Pela primeira vez, resolvemos soltar o Brad na praia. Em Salvador, não conseguimos encontrar um dia bom e com poucas pessoas para deixá-lo livre.
Achei bonitinho a Júlia conversando como se o cachorro a entendesse o caminho inteiro. Ela segurou a cara dele e disse: — Não ouse fugir, entendeu? A gente não vai conseguir ser tão feliz como somos sem você aqui. — E deu um beijo antes de ir soltando aos poucos a guia, assim que pisamos na areia. Quando soltou completamente, ele circulou em volta de nós e sentou ao lado de Juh.
— Ué??? — Kaique questionou, sem entender a atitude.
— Talvez, se a gente correr, ele venha atrás... — sugeriu Milena.
E assim eles fizeram, tentando instigar o doguinho, mas ele parecia estar muito bem, obrigado, com a língua para fora, curtindo o ventinho que batia.
— Esse cachorro veio com defeito, namoral — disse meu irmão, rindo.
— Ele é sempre tão agitado em casa, eu estou estranhando... — falou minha irmã, desconfiada.
Nós andamos um pouco e o Brad nos seguiu tranquilamente. Mih e Kaká desistiram de tentar fazê-lo correr e foram brincar, enquanto nós encontramos um lugar sossegado com redes e começamos a beber por ali. Após algum tempo, Juh se juntou às crianças que já estavam no mar. Ela partiu rapidamente e, sem que ninguém esperasse, nosso cachorro a acompanhou e até a ultrapassou.
— Rapaz, esse seu cachorro quer te talaricar — brincou Loren, e eu ri.
Eles ficaram um bom tempo na água e depois correram bastante na areia. Como ninguém ali conhece limites quando estão se divertindo, fiquei com a parte chata de intervir, pelo menos para que se hidratassem. Felizmente, resolveram almoçar e, enquanto eu colocava mais água para o safado do Brad, ele achou legal tomar o meu lugar na rede.
— Poxa, aí é sacanagem... É maluco pela minha mulher, toma conta dos meus filhos e ainda rouba meu lugar de descanso... É demais para mim! — brinquei, e enquanto o pessoal ria, o chamei para que viesse se alimentar.
Essa ocasião foi bem divertida e só reforçou a minha concepção de que Brad é fissurado na minha esposa... Mas não tinha como julgá-lo. Eu também sou e acho inevitável não se encantar com a pessoa que ela é.
Estávamos prestes a retornar para Salvador quando começou uma conversa sobre passagem para Lençóis (a primeira cidade da região da Chapada Diamantina que combinamos de ir). O que eu não estava entendendo era: para que passagem, se íamos de carro, que é obviamente mais rápido?
Lorenzo estava em ligação com Sarah, falando sobre um ônibus, e eu resolvi questionar Loren, que se encontrava próximo a ele.
— Que passagem é essa, se a gente vai de carro? — perguntei.
— Não vamos de carro, não. Iremos de ônibus. — ela me respondeu como se fosse óbvio.
— Vocês estão malucos, só pode... — falei, e meu irmão me olhou sem entender.
— Ué, por quê? Ahhhh, bora... PELA EXPERIÊNCIA! Vai ser bem mais divertido assim... — disse minha irmã, me balançando pelo braço.
— Vocês querem transformar uma viagem que eu faria em cinco horas em uma de quase sete? Isso, para mim, é burrice — falei, me desvencilhando dela.
Nesse momento, Júlia apareceu, e as crianças também.
Aquilo estava me estressando muito. Eu odeio complicar coisas que podem ser resolvidas de formas mais simples. Oito pessoas e três carros disponíveis. Preferir ir de ônibus e colocar mais duas horas de percurso não faz sentido para mim.
— Lorenzo, isso aí não existe! — tentei, já que ele estava resolvendo tudo.
— Ah, Lore... Vai ser legal, os meninos vão curtir... Não vão??? — ele desviou o olhar de mim e o direcionou aos meus filhos, que confirmaram, se aproximando bem animados e pedindo para irem de ônibus, por nunca terem feito uma viagem longa assim.
Eu fuzilei meu irmão com o olhar. Ele fez de propósito.
— Calma, que vocês sabem que não é assim que funciona. Deixa a gente resolver primeiro o que é melhor e depois a gente conversa, ok? — falei, e senti a reação triste imediata dos dois.
— Por que vocês não vão brincar um pouco lá fora? — sugeriu Juh, e eles foram.
— O que você acha disso? — perguntei para ela.
— Amor... Creio que você está se estressando à toa, de verdade... É só um detalhe. O que são duas horas? — Júlia respondeu, me abraçando.
— Tá bom, então. Vocês decidem... O que quiserem fazer, está feito. — falei, totalmente contrariada, e eles sabiam disso.
Acredito que já era uma decisão tomada. Não ia adiantar eu ficar argumentando com quem não queria me escutar. Apesar de respeitar o posicionamento de cada um, achei, e ainda acho, um posicionamento burro!
Fui para o quarto terminar de organizar as minhas roupas e coloquei as malas na varanda. A gente ia para casa, fazendo aquele longo percurso e, agora, nos dirigir à rodoviária.
