Desde moleque sempre sonhei em fazer faculdade de educação física, Raylan compartilhava desse sonho comigo inclusive, sempre falamos sobre cursar juntos, mas depois que fui forçado a me mudar isso passou a ser impossível, mesmo assim estudei feito um condenado e passei, só que o que deveria ter sido o dia mais feliz da minha vida virou meu pior pesadelo.
Estava indo para a cidade para ter acesso à internet e descobri se tinha sido aprovado ou não na federal no curso, porém recebi a notícia da morte da minha mãe, ela tinha sofrido um acidente enquanto saia do trabalho um carro a atropelou, meu mundo acabou naquele momento, nada mais fazia sentido para mim.
Para piorar, tudo isso já tinha acontecido a uma semana, não era hábito de falarmos todos os dias, então não tinha como saber antes, quando liguei para dar a notícia de que tinha passado na prova e meu pai me contou que ela havia morrido e que já tinha sido enterrada, ele não me deu nem a chance de me despedir dela.
Passei dias isolado no meu quarto, todos fizeram o possível para cuidar de mim nesses dias, mas tudo que mais queria era morrer, o mundo perdeu a cor quando a perdi, mesmo assim o pai Gustavo me ergueu e me forçou a continuar vivendo, entrei num modo automático, fiz a matrícula na universidade, só que era em outra cidade então tenha que acordar muito cedo, meu pai ia me deixar na cidade onde pegava um ônibus para ir até Sobral onde estava estudando.
Me afundei nos estudos, para tentar não sofrer tanto, virei um zumbir praticamente, minha família fez o possível para me ajudar e sou muito grato por isso, mas sempre que pensava que não pude nem me despedir dela, um enorme vazio se abria no meu peito, as únicas pessoas com quem falava eram minha família e meus professores, não cheguei nem a fazer amizades na minha sala.
O tempo foi passando um professor Téo que era meu professor e coordenador do curso percebeu meu potencial, porém não entendi minha falta de ânimo, tipo claramente não queria está ali, ao mesmo tempo em que tinha as melhores todas nas primeiras avaliações e todos os meus professores só teceram elogios quando ele perguntou sobre mim, isso despertou uma curiosidade muito grande nele a meu respeito e por consequência ele se aproximou de mim.
Téo já era professor a muitos anos, chegou a ser campeã mundial no Judô e tinha uma carreira de atleta muito consolidada, porém sua paixão maior se mostrou na educação, as poucos ele foi virando um grande amigo, me ajudando a continuar vivendo, graças a minha família e a ele comecei a me sentir menos deprimido com o tempo.
— Oi professor, o senhor disse que queria conversar comigo — vou até a coordenação depois da aula, Téo havia me mandado uma mensagem dizendo que precisava falar comigo urgentemente.
— Rick, senta tenho uma proposta irrecusável para você — ele diz todo animado.
— O que foi? — Fiquei curioso, ele está mais empolgado que o normal.
— Consegui uma realocação para Fortaleza, vou ser coordenador do curso no campus de Fortaleza.
— Espera você vai embora? — Meu único amigo na faculdade está saindo, como isso é bom para mim?
— Nós vamos, eu mexi uns pauzinhos e falei que só aceitava a transferência se meu melhor aluno fosse comigo.
— Espera, você quer que eu vá para Fortaleza? — Não sei o que pensar.
— Escuta, você é louco por futebol, meu melhor amigo e parceiro de longa data está treinando um time de jovens e consegui um emprego como assistente dele para você, eu sei que você vai perder o semestre pois não tem como te transferir no primeiro período, porém essa oportunidade vai valer muito a pena, é uma escola prestigiada e com essa oportunidade iram vir muitas outras para você.
— Mas, minha família está aqui — Eu quero aceitar mais que tudo, trabalhar com futebol é a realização do meu maior sonho, claro que sempre quis jogar, mas com a minha idade é muito complicado começar.
— Eu entendo, olha sair de casa é difícil, eu sei, então faz assim, chegar em casa hoje conversa com seus pais e me dá sua resposta até sexta pode ser? — Ele está me dando três dias para pensar sobre algo que vai mudar minha vida inteira, parece muita pressão, mas sei que sua intenção é boa.
