecia impecável, ainda que ela insistisse em procurar defeitos. Uma mudança sutil na textura do piso externo? Talvez. Um ajuste na iluminação? Quem sabe.
Ela clicou, arrastou, ajustou. No entanto, mesmo ao aplicar pequenas alterações no design, sentia-se como uma criança tentando corrigir algo que não estava errado. Era uma distração, apenas. A arquitetura, que um dia havia sido sua maior paixão, agora parecia uma rotina tão previsível quanto as conversas que tinha com André, seu marido.
Uma notificação no celular que estava sobre a mesa chamou sua atenção. Não era nada importante: um e-mail promocional. Ela suspirou, pegou o aparelho e, sem pensar muito, abriu o navegador. A sugestão automática a levou direto para um site que ela havia visitado na noite anterior. Hesitou por um momento, olhando ao redor para garantir que ninguém estava por perto.
Os últimos minutos do expediente eram sempre os mais vagarosos, e a sala estava quase vazia. Inspirada por uma mistura de tédio e curiosidade, Lara se levantou, agarrando o celular e o fone de ouvido, e caminhou até o banheiro.
Ao trancar a porta da última cabine, sentiu o coração acelerar. Colocou os fones e clicou no vídeo. A imagem era clichê: uma cena de academia, um treinador musculoso e uma mulher provocante, ambos em posições que claramente não eram recomendadas por fisioterapeutas. Lara tentou conter um riso nervoso.
Seus dedos deslizaram pela tela do celular, ajustando o volume quase no limite do sussurro. Ela inclinou a cabeça, os olhos semicerrados, como se quisesse se perder completamente no momento. O som abafado dos gemidos, envolto pela privacidade dos fones, era uma melodia íntima que ecoava em seus ouvidos e descia por sua pele como um arrepio quente.
Sua respiração tornou-se irregular, um ritmo entrecortado que aumentava conforme o vídeo avançava. As imagens na tela eram tão surreais quanto hipnotizantes, misturando o absurdo da cena com uma estranha atração que ela não conseguia, ou não queria, explicar.
Lara sentiu o calor surgir na base de seu abdômen, como uma onda morna que subia devagar, espalhando-se pelo corpo. Seus ombros relaxaram enquanto suas mãos exploravam caminhos que ela conhecia bem. Era um toque solitário, mas carregado de uma necessidade primal que fazia seu coração acelerar. Naquele momento, a realidade ao redor desapareceu. O banheiro do escritório, o som ocasional de passos nos corredores, o tédio do expediente, tudo se dissolveu. Por alguns minutos, Lara não era a arquiteta bem-sucedida, nem a esposa exemplar, nem a mulher insatisfeita com sua vida estável. Ela era apenas uma pessoa buscando um pedaço de prazer que parecia escapar dela há tempos.
A tensão cresceu até o clímax, um instante de liberação que a deixou tonta. Sua cabeça encostou na parede fria da cabine, e ela permaneceu imóvel por alguns segundos, o peito subindo e descendo com respirações profundas.
Enquanto o prazer dissipava, a imagem congelada na tela, o brilho do vídeo pausado, pareciam acusá-la. Lara sentiu o peso do constrangimento cair sobre seus ombros, uma onda fria que a fez estremecer. Seu corpo ainda tremia levemente, mas sua mente já estava tomada por pensamentos que se atropelavam: "O que estou fazendo? Por que me sinto assim? Isso é normal?"
O calor do momento deu lugar a um desconforto familiar, aquele que vinha sempre que ela se permitia esses momentos solitários. Era errado? Talvez. Necessário? Sem dúvida. Mas a culpa que a seguia era inevitável, como um reflexo condicionado que ela ainda não sabia superar.
Ela respirou fundo, desligou o vídeo e guardou o celular com movimentos rápidos, quase mecânicos, enquanto lavava as mãos no lavatório do banheiro. No espelho, seu reflexo parecia calmo e controlado, o rímel estava intacto, a maquiagem perfeita, mas por dentro… ela sentia como se estivesse desmoronando. Era a mesma inquietação que a acompanhava há meses, talvez anos, sussurrando que, em algum lugar, algo importante faltava em sua vida.