Enquanto fazia isso, me veio outro estresse à mente: a rodoviária de Salvador é horrível para transitar. Nesse altura do campeonato, eu só conseguia pensar: "Puta que pariu, onde eu fui me meter?"
Júlia pediu para as crianças irem com meus irmãos na lancha da frente. Imaginei que ela ia querer conversar sobre o assunto, e foi o que aconteceu.
— Amoooor, você está brava comigo, é? — ela perguntou, recostando-se de leve sobre o meu braço.
— Não, amor, não estou brava com ninguém... — expliquei, e isso realmente era verdade.
— E por que não tá falando comigo? — Juh continuou o questionamento.
— Isso não é verdade. Eu estou irritada com tudo que rolou, que poderia ser evitado. E ficar em silêncio é meu jeito de tentar digeri-la. Para mim, não existe isso de ficar sem se falar, ainda mais com você, e você sabe disso. Isso nunca. — fiz questão de deixar claro e dei um beijo rápido na cabeça dela. Juh levantou o rosto, pedindo um selinho. Eu consegui dar uns três antes de voltar a minha atenção para o mar, que estava belíssimo.
— Que beijo feio — ela falou, rindo, porque é o que sempre digo quando ela está saindo do estado de irritação e a gente se beija. Sempre é algo xoxo. Aí eu brinco, e a gente ri. Só que dessa vez foi ao contrário.
Quando nós chegamos em casa e fizemos de tudo para ser bem rapidinho, peguei meu fone e fomos de Uber para o temido terminal rodoviário. Acho que junho e dezembro são os piores meses para estar ali. Há uma grande movimentação da capital para os interiores, gente indo e voltando. Mas, já que meus queridos irmãos, minha esposa e até meus filhos assim quiseram, nós iríamos desfrutar dessa experiência maravilhosa por quase sete horas. Mas o que são apenas mais duas horas a mais, não é mesmo?!
(Escrevendo e coringando, porque, para mim, até hoje foi uma decisão surreal. PQP! 🤣)
Era para ser uma viagem tranquila, para relaxar, aproveitar as belezas naturais, recarregar as energias para voltar animada e meter marcha na clínica. Eu tinha novas ideias e queria pôr no papel para melhor organização e colocá-las em prática o mais rápido possível. Também queria ajeitar minha agenda para as palestras e voltar a caçar os picaretas da cidade. Porém... Havia começado mal, me estressei de verdade, e quando encontrei novamente com meus irmãos, foi terrível. O clima não estava legal, estava pesado, pelo menos ao meu ver.
Os dois estavam claramente prendendo o riso. É muito difícil me tirar do sério dessa maneira, mas é um esporte que eles gostam de praticar, e quando conseguem triunfar, ficam como se estivessem com medo de expressar a satisfação e eu reagir do meu jeitinho para cima deles.
Sarah e Victor finalmente chegaram, e nós enfrentamos a nossa realidade, que era aquela multidão. Mesmo comprando as passagens antes, pegamos muita fila no embarque, e aquilo só foi o início do caos.
— Que experiência maravilhosa, não é, amor?! — falei, em tom irônico.
— Amoooor... Não começa! — ela me alertou para não procurar conflito com Loren e Lorenzo.
Percebi que Kaká estava me segurando com as duas mãos e todo desconfiado, olhando para o lado e para o outro. E quando a gente parava, ele me abraçava, como se eu fosse fugir. De início, acreditei que era nervosismo, mas, enquanto lentamente a fila progredia, o comportamento continuava.
— Tá tudo bem, filho? Tá sentindo alguma coisa? — perguntei.
— Mih disse que as pessoas sequestram as crianças aqui e levam embora. — ele me respondeu.
— O vovô quem disse. — Milena se explicou quando olhei para ela.
Provavelmente, Sr. José falou mesmo. Ele gosta de assistir jornais e sempre alerta as crianças para ficarem atentas e tomarem cuidado.
— Ninguém vai tirar meus filhinhos de mim. Caso contrário, vão ter que se ver comigo! — tentei aliviar o clima, e funcionou, porque meu filho riu e foi ficando mais leve.
Enfim, adentramos ao ônibus, que atrasou 30 minutos, sabe-se lá por quê. Pelo número da poltrona, Milena ficaria com a janela e Kaique com o corredor, mas eles bateram par ou ímpar porque decidiram intercalar. Kaká venceu e iniciou o percurso lá, só que ficou enjoado, e Juh ficou com ele até que melhorasse. Na verdade, até que os dois dormissem, pelo menos seria uma viagem noturna, e eles poderiam descansar.
Coloquei o fone no máximo em uma playlist de rock, fechei os olhos e permaneci no meu mundinho por um bom tempo. Não consegui adormecer, e algo me incomodava muito: a velocidade do veículo.
Estava bem lento, e eu fiquei tentando observar se alguém havia notado também. Porém, todos pareciam tranquilos. Juh tinha retornado, e eu nem percebi. Quando a vi, abaixei o fone para o pescoço, e ela tinha uma expressão um pouco chateada.
— O que foi, gatinha? — perguntei.
