Amigos, este será um conto curto e rápido, de apenas 5 partes já todas escritas.
Tentarei postá-las diariamente.
Espero que curtam.
Forte abraço,
Mark
AMOR DE PICA!
E o dia que eu esperei por uma vida havia chegado. Em instantes, eu estaria realizando o sonho de ser pai. Eu já estava praticamente pronto, paramentado de cima a baixo com uma roupa própria para adentrar na sala de cirurgia, onde a Sophie já se encontrava. Sophie é o nome da minha esposa, uma linda loirinha com seus 25 anos de idade. Linda é pouco: ela é simplesmente perfeita e em tudo! Boa companheira, carinhosa, prendada e safada ao extremo entre quatro paredes. Sim, eu havia tirado a sorte grande quando fui escolhido por ela porque eu não me vejo como nada demais. Mas, enfim, se ela gostou de mim, quem sou eu para questionar. Coloquei por fim um touca e a enfermeira que terminava de higienizar o meu celular, chamou-me para acompanhá-la:
- Você está bem? Já acompanhou um parto antes?
- Eu!? Não, nunca! É meu primeiro filho.
- Tem medo de sangue?
- Não sei. Acho que não. Por quê?
- Porque o show é por conta da sua esposa e do bebê. Se você desmaiar, vai ter que esperar, entende?
Balancei afirmativamente a cabeça e entrei na sala. Já vi a minha esposa deitada numa maca, com fios ligados e caninhos por todo o lado. Mais ao norte, ao seu lado, um anestesista verificava algumas leituras enquanto conversava com ela. Ao sul, dois médicos conversavam com uma outra enfermeira. Um deles me viu chegando e me chamou para perto deles:
- Pronto para o espetáculo, pai?
- Eu… acho que sim… Não! Acho nada. Eu estou sim!
- Ótimo! De qualquer forma, para evitar um choque, vou pedir que fique sentado naquele banco ali enquanto abrimos passagem para o bebê, ok? Assim que ele estiver para sair, chamamos você. - Balancei afirmativamente a cabeça e ele ainda perguntou: - Vai tirar fotos?
Mostrei o celular que já se encontrava em minha mão e ele sorriu:
- Joia! Senta lá que já vamos começar.
Passei rumo nordeste e Sophie me encarou, dando um lindo sorriso. Correspondi, mas ficava difícil ela ver com a máscara que me tampava o rosto. Então, lhe mandei uma piscadinha e ela sorriu mais ainda. Sentei-me no local indicado e a cirurgia começou. Tudo corria bem, pelo menos era o que eu concluí por eles estarem bem tranquilos durante todo o procedimento. Fiquei perdido olhando para tudo e todos até que o mesmo médico me chamou:
- Vem, pai! Já vamos deixar o bebê sair.
Posicionei-me atrás deles com o celular em mãos e comecei a disparar fotos e mais fotos enquanto eles puxavam o bebê para fora. Logo, um baita meninão começou a urrar bonito para os ouvidos mais sensíveis. Foi impossível eu não me emocionar:
- Quer cortar o cordão? - O outro médico, uma médica na verdade, me perguntou.
- Posso!?
- Claro! Vem cá. Lindaura, tira uma foto dele, por favor?
A enfermeira assistente pegou o meu celular e passou a tirar fotos enquanto eu simplesmente cortava a última ligação física entre a Sophie e o meu filho. Nesse momento, as lágrimas que vinham banhando os meus olhos começaram a secar, pois notei que o bebê não se parecia bem com quem eu esperava. Ainda assim, terminei o que fazia e os médicos segurou em minha mão:
- Está tudo bem? Parece que ficou meio assustado, pai.
- Não! É que ele parece meio roxinho… meio escurinho? - Falei sem saber se via o óbvio ou meu cérebro tentava me pregar uma peça.
- Ah não! Fica tranquilo. Ele está bem e respirando bem. É que ele é bem mulatinho mesmo, deve ter puxado aos avós.
Concordei com um simples meneio de cabeça e fui pegar o celular, mas ela disse que iria tirar uma foto do bebê próximo ao rosto da mãe e que se eu quisesse, poderia me posicionar junto para sair na mesma película. Fui até próximo do rosto da Sophie e ela notou que eu agora estava mais sério do que era esperado:
- Tá tudo bem com o Júnior, amor? - Ela me perguntou, meio assustada.