Voltou à sua mesa como se nada tivesse acontecido, ajustando o colarinho da blusa. Pegou sua bolsa, desligou o computador e saiu do escritório. O trajeto até o estacionamento foi pontuado por um silêncio incômodo. Lara sabia que algo estava errado com ela. Precisava de algo mais. Mas o quê? Essa pergunta ecoava em sua mente enquanto o elevador descia, como um lembrete irritante de que, de alguma forma, o que tinha nunca parecia ser suficiente.
André Mendes ajustou a gravata no reflexo da porta de vidro antes de entrar na sala de reuniões. O ambiente era moderno, com paredes de vidro e uma mesa longa cheia de papéis. Do outro lado, o cliente, um homem de meia-idade de ar severo, estava ao telefone, mas acenou brevemente para André, indicando que se sentasse.
— Senhor Tavares, como vai? Espero que esteja tudo bem — começou André, seu tom amigável preenchendo o silêncio da sala.
Ele sabia como lidar com clientes difíceis como o Diretor Comercial de uma das maiores redes de supermercados do Estado; um sorriso no momento certo e uma pitada de humor costumavam abrir portas.
Tavares desligou o telefone e se voltou para ele com um suspiro.
— Espero que tenha algo realmente interessante para me apresentar, André. Estou com um dia cheio e sem paciência para joguinhos.
— Se paciência é o problema, vou direto ao ponto — André sorriu, sem perder o ritmo — A nova linha de queijos premium que nossa indústria está trazendo é tão boa que sua concorrência vai querer comprar de você.
Essa frase arrancou uma risada seca de Tavares, que cruzou os braços.
— Você é sempre assim confiante?
— Não seria um bom vendedor se não fosse, senhor Tavares. — André abriu sua pasta e mostrou uma apresentação detalhada, acompanhada de amostras que fez questão de dispor cuidadosamente na mesa. Ao final da reunião, o tom antes severo de Tavares havia se suavizado.
— Fechado, André. Envia os contratos. Vou dar uma chance à sua linha de queijos, mas você vai precisar garantir a entrega sem atrasos.
— Não se preocupe, senhor Tavares. Jamais o deixamos na mão, não é verdade?
Tavares assentiu após um forte aperto de mão, e André saiu da sala sentindo-se satisfeito. Após uma semana promissora, era hora de comemorar.
O bar não era exatamente sofisticado, mas André gostava disso. Era o tipo de lugar onde ele podia relaxar com seus colegas de trabalho sem o peso das formalidades. As mesas eram de madeira, o cardápio plastificado exibia cervejas artesanais ao lado de porções gordurosas, e o som de uma banda ao vivo preenchia o ambiente com clássicos do rock nacional.
— À semana que passou! — disse Ricardo, colega de André, levantando um copo de chope. O grupo de vendedores brindou, gargalhando e relembrando as reuniões que haviam enfrentado.
André estava no centro das atenções, como sempre. Ele contava histórias sobre seus encontros com clientes, imitando vozes e gestos com tamanha precisão que os colegas riam até a barriga doer.
— Você devia ser ator, André — comentou um deles. — O jeito que imitou o Tavares foi perfeito.
— Não, não — André respondeu, colocando a mão no peito dramaticamente. — Meu lugar é nas vendas. Onde mais eu conseguiria desfrutar do meu poder de persuasão?
As risadas ecoaram mais uma vez, e a conversa continuou, alimentada por rodadas generosas de chope e porções de batata frita. André parecia estar em seu elemento, mas ainda assim, sua mente vagava ocasionalmente. Ele olhava para o copo, observando a espuma que deslizava pelas bordas, e sentia uma espécie de vazio que nem mesmo o barulho alegre do ambiente conseguia preencher.
A introspecção foi interrompida por um momento que se tornaria o assunto da noite. Um dos colegas, claramente embriagado, decidiu tentar impressionar o grupo com um truque.