— Não gosto quando vocês brigam. — ela respondeu, se referindo aos meus irmãos, ao mesmo tempo em que sentava no meu colo.
— Nós brigando o tempo inteiro... — justifiquei, mesmo entendendo ao que ela se referia.
— Não assim, vocês brincam de brigar, mas não brigam... — ela explicou, e eu envolvi meus braços em sua cintura, abraçando forte.
— A gente não brigou, vai ficar tudo bem... Confia em mim! — garanti, e dei um beijinho nela.
— Amanhã você vai pedir desculpas para eles. — Juh afirmou, cruzando os braços.
— Não vou, não! — falei, rindo.
— Mas, amooor, essa viagem tem que ser legal. Se vocês ficarem desse jeito, nossa única lembrança vai ser triste. — ela disse, visivelmente chateada.
— Conheço meus irmãos e me conheço, não vai chegar nesse extremo. Quando você menos esperar, vai estar tudo bem. — confirmei.
Passei uma das mãos pelos seus cachinhos, fazendo carinho, e suspendi a sua face. Puxei o rosto para mim e dei um beijo. Depois, ela apoiou o rosto sobre o meu peito, e ficamos assim por algum tempo.
— Sabia que tá sendo a melhor parte do meu dia? — perguntei.
— Acho que era para eu ter feito isso antes, não era? — ela perguntou, mas não me deixou responder. Nos beijamos novamente.
A gente ficou fazendo carinho uma na outra, e novamente voltei a atenção para a velocidade do ônibus.
— Acho que não teremos só duas horas a mais, não, viu?! — falei, e foi então que Juh notou, e concluímos que aquilo estava estranho.
Um pouco de tempo depois, o ônibus parou em um autoposto e nos avisaram que havia quebrado no meio do percurso (duvido muito), mas que outro já estava a caminho para o nosso destino.
Descemos e sentamos em uma mesa. Aproveitei para comprar um suco para a gente, estava bem quente.
Quando voltei, Juh, Sarah e Mih foram usar o sanitário, e Victor levou Kaká para fazer o mesmo. Loren e Lorenzo estavam putos pelo ocorrido, e isso me divertiu. Eles me olhavam ainda como se quisessem rir de mim, pelo meu estresse. Se entreolhavam e mordiam os lábios.
— Quero que vocês dois vão se fuder! — falei, mas de um jeito divertido, e eles explodiram em risadas.
— Porra, esse ônibus só quebrou porque você ficou jogando praga, tenho certeza — disse Lorenzo.
— Comigo dentro dele ou não, quebraria... Porém, se estivéssemos de carro, não nos afetaria — falei, convencida.
— Sua energia pesada ajudou, com certeza — concluiu Loren.
E ficamos assim, culpando um ao outro e rindo da situação. Quando todos voltaram, ficaram sem entender.
— Eles que são irmãos, eles que se resolvam — Sarah disse, rindo.
— Que família estranha a gente foi se meter — falou Victor, também rindo.
— Ebaaaa, finalmente! Eu não aguentava mais vocês calados e mal-humorados!!! — comemorou Juh.
— Victor e Sarah também... — ia perguntando, mas eles entenderam e balançaram a cabeça afirmando. Meus cunhados também estavam trabalhando nos ouvidos deles dois.
— Conta como foi, você pediu desculpas? — Juh perguntou.
— Não!!! — neguei firmemente.
— Ahhhh, você ia pedir desculpas??? Que coisa fofa! — zoou Loren. Ela sabia que eu não pediria.
— Cunhadinha, você tem a senha, viu?! Seria um feito raro! — falou Lorenzo.
— Eu não ia pedir porque não estou errada! — disse, convencida.
— Agora eu quero um discurso, Lore! — disse Sarah, entrando na brincadeira deles.
Eu bati o celular na garrafa de água, como se estivesse pedindo silêncio, e fui para o meio dos meus irmãos.
— Pera, eu vou gravar, quero ter esse momento registrado — falou Victor, e eu dei o tempo necessário. Eu também queria esse vídeo.
— Gostaria de esclarecer que não estou pedindo desculpas — aaaaah... — eles lamentaram, e eu continuei — pois acredito que minha posição foi fundamentada em um entendimento legítimo do contexto e da situação. Minha discordância em relação à decisão tomada reflete uma visão diferente, mas isso não implica em um erro de minha parte. Entendo e respeito a decisão burra de vocês, mas acredito que a discussão e a troca de pontos de vista são fundamentais para a melhoria de qualquer processo. Porém... Gostaria de agradecer aos meus irmãos, minha mulher e meus filhos PELA EXPERIÊNCIA MARAVILHOSA QUE ESTOU TENDO!!!! — E rimos muito.
O outro ônibus chegou e nós tivemos um trajeto tranquilo até Lençóis. Dormimos o dia inteiro, mas conseguimos aproveitar algumas coisas à tarde. O bordão da viagem virou elogiar a experiência daqueles dias em tom irônico. Felizmente, o estresse e a irritação foram deixados para trás, e nós curtimos muito cada lugar.
PS: Brad ficou em Salvador, em uma CRECHE PARA CACHORROS 😂