A LUA QUE EU TE DEI - CAP 15 - AJUDA

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 1732 palavras
Data: 04/01/2025 05:03:23

Gravar aquele vídeo foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na minha vida. Me sentei no pequeno sofá do Leopoldo, com a câmera posicionada no tripé, enquanto meus dedos tremiam sobre o controle. A luz natural entrava pela janela, mas parecia que eu estava mergulhado em escuridão.

Benê e Beto perceberam que eu precisava de espaço. Com Piccolo no colo, eles saíram para caminhar pela praia, me deixando sozinho com meus pensamentos e uma tela em branco para preencher.

Respirei fundo. Era agora ou nunca.

— Oi, pessoal... — comecei, mas minha voz saiu rouca, quase inaudível. Engoli em seco e recomecei. — Oi, pessoal, é o Joaquim.

Meu reflexo na lente da câmera parecia estranho, como se eu estivesse olhando para um desconhecido. Continuei:

— Eu não sei exatamente como começar isso, mas preciso ser honesto. Recentemente, um vídeo meu, algo muito íntimo, foi exposto na internet. E, pra ser sincero, eu nunca senti tanta vergonha na vida.

Minhas mãos se fecharam em punhos no colo, enquanto eu olhava diretamente para a câmera, tentando parecer firme.

— Eu cometi um erro. Confiei em alguém que não deveria. Fui ingênuo, e agora estou pagando um preço alto por isso. Sei que alguns de vocês podem estar me julgando, mas peço que, por favor, não me condenem por algo que já me dói tanto.

Minha voz tremeu, e precisei pausar para recuperar o fôlego. Lágrimas começaram a escorrer, mas eu as deixei cair. Não tinha mais motivo para esconder.

— Eu sou mais do que aquele vídeo. Sou um homem honesto, trabalhador, sonhador. Tenho planos, tenho metas... E, acima de tudo, eu tenho um motivo muito especial para continuar essa viagem.

Minhas mãos pegaram o diário do meu pai, repousado ao meu lado. O simples toque no couro desgastado me deu um pouco de força.

— Meu pai, Agenor, sempre sonhou em fazer essa viagem. Ele amava cada pedaço dessa rota, mesmo sem nunca tê-la percorrido. Quando ele faleceu, decidi realizar esse sonho por ele. E é isso que eu vou fazer. Não importa o que as pessoas digam, não importa quantos comentários cruéis eu receba. Vou continuar.

Aproximei-me da câmera, encarando o meu próprio reflexo com uma determinação renovada.

— Peço que vocês me acolham, não pelo erro que cometi, mas pela pessoa que eu sou e pela pessoa que eu estou tentando me tornar.

Com lágrimas nos olhos, desliguei a câmera. Durante um instante, fiquei parado, olhando para o nada, sentindo o peso do mundo nos meus ombros.

Depois de editar o vídeo com cuidado, ajustando cada frame para que refletisse exatamente o que eu queria dizer, cliquei no botão de enviar. Era um salto no escuro, uma entrega completa.

Fiquei ali, esperando pelo impacto, como um homem diante de uma tempestade. E, pela primeira vez em muito tempo, me permiti acreditar que, talvez, pudesse sobreviver a isso.

—São as desvantagens de se tornar um influenciador. —comentei, respirando fundo.

Sentado no sofá, com o gosto amargo da ansiedade ainda preso na garganta, deixei o olhar escapar pela janela. Lá fora, Beto e Benê estavam na praia, envolvidos em mais uma cena que só os dois poderiam protagonizar.

Piccolo, o pequeno terror de quatro patas, estava em sua missão de sempre: infernizar a vida de Benê. O gato dava pequenos pulos e tentava agarrar as pernas do meu irmão, enquanto ele corria em círculos, gritando como se estivesse sendo atacado por um monstro gigante.

— Sai, Piccolo! Eu sou teu amigo, porra! — Benê gritava, segurando um pedaço de pau na tentativa de se defender.