— Aposto que consigo equilibrar esse copo na cabeça por pelo menos dez segundos, — disse ele, já erguendo o copo cheio de chope.
— Ah, meu amigo, isso eu tenho que ver! — André incentivou, batendo palmas enquanto o grupo começava a gritar e encorajar o truque.
O colega subiu em uma cadeira, copo na cabeça, enquanto tentava manter o equilíbrio.
— Calma, calma, pessoal, eu sou um mestre nisso! — ele disse, com um tom exageradamente confiante.
Por dois segundos, parecia que ele realmente ia conseguir. Mas, no terceiro, a cadeira balançou, o copo virou, e uma cascata de chope caiu diretamente sobre a cabeça dele. A risada coletiva que se seguiu foi tão alta que até a banda parou de tocar por um momento para olhar.
André chorava de rir enquanto se aproximava para ajudar o amigo a se levantar.
— Cara, eu não sei o que é pior, você ter molhado todo mundo ou ainda estar segurando o copo vazio como se fosse um troféu.
— Ah, vai se ferrar, André — respondeu o colega, rindo e aceitando um guardanapo para se secar.
O incidente virou piada para o restante da noite, e André, sempre o contador de histórias, começou a transformar o momento em uma narrativa épica, incluindo detalhes exagerados e imitações que faziam todos se dobrar de rir.
Quando a noite terminou e André saiu do bar, sentiu o ar fresco da rua contra o rosto. As risadas e o calor do ambiente ficaram para trás, e ele percebeu que, embora tivesse se divertido, aquela sensação incômoda continuava presente. Ele era bom em esconder isso, na verdade, ninguém poderia adivinhar que algo o incomodava. Mas André sabia que havia uma monotonia em sua vida que nem os bares, nem o trabalho, nem as piadas podiam preencher.
No caminho de volta para casa, seu celular vibrou com uma mensagem de Lara. Ela perguntava o que ele queria para o jantar. Uma pergunta simples, mas que soava tão mecânica que o fez suspirar. Ele digitou uma resposta rápida, mas antes de guardar o aparelho, uma nova mensagem chegou.
🗨 RODRIGO: “Hora de fazermos algo grande. Réveillon no meu resort. Tragam suas esposas. Vai ser uma noite inesquecível.”
O som pulsante da música eletrônica preenchia a academia, misturando-se ao ruído metálico dos pesos e ao som abafado de sapatilhas contra esteiras. No meio da área de musculação, Marcelo Correia ajustava o banco de supino enquanto um de seus alunos, um rapaz magro e nervoso, se deitava sob a barra.
— Isso mesmo, Luiz, — disse Marcelo, com a voz firme, mas amigável. — Lembre-se: respira na subida, segura a descida. O peso não vai te matar, mas fazer errado pode acabar com o seu ego.
Luiz riu nervosamente enquanto seguia as instruções. Marcelo, com a confiança de quem dominava aquele espaço, fazia parecer que qualquer tarefa, por mais árdua que fosse, era simples. Usava uma regata que destacava seus braços musculosos e, a cada orientação, atraía olhares, tanto de alunos quanto de alunas.
No fundo, um grupo de mulheres fingia ajustar as máquinas, mas seus olhares se concentravam em Marcelo. Uma delas, com uma camiseta rosa justa e cabelos presos em um rabo de cavalo, sussurrou para a amiga:
— Ele poderia dar aula de qualquer coisa… até de culinária eu faria.
Marcelo ouviu, claro, mas fingiu não notar. Ele era acostumado a ser o centro das atenções, e, de certa forma, gostava disso. Ainda assim, sua expressão permanecia casual, como se as brincadeiras fossem apenas parte do dia a dia.
Enquanto isso, na sala ao lado, a atmosfera era completamente diferente. No estúdio de yoga, o ambiente era preenchido com o som suave de uma playlist instrumental. Velas aromáticas criavam uma luz aconchegante, e os alunos seguiam os comandos suaves de Yasmim.