Assim como ele disse, quando cheguei em casa reunir a família toda até os gêmeos que já são rapazinhos — o tempo voa, eram dois pitocos quando cheguei — e contei sobre a proposta do Téo, claro que morar com meu pai não é uma opção nem de longe, mas Téo me garantiu que o trabalho vai ter uma remuneração então tenho como me manter lá, a parte mais complicada é deixar minha família para trás, os anos nos fizeram muito apegados.
— Filho Deus tá abrindo essa porta para você, aproveite — mãe Dalva é a primeira a falar.
— Vamos sentir muita saudade primo, mas você pode vir nas férias para casa, fortaleza não fica tão longe assim — completa Ramon, me encorajando.
— Gente não sei se consigo, minha mãe não vai está lá — as lágrimas começam a querer vir, mas minha bisa me abraça e isso faz com o que o resto da família toda me abrace coletivamente.
— Biso — ela me chama assim bisneto — você é nosso passarinho e passarinho não canta na gaiola, você tem que sair do ninho.
— Mas vai poder voltar sempre que quiser — é a primeira vez que vejo o pai Gustavo se emocionar com algo — Ricardo vai filho, é seu sonho, vamos está aqui sempre para você, mas como Dalva disse Deus está te dando essa chance filho, não é bom desperdiçar.
— Cavalo selado só passa uma vez biso — minha avó e seus ditados.
— A bisa vai mandar um agrado pro meu fi se virar lá também.
— Não precisa bisa — digo quase chorando.
— Precisa sim, biso meu não vai passar necessidade na capital não — por isso ela é a matriarca da casa.
— A gente vai dar um jeito filho, o importante é você estudar e seguir seus sonhos — pai Gustavo completa seguido do primo Ramon que concorda com a cabeça.
— Por sua causa, até os gêmeos começaram a tirar notas melhores e querem fazer faculdade também, filho, você é nosso orgulho — mãe Dalva passa a mão no meu rosto com ternura.
— Acho que vou para Fortaleza então — estou começando a me animar com a ideia, embora uma enorme tristeza tenha se formado no meu peito de deixá-los aqui.
Mas não posso abusar deles, então me ocorre uma ideia meio maluca, mas que pode dar certo, a mão do Raylan sempre me amou e o Raylan é um irmão para mim, talvez eles possam me dar abrigo, nem que seja só por um tempo, até me organizar de grana lá, assim não vou precisar de muito dinheiro dos meus pais e também posso juntar um dinheiro do meu salário, claro que vou ajudar nas contas da casa, mas ainda é mais vantajoso que já chegar morando só e se esse plano não der certo, bem o jeito vai ser procurar uma canto para mim e em último caso Téo já disse que posso morar com ele.
Estou colocando morar com Téo como último recurso porque ele já está fazendo tanto por mim me arrumando esse trabalho, não quero abusar, depois de anos morando no interior virei um cara interiorano, não gosto de incomodar, sempre acordo cedo e sou muito trabalhador e esforçado, voltar a morar em Fortaleza é um grande desafio, mas vou dar conta, vou ser alguém na vida e honra minha família e principalmente minha mãe, que Deus a tenha.
Arrumar minha mala foi uma das coisas mais difíceis que já fiz desde que cheguei aqui, Luís e Leoni me ajudaram e isso só me deixou com mais saudades antecipadas desses dois pestinhas, antes de ir a bisa me deu um bolo de dinheiro — ela colocou o dinheiro no meu bolso na hora em que me abraçou, feito uma mafiosa, amo essa mulher — Ramon me deu um relógio de ouro que ganhou do pai dele e que ele sempre teve muito zelo, mãe Dalva me deu o celular dela, esse é meu primeiro celular desde que cheguei aqui, surreal pensar que me acostumei a viver sem.
— Para você falar com a gente, não é novo, mas funciona — ela diz me abraçando.
— Vem filho, se não você perde o ônibus — o pai Gustavo se encarregou de me levar até a rodoviária na cidade.
Vou passar um bom tempo sem fazer esse caminho, nesse momento faço uma promessa para mim mesmo de que vou voltar assim que possível, não consigo mais me ver longe desse lugar, esse sentimento é a prova de que o mundo pode mudar de formas que você nem espera, o que deveria ter sido minha prisão virou minha casa e agora estou indo atrás do meu sonho, ainda sim essa vai sempre ser minha casa para onde vou voltar.
— Ricardo cuidado lá filho, seja você mesmo e não se cobre tanto tá bom, o pai ama você e vou sentir muita saudade, então manda notícia viu moleque.
