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Minha vida ali naquele quarto foi muito mais difícil do que eu imaginava. No segundo dia, no início da noite, eu implorei para sair dali. Não consegui dormir e, quando consegui, tive pesadelos horríveis. Acordei toda descontrolada, sem saber onde estava. Meu corpo estava todo molhado de suor e eu tinha dificuldades para respirar. Eu jurava que ia morrer, mas não morri e fui melhorando. Eu não tinha visto mais ninguém além da Leandra e de uma moça que me dava os remédios. Eu bebia todos sem reclamar, pois queria que aquilo passasse e os remédios eram minha única opção de melhora. No quarto dia, eu estava bem; sentia uma falta enorme de álcool, mas estava bem fisicamente e psicologicamente controlada.
Rose veio me visitar e trouxe minha mãe de tiracolo. Eu nunca fiquei tão feliz de ver alguém; ficar sem ter ninguém para conversar era complicado, e Leandra tinha seus pacientes para atender, não podia ficar conversando comigo o tempo todo. E, por mais que eu gostasse da Leandra, que me parecia ser uma boa pessoa e com quem eu me sentia bem. Ter Rose e minha mãe perto de mim era muito melhor. Passei uma tarde muito boa com elas, e minha mãe se emocionou algumas vezes por eu estar finalmente me esforçando para melhorar minha vida.
Os dias seguintes não foram nada bons; o pior foi o quinto e o sexto dia. Crises de ansiedade, nervos à flor da pele e uma vontade de sair socando todo mundo. Mas, mais uma vez, sobrevivi e as coisas foram melhorando. A partir do nono dia, as visitas da Rose começaram a ser diárias, e minha mãe vinha sempre que podia. Mas não foram só elas que vieram me ver. Diana, Diogo, meu pai, Artur e alguns policiais amigos vieram me visitar. Eu recebi muito apoio e carinho daquelas pessoas, e isso foi fortalecendo minha determinação. Eu realmente precisei ser forte naqueles dias.
A abstinência foi perdendo a força, mas, infelizmente, meu problema maior não era aquele; eram as lembranças. Com elas, vinham a dor, a culpa, a raiva e, principalmente, a saudade que eu sentia de Naomi. Minha mente estava bem bagunçada e eu não sabia o que estava sentindo. Muitas vezes, eu chorava até dormir e tinha pesadelos horríveis. Mas, em algumas noites, eu conseguia dormir tranquilamente e até tinha sonhos bons. Quando eu acordava eu rezava para eu ter um dia bom, mas nem sempre isso acontecia. Eu já estava achando que eu era bipolar, mas era só a minha mente bagunçada, unida a abstinência que estavam me torturando aos poucos.
A falta de álcool era constante, mas se tornou algo mais suportável. Acho que os remédios estavam conseguindo suprimir bem essa falta. Depois de quinze dias naquele quarto, fui levada para o antigo quarto. Com 20 dias, Leandra disse que estava na hora de tratar a minha mente. Ela comentou que, mesmo sem eu saber, já tínhamos feito várias sessões; toda vez que ela ia ao quarto antigo, estava me avaliando. Mas agora era hora de realmente termos sessões no lugar adequado e tocarmos nas feridas mais pesadas.
Nunca vou me esquecer da frase que ela me disse na primeira vez que entrei na sua sala. Quando a chamei, ela disse para eu entrar. Assim que abri a porta, ela me olhou e pediu para eu deixar minha armadura do lado de fora. Fiquei sem entender na hora, e ela se levantou, veio até mim e disse que, para as coisas funcionarem, eu tinha que deixar meu orgulho, as desculpas e as mentiras que eu usava para me proteger do lado de fora. Que ali dentro eu precisava ser totalmente verdadeira e sincera com ela e comigo mesma. Ela estava ali para me ajudar, mas, em primeiro lugar, eu precisava ajudar ela a fazer isso. Eu disse a ela que iria tentar fazer o que ela pediu.
As coisas não fluíram como eu pensei. Eu não consegui me abrir por completo; existiam muitas barreiras e não foi fácil quebrá-las. Na minha mente, isso não existia, mas Leandra foi me apontando cada uma delas e sutilmente me fazendo ultrapassá-las. Isso não foi fácil e muito menos rápido. Antes mesmo de completar os 30 dias, eu já disse a Leandra que ficaria ali até ela dizer que era para eu sair. Meu quarto virou praticamente minha casa. Eu morava nele e só saía para ir às sessões ou para o fundo da clínica. O terreno no fundo da clínica era enorme e eu ia lá todos os dias para correr e me exercitar.