— Inspirem profundamente — ela dizia, enquanto ajustava a postura de uma aluna com delicadeza. — Sinta a energia fluindo pelos braços. Expirem, deixando as tensões escaparem.
Yasmim era o oposto de Marcelo em muitos aspectos. Seu tom era calmo, quase hipnótico, e sua abordagem era espiritual, em contraste com o estilo extrovertido e performático do marido. Vestindo uma calça legging de cores vibrantes e uma blusa que caía delicadamente sobre os ombros, ela irradiava serenidade, atraindo um público fiel que a admirava não apenas pela técnica, mas pela energia que transmitia.
Ao término da aula, Yasmim agradeceu aos alunos com um sorriso caloroso enquanto recolhia os tapetes. Um deles, um homem mais velho, aproximou-se com um olhar respeitoso.
— Yasmim, sua aula é sempre incrível. É o único momento da semana em que sinto que realmente estou em paz.
— Que bom ouvir isso, Sérgio — ela sorriu, genuinamente grata — A yoga é mais do que só exercício; é uma forma de reconectar-se consigo mesmo.
No entanto, ao sair do estúdio, a paz interior que sentia começou a vacilar. No corredor, avistou Marcelo cercado por três alunas, que riam de algo que ele dizia enquanto ajustava os pesos de uma máquina. Era uma cena comum, mas que sempre a fazia sentir um desconforto sutil.
— Marcelo — ela chamou, com uma voz calma, mas firme. Ele olhou para ela com um sorriso aberto. — Você pode ajudar com a limpeza dos pesos? Temos uma aula nova começando em quinze minutos.
— Claro, meu amor — respondeu ele, jogando um braço musculoso ao redor dela. — Mas você sabe como é. Todo mundo aqui quer um pedaço de mim. É difícil ser tão popular.
Yasmim afastou-se delicadamente do abraço e cruzou os braços.
— E você parece estar adorando isso.
Marcelo piscou, ainda sorrindo, mas percebeu o tom na voz dela.
— Amor, você sabe que é só o meu jeito. Eu trato todo mundo bem, mas meu coração é seu.
— Tratar todo mundo bem e querer toda a atenção pra si são coisas bem diferentes — Yasmim retrucou, enquanto caminhava em direção ao depósito de equipamentos.
Marcelo a seguiu, carregando um par de halteres. Ele suspirou, colocando os pesos no lugar.
— Por que você sempre leva as coisas tão a sério? A gente trabalha com pessoas. É normal interagir, se divertir.
— Eu não levo as coisas a sério, Marcelo. Só… às vezes parece que você quer ser o centro das atenções de todo mundo, menos da pessoa que divide a vida com você.
A resposta dela o desarmou momentaneamente. Ele sabia que Yasmim não era o tipo de pessoa a discutir, então, quando ela fazia um comentário assim, ele prestava atenção. Ainda assim, Marcelo não era do tipo que gostava de lidar com conversas difíceis.
— Tá bom, tá bom — ele disse, levantando as mãos em rendição. — Prometo focar menos em ser o queridinho da academia e mais em te ajudar, ok?
Yasmim sorriu, mas o desconforto ainda pairava no ar. Apesar do amor evidente entre eles, havia algo latente em sua dinâmica, um contraste entre a necessidade de atenção de Marcelo e a busca por equilíbrio de Yasmim que parecia sempre criar pequenos atritos.
Quando o dia de trabalho terminou, Marcelo e Yasmim estavam no pequeno escritório da academia, revisando a lista de alunos e as finanças do mês. Ele olhou para ela, que estava concentrada na tela do computador, e tentou aliviar o clima.
— Ei, sabe o que precisamos? — ele perguntou.
— De um sistema melhor pra gerenciar isso aqui? — ela respondeu sem olhar para ele.
— Não, amor. Precisamos de uma pausa. Um tempo pra relaxar. Quando foi a última vez que a gente fez algo só por diversão?
Yasmim finalmente olhou para ele, surpresa pela sugestão.
— Confesso que nem me lembro.
— Então, pronto — Marcelo disse, animado. — Vamos planejar algo. Uma viagem, um final de semana fora, qualquer coisa.