— Mando sim pai, todo dia e o senhor pode ligar sempre que quiser pai — ele me abraça e me sinto acolhido e seguro em seu abraço por mais uma vez, acho que esses abraços é o que vou sentir mais falta.
Não tenho o contato do Raylan, é loucura aparecer na porta dele no mais absoluto nada, mas até onde sei a casa era deles então a menos que eles tenham vendido ainda moram lá, estou um pouco ansioso para vê-lo e não faço a minima ideia se ele vai me receber bem ou não, não sei se ele ainda vai querer seu meu amigo e ainda tem o Dan, não sei como vai ser reencontrar com ele depois de tudo que aconteceu.
A anos não vejo meus amigos, não faço ideia se eles se tornaram próximos ou não quando fui embora, pode ser que Raylan e Dan nunca mais tenha se cruzado de novo ou viraram amigos inseparáveis, as possibilidades são muitas e até que é divertido pensar nelas, isso meio que vai me distraindo a viagem toda.
A cidade mudou muito, ainda tem alguns lugares que parecem intactos aos efeitos do tempo, porém a construções completamente novas para mim que já possuem um aspecto de velhas, é meio bizarro, estou no lugar certo ao mesmo tempo em que não reconheço quase nada, minha memória começa a vir como antes e depois, bizarro como o mundo que conhecemos pode se transformar completamente.
Quando entro na rua do Raylan mesmo sinto um choque da mudança, até a casa dele parece diferente, o que me dá um certo medo dele não morar mais aqui, não pelo fato de não ter para onde ir, e sim mais pelo fato de que posso nunca mais ver meu amigo e novo, meu coração está a mil, mesmo assim mantenho meu foco, pago o motorista bem a tempo de vê-lo sair de casa — todo arrumado — que sorte, ele não parece que está saindo para voltar logo, por pouco não o pego em casa.
Sobre mudanças Raylan parece o mesmo, porém tem algo de diferente nele, um brilho que ele certamente não tinha antes, o moleque de sempre ainda está ali na minha frente, porém agora ele é um homem feito, estou feliz de ver que ele está bem, isso até me faz esquecer um pouco a ansiedade que estava para encontrá-lo.
— Rick! — Raylan parece que está vendo um fantasma e nem posso culpá-lo, esse é o problema de aparecer de surpresa na vida das pessoas.
— Cadê meu abraço moleque — abre os braços torcendo para que ele ainda seja o Raylan meu irmão, ele excita um pouco o que me causa um leve aperto no peito, mas então Raylan abre um sorriso gigante no rosto e pula para cima de mim me dando um baita abraço apertado.
— Porra moleque é tu mesmo — Raylan me abraça com toda sua força — Rick você tá ainda maior cara.
— Trabalhar na roça tem suas vantagens — a última vez que ele me viu era magrinho como ele, agora estou forte e com meus um metro e noventa e oito, sempre fui alto, mas a rotina de trabalho e alimentação saudável da bisa me fizeram ganhar um corpo que nunca pensei que teria.
— Caralho quero ir para a roça agora — ele diz rindo — você tá enorme Rick.
— Você está saindo? — Ele está com a chave de casa numa mão e o telefone na outra.
— Tava mais vou desmarcar — ele diz.
— Não macho, quero te atrapalhar não — digo.
— Porra Rick como que eu saio, vai que tu some de novo.
— Pois é, sobre isso que quero falar com você, Raylan eu posso ficar na sua casa por um tempo, vou ajudar com as tarefas e com as contas prometidas.
— Claro que você pode irmão, você vai morar comigo mané tempo — Raylan cresceu, mas ainda é o mesmo de sempre — caralho o Dan vai surtar quando souber.
— Por hora pode deixar quieto — digo.
— Claro, qualquer coisa, só não some tá — ele me abraça de novo — olha pega aqui a chave, vou demorar um pouco que eu tô indo comemorar dois meses de namoro, mas volto pra casa hoje ainda.
— Espera como assim dois meses de namoro, porra moleque, quem foi essa guerreira — ele fica um pouco desconfortável.
— É que, não — ele respira fundo, o moleque ficou pálido — é um cara Rick, eu estou namorando um cara.
— Ah moleque danado, por isso as minas não conseguiram te fisgar né — Raylan relaxa os ombros.
— Tudo bem pra você? — Ele pergunta com receio da minha resposta, então faço minhas as palavras mais sábias que ouvi do meu pai.