- O bebê está ótimo! Vão trazê-lo para você conhecer e tirar uma foto em família.
- Mas… Mas… Então, que cara é essa!?
- Nada não. Acho que estou meio assustado. Só isso…
Ela continuou me olhando em dúvida, mas não teve tempo de dizer mais nada, pois logo a enfermeira trouxe o bebê e o colocou sobre o peito da Sophie para que ela pudesse vê-lo. No mesmo instante, o sorriso da Sophie murchou bastante e ela certamente entendeu o porquê do meu semblante carregado. Depois, voltou a sorrir quando sentiu o bebê mexendo sobre si e instintivamente começou a conversar com ele:
- Fica mais perto, pai. Vou enquadrar os três. - Disse a enfermeira.
Não me movi e a enfermeira me encarou com uma clara dúvida estampada no rosto. Ela então olhou para a Sophie que também me olhava e somente após um pedido desta é que me aproximei, mas eu já não conseguia mais sorrir:
- Amor, é nosso filho. - Cochichou a Sophie.
- Aham… - Foi a única coisa que consegui responder.
A Sophie notou a minha tensão e tentou disfarçar, dizendo agora que me amava e que a nossa família estava completa. Feita as fotos, a enfermeira me devolveu o celular e a médica, que vim a descobrir ser uma pediatra, perguntou se eu não queria acompanhar o procedimento no bebê. A Sophie me olhou e notei que ela entendia bem o que se passava na minha cabeça:
- Pode ir, amor. Fica com o nosso filho.
- Nosso… - Resmunguei, saindo em direção à médica.
Fomos para outra sala e ela fez vários procedimentos, exames para ver se estava tudo ok com o bebê, e estava. Uma enfermeira a auxiliava, limpando o bebê e quanto mais ela limpava, mais as minhas incertezas se acentuavam. Perdido em minhas dúvidas, ouvi uma delas perguntar:
- Quer segurá-lo antes de ir para o berçário?
- Eu… Eu não sei como.
- Vou enrolá-lo como um picolezinho, pai. Basta encaixá-lo no seus braços.
Pego de surpresa, não tive tempo de recusar e logo o bebê resmungava no meu colo. Pude então analisar todo o rosto do bebê e apesar de ainda ser cedo para concluir algo, pois ele estava inchado, certas características faciais não batiam comigo, nem com a Sophie, nem com os nossos pais e isso me deixou ainda mais incomodado. A enfermeira o pegou novamente, após alguns bons segundos e o levou. Fui então acompanhado para fora do centro cirúrgico e orientado a ficar em frente ao berçário, para onde ele seria levado até a Sophie poder retornar ao quarto.
Tirei toda aquela vestimenta e fui sentar num banco em frente a uma imensa janela que separava um corredor de uma grande sala com vários pequenos bercinhos de acrílico. Logo, um casal de amigos íntimos, Bernardete e Hugo, chegaram, felizes, radiantes, querendo saber qual era o bebê. Naturalmente, eles notaram o meu semblante carregado e ficaram preocupados:
- O bebê está bem. É grande, forte, parrudo mesmo. Já, já trazem ele para o berçário. - Falei.
- E por que essa cara então, caralho? - Perguntou-me o Hugo.
- É que ele não é nada parecido comigo, ou com ela… - Resmunguei.
Eles riram alto e disseram que isso era porque ele havia acabado de nascer, mas que logo ele seria a cara de ambos. Dei uma risada sarcástica e completei de forma ácida:
- Só se ele desbotar, porque, comigo, eu acho que ele não vai parecer não…
Eles se entreolharam em silêncio por um instante e depois para mim, mas antes que falassem algo, vi a mesma enfermeira entrar no berçário com o bebezão no colo. Levantei-me e ela veio na direção da janela e exibiu o bebê para todos nós. Notei que após eles olharem para o bebê, se entreolharam novamente por um instante, trocando em silêncio algumas suspeitas indizíveis. Depois se voltaram para mim:
- Parrudo mesmo! O bichinho parece que é bem grande. - Disse o Hugo.