Ela sorriu, balançando a cabeça.
— Tá bom, campeão. Vamos ver o que podemos fazer.
Mal sabiam os dois que a oportunidade viria de uma mensagem inesperada no celular de Marcelo.
🗨 RODRIGO: “Hora de fazermos algo grande. Réveillon no meu resort. Tragam suas esposas. Vai ser uma noite inesquecível.”
Marcelo mostrou a mensagem para Yasmim, que arqueou uma sobrancelha.
— Rodrigo? Faz anos que não vemos esse cara. Você acha que isso é uma boa ideia?
— Por que não? — Ele deu de ombros. — É a chance perfeita pra gente sair da rotina.
Yasmim hesitou, mas concordou. Talvez, pensou ela, fosse exatamente disso que precisavam.
O portão de ferro rangeu quando Jorge empurrou a estrutura enferrujada para entrar no pequeno quintal da casa. O som era tão familiar quanto o leve aroma de terra molhada que pairava no ar. Ele carregava sua caixa de ferramentas sobre um ombro, os passos pesados denunciando o cansaço acumulado de mais um dia longo no canteiro de obras.
Ao abrir a porta da sala, o som da TV o recebeu, misturado ao arrastar da caneta sobre papel. Alice estava sentada à mesa, o rosto parcialmente escondido por uma pilha de provas e cadernos. Seus óculos escorregavam pelo nariz, e os cabelos castanhos estavam presos em um coque desalinhado. Ela nem ergueu os olhos quando ele entrou.
— Boa noite — Jorge disse, largando a caixa no canto com um suspiro.
— Boa — Alice respondeu, sem tirar os olhos da prova que corrigia. Sua caneta vermelha circulava um erro de ortografia com vigor. — Eu juro, Jorge, se mais um aluno escrever ‘acontecimento’ com ‘Ç’, eu vou desistir.
Jorge soltou um riso baixo enquanto se aproximava. Ele beijou o topo da cabeça dela, que cheirava a xampu floral, e olhou para a bagunça sobre a mesa.
— Quantas ainda faltam?
— Vinte e duas — ela respondeu, soltando a caneta com um suspiro cansado. — Eu não sei o que está acontecendo com essa geração. Parece que ninguém presta atenção nas aulas. E isso depois de dois meses preparando eles pra essa prova.
— É essa geração tiktoker. Se tudo não for explicado em menos de 30 segundos, eles não absorvem nada — Jorge sugeriu, provocando-a com um sorriso.
Alice finalmente ergueu os olhos para ele, arqueando uma sobrancelha.
— Eles precisam ser melhores, Jorge. Ninguém vai facilitar pra eles no mundo real.
— Você está certa — ele respondeu, sentando-se no sofá com um grunhido de alívio. — Mas talvez você também precise pegar leve com você mesma.
Alice ficou em silêncio por um momento, olhando para o marido. Havia algo reconfortante na presença dele, algo que a fazia sentir que, apesar de tudo, tudo ficaria bem. Mas, naquele momento, o cansaço era maior do que a sensação de conforto.
— Como foi seu dia? — ela perguntou, sem muita animação.
— Cheio — ele respondeu, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Tivemos que desmontar metade de uma parede porque alguém calculou errado. Perdi uma hora inteira só nisso.
— E você ainda conseguiu voltar cedo — ela comentou, sem esconder uma ponta de inveja.
— Cedo? — Jorge olhou para o relógio na parede. — Alice, são quase oito da noite.
— É, bem… pra você, isso é cedo — ela respondeu, sorrindo de leve antes de voltar a pegar a caneta vermelha.
O silêncio confortável da casa foi interrompido pelo som de um alarme no celular de Alice. Ela olhou para o aparelho e gemeu. “Preciso revisar os planos da aula de amanhã. Como é que eu ainda não terminei tudo isso?”
Jorge se levantou do sofá e foi até a cozinha, voltando com dois copos de água. Ele colocou um ao lado dela, sentando-se na cadeira da frente.