— Amar alguém não é pecado Raylan — lhe dou um abraço e nos meus braços ele fica molinho.
— Cara senti tanto sua falta — ele está super dividido em sair para encontrar seu namorado e ficar comigo.
— Também senti mano, mas olha vai lá não deixa meu cunhado esperando, quando você voltar vou está acordado para gente conversar certo — proponho e ele aceita, Raylan está muito feliz e isso me reconforta o peito, ele me recebeu de uma forma melhor até do que esperei que acontecesse, antes que ele saiu passo meu numero para ele.
Estou um pouco cansado da viagem, mas antes de descansar mando mensagens para minha família avisando que cheguei bem e que Raylan me recebeu muito bem, não demora muito para que um número desconhecido apareça na tela do meu celular, acho estranho porque quase ninguém tem esse número ainda mais com o DDD da capital, mesmo assim atendo pois pode ser o Raylan de um outro telefone.
— Ricardo, meu filho, que felicidade — Raylan já avisou sua mãe.
— Oi tia Marta, tudo bem com a senhora?
— Estou levando meu filho, trabalhando muito ainda, mas olha Raylan disse que você precisa de um canto, rapaz você está na sua casa viu, sua mãe cuidou tanto do meu menino quando precisei, jamais lhe deixaria na rua, tenho uma divida eterna com sua mãe e ter você em casa só me deixa feliz, fique o tempo que precisar cê tá em casa viu?
— Muito obrigado tia, mas olha eu vou ajudar com as despesas e com as tarefas de casa.
— Não precisa se preocupar com dinheiro não meu amor, onde come dois e come três.
Ela não pode falar muito porque está trabalhando, mas reforça mais uma vez que sou bem vindo antes de encerrar a chamada, quando ela desliga sinto um aperto no peito, ouvir ela falar da minha mãe me fez lembrar que ela não está mais aqui, amanhã vou até o cemitério procurar seu túmulo, mesmo que isso me machuque, preciso vê-la.
Salvo o número da tia Marta também, depois vou tomar um banho, visto uma roupa folgada e deitei para tirar um cochilo até meu amigo chegar em casa, Raylan está namorando um cara, tá aí uma coisa que nunca esperei que fosse acontecer, esse cara deve ser pica para ter conseguido esse feito, pelo menos espero que ele seja gente boa, porque se não for ele vai se ver comigo, agora meu irmão tem a mim em sua vida de novo.
Preciso falar com Dan também, mas primeiro quero saber o que aconteceu, não sei se ele me odeia por ter indo embora, não sei sa irmã dele inventou algo pros pais dele também, enfim não sei o que posso esperar, mas vou encontrar com ele, só preciso descansar e por minha cabeça no lugar, é duas vezes mais difícil me manter firme sabendo que Fortaleza não tem mais minha mãe, fantasie por anos que viveríamos juntos de novo, ou que a levaria para morar no sítio com agente, mas isso não vai acontecer, tiraram ela de mim e meu pai me tirou a chance de me despedir, isso nunca vou perdoar, o Tio Ramon disse que ele foi pro Rio depois que enterrou minha mãe, espero que ele morra por lá e que nunca mais tenho notícias dele.
Mesmo com muita coisa na cabeça consegui dormir, pois fiquei realmente cansado da viagem, a escuridão do quarto do Raylan me lembrou um pouco meu próprio quarto no Sítio, essa sensação família também me ajuda a relaxar e me sentir perto de casa, desde que soube que minha mãe tinha morrido passei a ter sonhos recorrentes com ela, mas sonhos bons, ela era tão maravilhosa que é impossível até ter um pesadelo com ela, porém acordou triste todas as vezes que me dou conto de que ela não está aqui e que foi só um sonho.
Meu celular tocando é o que me acorda, passa um pouco da meia noite, vejo mensagens e uma chamada do Raylan avisando que chegou, levanto de um pulo da cama e corro para abrir o portão para ele, afinal está tarde para ficar na rua dando bobeira, ele parece nas nuvens acho que esse encontro de comemoração rendeu pelo visto.
— Tá apaixonado mesmo em Raylan.
— Estou — ele me mostra sua aliança de compromisso — fui fisgado amigo.
— Quero saber de tudo — digo — desde o começo e não deixe nenhum detalhe de fora.
— Melhor sentar então que a história é longa — Raylan ri.