Depois que resolvi ficar de vez, ganhei uma TV e um celular. Era ótimo ter algo para me distrair e manter contato com meus amigos e familiares. Eu não estava trancada ali; podia sair para a rua a qualquer hora durante o dia. À noite, as portas e janelas eram trancadas, não para eu não sair, mas para evitar que alguém entrasse. Mas, por minha própria vontade e também alguns conselhos de Leandra, eu não saía de jeito nenhum dali. Era melhor evitar a tentação. Eu não estava em condições de ficar dando sopa pro o azar.
Comecei a me alimentar melhor e, com isso, fui ganhando peso novamente. Minhas roupas antigas que ainda existiam serviram bem quando minha mãe me trouxe elas. Estava tudo indo bem; a vontade de beber já não era tão forte, mas ainda me incomodava muito em algumas noites. Era a pior hora para mim; quando eu estava sozinha, às vezes a vontade de beber alguma coisa com álcool vinha forte. Mas eu sempre fui mais forte e fui resistindo dia após dia. Com isso, os dias foram passando, os meses também, e no quinto mês eu tive uma surpresa enorme.
Rose era uma presença constante na minha vida. Nos tornamos grandes amigas e falávamos sobre tudo, menos sobre Naomi. Sinceramente, eu já não me importava como antes. Eu já via as coisas de forma diferente nessa época, mas Rose, mesmo assim, não tocava no nome dela. Mas, no início da noite de uma sexta-feira, ela apareceu e disse que tinha algo para me entregar, mas só faria isso se eu quisesse. Eu perguntei o que era e ela disse que era uma pequena carta da Simone. Ela contou que Simone esteve na casa dela dias atrás e perguntou por mim. Ela contou onde eu estava e o motivo. Simone então pediu um papel e uma caneta para escrever algo para mim.
Perguntei a Rose se ela tinha lido ou se sabia pelo menos do que se tratava. Rose disse que não leu e não sabia com certeza o que era, mas que, na opinião dela, era algo bom. Eu resolvi aceitar a carta e ler o que estava escrito nela. Rose perguntou se eu queria ficar sozinha e eu disse que não, que preferia que ela ficasse ao meu lado. Abri o papel que estava dobrado e comecei a ler. Na primeira linha, já fiquei mais tranquila. Simone começava com um pedido de desculpas pelo tapa que me deu no hospital. Nas linhas seguintes, ela explicou o porquê de ter feito aquilo, mas disse que a explicação não era uma justificativa e mais uma vez se desculpou por ter se descontrolado a ponto de me agredir.
Nas linhas seguintes, ela me agradeceu por ter feito o possível para proteger a filha dela e evitado um mal muito maior. Ela também deixou claro que não me culpava por nada e, depois de ouvir tudo da boca da própria filha, se arrependeu muito de me culpar pelo que houve. Ela também me desejou sorte na minha recuperação e na minha vida. Disse que queria poder me dizer tudo isso pessoalmente, mas não podia no momento. Ela se despediu dizendo que algum dia ainda iria me encontrar para poder me dar um abraço de agradecimento e se desculpar pessoalmente.
Eu fiquei muito feliz de ler aquilo. Nunca guardei mágoa por causa do tapa que ela me deu e eu sabia que sua ameaça era fruto da raiva que ela sentia naquele momento. Mas ler o restante me fez muito bem. Eu já não culpava só Naomi pelo que houve; eu conseguia ver minha parcela de culpa também. Mas, claro, para mim, a maior culpada era Rayssa; ela destruiu a coisa mais bonita que já vi na minha vida, dela eu sentia ódio. Saber que Simone não me culpava mais me fez um bem danado. Aquela carta realmente chegou em um bom momento.
Eu me senti mais leve e, olha que eu já tinha tirado muitos pesos das minhas costas que não precisava carregar. Por exemplo, a culpa por ter tirado a vida de duas pessoas. Não que eu achasse aquilo normal, mas eu já entendia que foi minha única escolha. Até o tiro que dei nas costas do outro era algo que eu conseguia lidar numa boa. Ele tinha acabado de tentar me matar; deixá-lo fugir era dar a ele uma segunda chance de tentar. Talvez, se eu não atirasse, eu poderia estar dentro de um caixão hoje. Eu não entendia direito como Leandra fazia aquilo, mas em quatro meses ela clareou muito minha mente. Eu me sentia como antes; a antiga Greta parecia estar de volta.