— Você sabe que não precisa carregar tudo nas costas, né? Pode deixar as provas pra amanhã.
— Se eu deixar pra amanhã, acumula com a próxima pilha — ela disse, tomando um gole da água e passando a mão pelo rosto. — Às vezes parece que o trabalho nunca acaba.
Jorge inclinou-se para frente, apoiando os braços na mesa. Ele sabia que Alice era dedicada, talvez até demais, e que isso vinha cobrando seu preço.
— Eu estava pensando — ele começou, escolhendo as palavras com cuidado. — Que tal tirarmos o resto da noite e fazermos algo juntos? Só nós dois, longe de tudo isso.
Alice piscou, como se a sugestão a pegasse de surpresa.
— E quem vai corrigir essas provas? Quem vai preparar as aulas?... — Ela hesitou, o olhar alternando entre as pilhas de papel e o rosto cansado de Jorge. Havia algo na sugestão dele que parecia tão simples, mas tão inalcançável ao mesmo tempo. — Talvez — ela respondeu, finalmente. — Mas não hoje. Talvez depois que essas provas acabarem.
Jorge assentiu, sem insistir. Ele sabia que forçá-la só pioraria as coisas. Mas, no fundo, desejava que Alice entendesse que tirar um tempo pra eles não era um luxo, era uma necessidade.
Mais tarde naquela noite, enquanto Alice tomava banho, Jorge olhou para o celular, distraído. Uma notificação chamou sua atenção: uma mensagem de Rodrigo, um velho amigo que ele não via há anos.
🗨 RODRIGO: “Hora de fazermos algo grande. Réveillon no meu resort. Tragam suas esposas. Vai ser uma noite inesquecível.”
O restaurante era um santuário de sofisticação, um dos mais exclusivos do Rio de Janeiro. O ambiente era dominado por luzes amareladas, mesas decoradas com toalhas de linho impecáveis e arranjos de flores exóticas. O som discreto de jazz ao vivo preenchia o espaço, contrastando com o burburinho de conversas abafadas e o tilintar de taças de cristal.
Na mesa do canto, Rodrigo Reis comandava uma reunião informal com três investidores, homens mais velhos que pareciam pendurados em cada palavra sua. Ele trajava um terno azul-marinho feito sob medida, o corte perfeito evidenciando sua postura confiante. Com o cabelo preto impecavelmente penteado para trás e uma barba bem aparada, Rodrigo exalava um magnetismo que fazia até o garçom hesitar antes de interrompê-lo.
— Senhores — ele dizia, erguendo sua taça de vinho — o mercado é como um jogo de xadrez. Não basta fazer o movimento certo; é preciso saber quando fazê-lo. E, neste momento, o movimento é investimento em inovação.
Os homens à sua frente riram, levemente descontraídos pelo vinho e pela eloquência de Rodrigo. Ele tinha uma habilidade única de conquistar pessoas com uma mistura de charme e autoridade, tornando impossível para qualquer um discordar sem parecer tolo.
— E você acredita que esse tal de mercado digital é mesmo a chave? — perguntou um dos investidores, um homem corpulento com cabelos grisalhos.
Rodrigo inclinou-se levemente para frente, como se estivesse prestes a compartilhar um segredo.
— Não acredito. Eu sei. A questão não é se ele vai crescer. A questão é quem vai aproveitar o crescimento enquanto ele ainda está na curva ascendente.
A resposta foi recebida com acenos de cabeça e murmúrios de aprovação. Rodrigo sabia que tinha os homens na palma da mão. Ele concluiu o encontro com uma série de promessas bem calculadas, apertou mãos firmemente e viu os investidores saírem do restaurante. Ele se recostou na cadeira, satisfeito. Pediu outro vinho enquanto pegava o celular. Na tela, uma chamada de vídeo aguardava ser aceita. Com um sorriso, ele tocou no botão e a imagem de Fabíola apareceu.