Beto, por outro lado, não estava ajudando. Ele ria tanto que mal conseguia ficar de pé, dobrado de tanto rir da cena absurda. Até Piccolo parecia estar se divertindo, como se tudo fosse uma grande brincadeira.

No horizonte, o sol começava a se esconder, tingindo o céu com tons de laranja, rosa e dourado. Era como se o universo tivesse decidido que, mesmo com as confusões de cada dia, ele ainda merecia nos dar um presente visual.

Suspirei, sentindo um calor suave crescer no peito. Nunca imaginei que estaria aqui, vivendo isso. Há alguns meses, a ideia de cruzar o país de motorhome era tão distante quanto uma fantasia. Fazer isso ao lado do meu irmão, com quem sempre tive uma relação tumultuada, e de Beto, um amigo... não, um algo mais especial, era simplesmente surreal.

A vida é estranha, pensei. Ela te joga no fundo do poço, te puxa pra lugares escuros, mas, de vez em quando, te dá momentos como este. Momentos em que você olha pela janela e vê duas pessoas que ama sendo ridículas na praia, enquanto um pôr do sol cinematográfico se desenrola no fundo.

Sorri. Talvez ainda houvesse espaço para esperança, para recomeços e, quem sabe, para um pouco de paz.

Me levantei e abri a porta do motorhome.

— Ei, Benê, para de fazer escândalo! Tá assustando as baleias! — gritei.

Benê olhou para mim com o rosto vermelho de esforço e gritou de volta:

— Então vem aqui segurar esse monstro, Senhor Aventuras!

Beto, ainda rindo, me chamou com um gesto, e por um segundo, tudo pareceu mais leve.

Talvez, só talvez, eu estivesse começando a acreditar que tudo ficaria bem.

Dirigir o Leopoldo tinha se tornado quase terapêutico para mim. A estrada aberta, o ronco constante do motor, e o peso do silêncio enquanto Benê e Beto discutiam detalhes triviais. Dessa vez, no entanto, a calmaria foi interrompida por algo que nenhum de nós esperava.

A placa de Rio Gallegos era um lembrete de que estávamos chegando cada vez mais perto do nosso destino, o tão sonhado Ushuaia. Benê, como sempre, parecia uma criança elétrica, disparando informações como se estivesse narrando um documentário ao vivo. Eu estava prestando mais atenção na estrada do que nele quando avistamos a Kombi virada.

Meu coração congelou. Não dava pra confundir: era a Kombi do casal que conhecemos na Península Valdés, Tereza e Salamão. Parei o Leopoldo na primeira oportunidade, e todos descemos quase correndo.

A cena era de caos. Algumas pessoas já ajudavam Salamão, que parecia preso na Kombi, enquanto Tereza estava sentada no chão, coberta de sangue. Ela tremia, e lágrimas escorriam pelo rosto.

— Tereza, meu Deus! — exclamei, me abaixando ao lado dela.

— Foi tudo muito rápido. — ela balbuciava, como se tentasse encontrar sentido no que tinha acontecido. — Um minuto. A gente se distraiu por um minuto.

— Calma, vai ficar tudo bem. — Beto se agachou ao lado dela, já com panos limpos que trouxe do Leopoldo. Ele começou a limpar o sangue com um cuidado que só ele teria. Era impressionante como ele parecia manter a calma, mesmo quando o mundo desmoronava.

Me reuni com o grupo, que ajudava o casal. Eram brasileiros e argentinos. De acordo com um deles, o hospital não estava tão longe, mas a maioria estava viajando em carros pequenos. Então, eu me ofereci para levá-los ao hospital.

Olhei para Benê, mas ele parecia paralisado, os olhos fixos na cena, como se tivesse esquecido como se mover. Me aproximei dele, colocando uma mão firme em seu ombro.