Mas algumas coisas não mudaram. A saudade da Naomi ainda me machuca e o amor que eu sentia por ela parecia que não iria passar nunca. Isso nem mesmo Leandra conseguiu arrancar de dentro de mim. Mas eu tinha esperança de que, em algum momento, iria passar.
Quando completaram seis meses, Leandra disse que eu estava liberada para sair e viver minha vida, porém era para eu continuar com pelo menos duas sessões por mês e continuar tomando alguns remédios que ela passou. Eu sinceramente não queria sair dali. O medo da vida lá fora me assustava. Isso me rendeu mais um mês na clínica. Leandra teve um pouco de trabalho comigo. Mas, por fim, eu saí pronta para voltar para casa e retomar minha vida. Eu ainda não tinha ideia do que eu iria fazer, mas de alguma forma eu precisava recomeçar.
Fui recebida com uma festa de boas-vindas na minha casa, regada com muito refri e suco de laranja, claro. Eu fiquei muito feliz de ver minha família e meus amigos ali reunidos para comemorar minha volta para casa. Rose estava lá e, pelo que minha mãe falou, foi ela quem organizou tudo. Acho que as coisas mudaram; agora eu que admirava Rose. Que sorte eu tive de tê-la na minha vida. Ela praticamente salvou minha vida; eu tinha uma dívida eterna com ela.
Rose não ficou muito, mas conversamos bastante e eu a agradeci muito. Prometi a ela que, assim que eu pudesse, pagaria todo o dinheiro que ela gastou com o meu tratamento. Ela disse que não precisava e que nem foi muito caro, porque Leandra cobrou apenas um valor simbólico e ela só gastou mesmo com os remédios e minha alimentação. Ela disse que usou o dinheiro do seu estágio e ainda sobrou. Eu fiz umas contas rápidas e já era para ela ter se formado há um ano atrás. Perguntei a ela por que estava um ano atrasada e ela disse que não estava. Que estava no começando no último ano dos dois da sua pós-graduação. Ela se formou e começou uma pós-graduação de dois anos. Mas não deixou de estagiar no escritório porque assim conseguia ganhar experiência e um dinheiro extra.
Ela disse que, para chegar a ser uma promotora, era preciso se especializar ao máximo e, mesmo assim, seria difícil, mas ela iria tentar até o fim. Claro que eu dei a maior força para ela e fiquei muito feliz com sua determinação. Enquanto eu falava com ela, lembrei de Naomi. Era para ela ter se formado no final do ano passado. Se ela seguiu estudando, mas se parou por um ano depois do que houve, era para ela começar seu último ano naquele ano que se iniciava.
Como o tempo passa rápido! Naquele mês, completava cinco anos que a vi pela primeira vez. Se não fosse a maldade da Rayssa, provavelmente hoje estaríamos muito felizes juntas. Quem sabe não estaríamos casadas e eu não poderia estar com nosso filho nos braços? Rayssa tirou essa chance da gente de uma maneira muito covarde, e o pior: apenas porque eu vestia uma farda. Algo que, por causa dela, eu perdi também. Naquele momento, decidi o que eu iria fazer da minha vida.
Olhei para Rose e disse que eu iria voltar a ser policial. Ela perguntou se eu tinha certeza disso, e eu disse que sim. Que eu iria tentar recuperar o máximo de coisas que eu perdi nesse tempo, e não só isso. Perguntei a ela se poderia me ajudar. Ela disse que, se pudesse, ajudaria sim. Eu disse que queria entrar para a Polícia Civil, mas não sabia se era apta para isso. Rose falou que também não sabia, mas iria verificar para mim. Eu lhe agradeci e disse que, se eu não fosse, pelo menos tentaria reingressar na polícia Militar.
Eu tinha acabado de criar meus objetivos: recuperar tudo que perdi e de maneira ainda melhor. Uma casa melhor, um carro melhor, uma vida melhor e, quem sabe, um amor melhor. Mas eu não coloquei todas as minhas expectativas naquilo; eu iria tentar e me esforçar para conseguir, mas, se desse errado, eu não iria me abater. Eu estava viva e bem novamente; aquilo já estava ótimo. Mas, se eu pudesse melhorar ainda mais as coisas, eu iria fazer com certeza.
A vida me deu uma nova chance e eu iria agarrá-la com unhas e dentes. Eu estava animada com aquilo e, pelo sorriso de Rose, ela também. Ano novo, vida nova e várias possibilidades à minha frente. Era hora de voltar a viver e, principalmente, voltar a sorrir.
Continua...
Criação: Forrest_gump
Revisão: Whisper