- É sim. - Concordei, sem dizer mais nada.
O médico que fez o parto, enfim, veio até onde eu estava e avisou que a Sophie já estava no quarto, mas que iria dormir um tempo ainda, efeito da anestesia e de um “sossega leão” que tiveram que dar agora no final, pois ela ficou meio tensa sem motivo aparente. A Dete perguntou se eles poderiam vê-la, mas o médico negou, dizendo que, pelo horário, somente o acompanhante autorizado era eu e somente eu poderia ficar com ela no quarto. Assim que ele se afastou, A Dete insistiu:
- Se você quiser que eu fique, eu fico, Arnaldo. Sou mulher e acho que posso ajudar melhor a Sofi nesse momento. - Disse a Dete.
Quase concordei, mas se eu fizesse isso, iria atrasar uma pergunta bem simples que eu queria fazer para a minha esposa assim que ela acordasse. Então, gentilmente recusei. Ela ainda insistiu bastante, provavelmente por ter estranhado o mesmo que eu. Foi o Hugo que a demoveu da insistência, dizendo que eles queriam curtir o momento:
- Mas Hugo, você viu... - Ela soltou e me olhou de soslaio.
- Eles querem ficar a sós, Dete. Vamos respeitar.
Então, ficaram ali olhando o bebê e conversando um com o outro enquanto eu seguia para o quarto. Sophie dormia profundamente. Sentei-me numa cadeira lateral e cansado pela tensão, além de estar perdido em minhas dúvidas, acabei cochilando também. Acordei somente quando uma enfermeira entrou no quarto, trazendo um bercinho de acrílico com o bebê. Notei que Sophie já estava acordada e me olhava, meio perdida. A enfermeira posicionou o bercinho entre a minha cadeira e a Sophie, deu algumas orientações e disse que retornaria mais tarde para ajudá-la a amamentar. Assim que ela saiu, levantei-me novamente e olhei para o bebê, depois para a Sophie e novamente para o bebê:
- Ele é a sua cara... - Falei, entristecido.
- Amor, ele ainda é muito novinho…
- Mas o narizinho parece bastante com o do Celão.
Olhei novamente para a Sophie que agora me encarava bastante tensa. Após um breve silêncio em que nenhum dos dois parecia saber o que dizer, ela falou:
- Eu sei o que você está pensando, mas não tem a menor chance.
Olhei para o bebê e falei:
- Pele bem escura, nariz achatadinho e largo, baita bebezão, grande e parrudo. - Mordi os meus próprios lábios, inconformado: - É! Acho que não tem mesmo…
Sophie fechou os olhos e respirou profundamente. Antes que eu pudesse fazer a pergunta que me massacrava a alma, a enfermeira retornou, orientando-a como seria a primeira amamentação. Ela então levantou a parte superior da maca, deixando a Sophie praticamente sentada, ajudou-a a desnudar os seios, aqueles mesmo lindos seios que eu próprio já mamara bastante, e posicionou o bebê em seu colo, orientando. O bebê entendeu instintivamente o que deveria fazer e fez muito bem, sugando forte por um bom tempo. A enfermeira alternou entre os dois seios e após ele se fartar, me falou:
- Sua vez, pai.
- Oi!? - Perguntei, sem entender o que ela sugeria, mas olhando na direção dos seios da minha esposa.
- Não de mamar, homem. De fazê-lo arrotar.
Ela então me trouxe um paninho, colocou sobre o meu ombro e o posicionou na frente do meu peito, entregando-me o bebê que rapidamente deu um arrotinho e ainda “gorfou” parte do leite sobre o meu ombro. Olhei para o lado, na sua direção, meio inconformado com a situação, mas não consegui evitar um sorriso pela situação que eu sonhara tantas vezes. Devolvi para a enfermeira que com uma destreza única, rapidamente trocou a sua fralda, inundando aquele quarto com um cheirinho bastante novo:
- Quer segurá-lo um pouco? - Perguntou para mim, após.