Fabíola estava no escritório de casa, uma sala luxuosa decorada com móveis minimalistas e cores neutras. Ela vestia uma blusa de seda creme, levemente decotada, que realçava sua pele bronzeada. O cabelo preto e liso caía perfeitamente sobre os ombros, enquanto seus olhos escuros, delineados com precisão, transmitiam um olhar penetrante que intimidava e cativava ao mesmo tempo.
— Senhora Braga — dizia ela, sua voz firme, mas sedutora, — não estou falando de um simples apartamento. Estou falando de uma experiência. Vista para o mar, acabamentos de primeira linha e localização que combina exclusividade com acessibilidade.
Do outro lado da chamada, uma mulher parecia hesitante, mas fascinada.
— Você realmente acha que é um bom momento para investir?
Fabíola sorriu, inclinando levemente a cabeça.
— Um bom momento para investir, minha querida, é quando você tem alguém como eu para guiá-la. E eu garanto que esse imóvel será seu refúgio perfeito… e, se mudar de ideia, uma mina de ouro no mercado.
A cliente riu, claramente desarmada pela confiança de Fabíola.
— Você sabe vender, não é?
— Eu vendo sonhos, Senhora Braga — respondeu Fabíola, piscando levemente — E este é o momento de agarrá-lo.
A chamada terminou com um aceno de cabeça da cliente e uma promessa de fechar o negócio. Fabíola desligou, recostando-se na cadeira com um sorriso de vitória. Não havia uma negociação que ela não pudesse ganhar.
Quando Rodrigo chegou em casa, encontrou Fabíola na sala, ainda impecável, folheando uma revista de design de interiores enquanto uma taça de vinho descansava em sua mão. Ele parou na entrada, observando-a por um momento.
— Fechou mais um? — ele perguntou, jogando o paletó sobre o sofá e afrouxando a gravata.
— Como sempre — ela respondeu, sem levantar os olhos da revista. — E você? Conquistou os velhos ricos?
— Eles comeram na minha mão — ele disse, servindo-se de vinho e sentando ao lado dela. — Mas sabe, estava pensando… Faz quanto tempo que a gente não faz algo… memorável?
Fabíola finalmente olhou para ele, arqueando uma sobrancelha.
— Memorável? Tipo o quê?
Rodrigo sorriu, aquele sorriso enigmático que sempre a intrigava.
— Tipo… Ibiza. — disse com um sorriso pervertido — Reunir os velhos amigos aqui do Brasil e fazer algo grandioso para o Réveillon. Uma festa que eles nunca vão esquecer.
— Você acha que eles vão topar? — ela perguntou, brincando com o caule da taça de vinho.
— Se você souber usar o seu charme, Fabíola, ninguém resiste — ele respondeu, inclinando-se para beijá-la levemente.
— Você é mesmo um provocador — ela comentou.
— Não provocador — corrigiu — Eu gosto de pensar que trago mais diversão para a vida monótona das pessoas.
Fabíola riu, levantando-se e caminhando em direção ao quarto. Seus saltos ecoaram pelo chão de porcelanato líquido enquanto ela olhava para trás, lançando um olhar sedutor.
— Veremos se “Ibiza” irá se repetir.
Rodrigo a seguiu, satisfeito. Ele sabia que o Réveillon que estava planejando seria exatamente o que todos eles precisavam… ou o que nunca esqueceriam.
Mais tarde naquela noite, Rodrigo pegou o celular e digitou mensagens rápidas e diretas para os antigos amigos:
🗨 RODRIGO: “Hora de fazermos algo grande. Réveillon no meu resort. Tragam suas esposas. Vai ser uma noite inesquecível.”
Ele enviou para André, Marcelo e Jorge, e em poucos minutos começou a receber as primeiras respostas.
🗨 ANDRÉ: “Já estou dentro.”
▶ ️MARCELO: “Cara, isso é exatamente o que eu preciso! Yasmim vai adorar.”
🗨 JORGE: “Deixa eu conversar com a Alice. Parece interessante.”
Rodrigo sorriu para o celular. Ele sabia que, em breve, o grupo inteiro estaria reunido, prontos para uma festa que mudaria suas vidas de formas que eles jamais poderiam prever.