— Benê, preciso que você prepare o carro. Vamos levar eles ao hospital. — Ele hesitou, mas assentiu e correu para o motorhome.

Algumas pessoas ajudaram a levar Tereza e Salamão até o Leopoldo. Piccolo ficou assustado com a movimentação, mas, surpreendentemente, se acalmou quando Benê o pegou no colo.

Salamão gritava de dor, a perna claramente quebrada, enquanto Tereza continuava em estado de choque. Dirigir até o hospital foi uma das experiências mais tensas da minha vida. Eu sentia a pressão em cada músculo do meu corpo, mas sabia que não podia ceder. Eles precisavam de mim.

— Tereza! — gritou Salamão. — Você está bem?

— Tô. — ela se aproximou e pegou na mão do esposo. — Aguenta só um pouco, meu amor.

— E a Kombi? — ele quis saber.

— Não se preocupe. — pediu Benê, que estava no banco do motorista, enquanto outras pessoas estavam com o casal atrás. — Nosso amigo, Beto, vai cuidar de tudo.

Vinte minutos pareciam horas, mas finalmente chegamos. O hospital os recebeu de imediato, e precisei voltar para deixar os outros viajantes e buscar Beto, que ficou para lidar com a polícia e cuidar da Kombi. O silêncio no carro era pesado, mas eu sentia que todos estavam processando o que tinha acontecido.

— E então? — questionei a Beto, que estava com diversas bolsas e mochilas. — Peguei tudo que achei importante. O guincho levou a Kombi para o pátio da polícia.

— Tudo bem. — respirei fundo, agora um pouco mais calmo.

Quando voltamos ao hospital, já era noite. Tereza havia sido atendida e estava bem o suficiente para nos agradecer, apesar de ainda estar muito abalada. Ela contou que a família no Brasil já estava providenciando ajuda, e uma das filhas viria para acompanhá-los.

— Graças a Deus que moramos em um motorhome. — Beto comentou enquanto se espreguiçava, quebrando o silêncio no estacionamento.

— Sim. Podemos dormir em qualquer lugar. — concordei, acariciando Piccolo, que ronronava no meu colo. — Posso te fazer uma pergunta?

— Bah, claro! — ele exclamou, colocando a toalha no ombro.

— Como você faz para ficar tão calmo?

— Calmo, eu? — ele questionou. — Guri, eu tava apavorado, mas nascendo em uma família tão conservadora tive que aprender a mascarar todos os meus medos.

— Deve ser cansativo. — comentei. — Ei, sabe que não precisa usar esses escudos com a gente, né?

— Sim. E essa é a melhor parte desta viagem. — ele se aproximou e me deu um selinho. — Ainda mais quando um dos meus companheiros é um piá lindo.

Beto anunciou que ia tomar uma ducha, deixando Benê e eu sozinhos. Percebi que ele estava mais calado do que o normal.

— E você, tá bem? — perguntei, esperando que ele dissesse algo trivial ou fizesse uma piada.

Mas não foi o que aconteceu. Ele desviou o olhar e disse, com a voz embargada:

— Sei lá... Aquele sangue todo, os gritos do cara... Fico imaginando se os últimos minutos dos nossos pais foram assim.

Benê começou a chorar. Foi como se uma represa tivesse arrebentado. Eu não sabia o que dizer. De nós dois, ele sempre foi o mais forte, ou pelo menos fingiu ser. Ele quase nunca falava sobre o acidente que tirou nossos pais de nós, mas ali estava ele, desmoronando.

Me aproximei e o abracei. Não disse nada. Não havia nada a dizer que pudesse consertar aquela dor. Só fiquei ali, segurando meu irmão, enquanto ele liberava tudo aquilo que carregava em silêncio há tanto tempo.

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Comentários

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A dor da saudade e tanto física como espiritual.saudades sentimento de carinho e recordação.capitulo forte e emotivo.dois irmãos cada vez mais juntos.

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