Como eu fiquei sem reação, ela olhou para a Sophie e repetiu a pergunta, que sorriu e esticou os braços, dispondo-se a fazê-lo de imediato. Sophie passou a “escaneá-lo” centímetros a centímetros e assim que a enfermeira saiu, disse:
- É bastante comum que os filhos saiam com a aparência de algum antepassado…
- De quem? Só se for do seu lado, afinal, do meu lado, não tem ninguém com pele escura.
- Credo, Naldo! Como pode falar isso!?
- Mas é a verdade. O único com pele escura, que eu saiba, fica do seu lado e é o seu tio Celão, não é? Sei que ele não é seu tio de sangue, que só é casado com a sua tia, mas ele é o único negro nas nossas famílias e passou uns dias em casa. Olha só que coincidência! - Falei e suspirei profundamente antes de a encarar outra vez para perguntar: - Mas já que tocou no assunto… Acho que eu mereço a verdade, não acha?
- Amor… - Ela gemeu.
- Olha nos meus olhos, Sophie, e diga que não é dele. - Falei, aproximando-me e a encarando de forma que não conseguisse desviar o olhar: - O bebê… é filho dele, não é?
Ela olhou para o bebê novamente e depois de fitá-lo por um instante, encarou-me com os olhos marejados, mas ainda assim sem responder a minha pergunta e assim voltou a olhar para o bebê. Sinceramente, ela não precisava responder mais nada; tudo já estava esclarecido. Sentei-me na minha cadeira, derrotado com aquela descoberta e ainda sem saber o que fazer. A única coisa que eu sabia é que precisava fazer algo.
Dei uma desculpa qualquer e saí pelo corredor do hospital, ligando para o Hugo. Assim que ele me atendeu, perguntei se a proposta da Dete ainda estava de pé. Ela aceitou de imediato. Voltaram em menos de 15 minutos. Expliquei resumidamente que não me sentia confortável em continuar ali e eles entenderam de imediato o que acontecera. A Dete disse que conversaria com a Sophie para entender o que estava acontecendo, mas eu já não precisava de mais nada. Hugo ainda quis conversar comigo fora daquele ambiente, mas eu disse que precisava ficar sozinho e pensar melhor na minha vida:
- Não tome decisões precipitadas ou com a cabeça quente, Naldo. Para tudo há uma explicação.
- Concordo! Mas a Sophie não parece disposta em dá-la, então... - Suspirei profundamente para não falar o que não devia: - O tempo resolve tudo, meu amigo, vamos só dar tempo ao tempo.
Voltei para a nossa casa, obviamente sem me despedir da Sophie. Em menos de uma hora que eu havia chegado, meu celular tocou e vi que era ela tentando falar comigo. Eu simplesmente a ignorei. Foram uma, duas, três ligações e o silêncio.
Mensagens de um aplicativo de mensagens começaram a pipocar na tela do meu celular. Essas até me interessavam, afinal, eu não precisaria ficar ouvindo a voz daquela que imaginei que seria a minha esposa pelo resto da minha vida. As primeiras demonstravam surpresa com a minha atitude, mas nenhuma crítica. Depois, vieram aquelas que diziam o quanto ela me amava e que gostaria muito que eu pudesse estar curtindo aquele momento como ela estava. Por fim, vieram aquelas em que ela filosofava sobre os erros a que todo ser humano está sujeito e sobre a importância do perdão para evolução da alma, ou algo do tipo. Apesar do tom adotado, quase uma confissão tácita, em nenhuma delas ela foi expressa. Entretanto, as entrelinhas diziam por si e para mim era o que bastava.
Foi a pior noite da minha vida. Eu tinha sono, mas não conseguia dormir. Pesadelos se somavam e se sucediam uns aos outros. Despertei enfim às 6:00 da manhã e decidi sair para caminhar. Talvez um pouco de ar puro, silêncio e umas boas passadas, me ajudassem a refletir. Fiz isso até as 7:00. Na volta para casa, parei numa padaria para tomar um café e depois retornei para casa com uma decisão tomada: eu não poderia mais continuar ali. Com essa certeza, comecei a separar algumas coisas minhas em malas, roupas, artigos pessoais, de higiene, enfim, tudo que eu precisava para recomeçar longe dali. Então, comecei a relembrar os fatos que culminaram nesse dia.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
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