Há dois anos, Brenda cruzou meu caminho como uma tempestade de risos e olhares que me fizeram esquecer até meu próprio nome. Nos primeiros meses, éramos incendiários. Cada toque, cada noite, cada segredo compartilhado parecia alimentar um fogo que nem a chuva mais forte seria capaz de apagar. Ela era minha parceira em tudo: nas aventuras, nas loucuras de madrugada, e principalmente no sexo, onde nos perdíamos como se o mundo exterior não existisse.
Mas o tempo, esse velho ladrão de magia, começou a carregar consigo as brasas que nos mantinham aquecidos. Há seis meses, notei que Brenda já não me procurava com a mesma urgência. Seus beijos viraram protocolares, seus abraços, breves. As desculpas eram sempre as mesmas: “Estou cansada”, “Não é você, é minha cabeça”. Eu me convencia de que era passageiro, até o dia em que ela confessou, com lágrimas, que nem mesmo sabia explicar o que havia mudado.
Foi em uma tarde qualquer, no laboratório de química da faculdade, que ouvi o murmúrio que mudaria tudo. Dois colegas conversavam sobre uma fórmula caseira, algo que chamavam de “Viagem Feminino”. “É tipo um estimulante natural, sem contraindicação,” disse um deles, com um sorriso que hoje me parece mais sinistro do que confiante. Achei absurdo… até que a solidão de ver Brenda distante me fez pedir a tal fórmula.
Quando o frasco chegou às minhas mãos, as instruções eram claras: “Uma gota por dia, dissolvida em líquido. Efeito gradual.” Mas na pressa de resolver tudo, na ansiedade de ver Brenda de volta a mim, li “um frasco por dia”. Eram apenas 24 horas entre a decisão e o ato.
Na manhã seguinte, preparei o café como sempre, mas com um ingrediente extra. O frasco inteiro escorreu para o suco de laranja, enquanto eu repetia mentalmente: “Isso vai nos salvar”. Brenda bebeu tudo, sem suspeitar. Eu esperava um dia tranquilo em casa, onde poderíamos recomeçar. Mas o destino riu da minha cara.
Enquanto ela vestia o casaco, o celular tocou. Era o pai dela, dono do Bar do Seu Carlos, na esquina da Rua das Acácias. “Preciso fechar o caixa hoje, Brenda. Você pode vir?” Ela assentiu, sem me consultar. Meu coração gelou. “Vou contigo,” disse, antes mesmo de pensar.
O bar era um lugar simples, com luzes baixas e cheiro de cerveja antiga. Enquanto ajudava Brenda a organizar as prateleiras, meu olhar não saía dela. “Tudo bem?” ela perguntou, notando meu silêncio. Mentir doía: “Só queria estar perto.”
Mas às 21h, o primeiro sinal apareceu. Brenda levou a mão à testa, corando. “Estou sentindo um calor…”, murmurou. Seus olhos, antes apáticos, brilhavam como há muito não via. Ela abriu o segundo botão da blusa, sem cerimônia. Meu pulso acelerou. Era a fórmula.
Em minutos, o bar encheu. Gritos, música alta, copos batendo. Brenda, normalmente tímida, começou a rir alto com os clientes, a dançar ao servir drinks. Um homem de barba grisalha a puxou pelo braço, elogiando seu sorriso. Ela não o afastou.
“Precisamos ir embora,” tentei dizer, mas ela me ignorou, subindo no balcão para atender um pedido. Seu pai, na sala dos fundos, não via nada. Eu sim. Via cada olhar que ela recebia, cada movimento que já não era só meu. A fórmula funcionara… mas não para mim.
E então, no auge do caos, Brenda olhou para mim. Seus lábios formaram palavras que eu nunca esperaria: “Por que você está aqui?”
O bar, outrora um lugar de risos e confissões bêbadas, transformou-se em um palco de sombras. As luzes piscantes pareciam zombar da minha impotência, enquanto Brenda, sob o efeito daquela fórmula maldita, se movia como uma marionete com os fios cortados. Seus gestos eram fluidos, mas vazios; seus olhos brilhavam, mas não me viam. Quando seus lábios encontraram os meus, não havia amor ali — só química crua, uma fome que não pertencia a ela.
Os homens ao redor formaram um semicírculo, suas presenças pesadas como facas apontadas. Um deles, de voz rouca, perguntou se queríamos privacidade. Brenda riu, um som que ecoou como vidro quebrado, e sacudiu a cabeça. “Fiquem,” disse, como quem convida espectadores para um espetáculo. As portas se fecharam com um clique final, e o ar ficou denso, carregado de uma eletricidade perversa.
Ela se despiu com uma urgência que não era dela — era a fórmula falando, corroendo sua dignidade como ácido. Cada peça de roupa que caía no chão era um pedaço da Brenda que eu conhecia se desintegrando. Tentei segurá-la, cobri-la, mas suas mãos me empurraram com força inesperada. “Não estrague isso,” sussurrou, e pela primeira vez, senti medo dela.
Quando me vi exposto, não foi apenas o corpo que tremeu, mas a alma. Os olhares dos homens eram farpas, e eu, um animal encurralado. Brenda me puxou para perto, mas não havia conexão — só necessidade. O sexo foi rápido, mecânico, um reflexo do que já foi amor. Quando acabou, ela não chorou, não sorriu. Apenas fixou os olhos em mim, como se buscasse algo que não estava mais lá.
E então, veio o pedido.
“Uma fila,” ela disse, apontando para os homens. A voz dela era de outra, uma estranha vestindo a pele da minha Brenda. Meu rosto queimou de vergonha, mas o silêncio me paralisou. Recuei para um canto, meu corpo encolhido contra uma parede fria, enquanto assistia àquela versão distorcida dela se entregar a mãos e bocas alheias. Cada risada, cada gemido, era um prego no caixão do que fomos. Eles metiam nela com uma força e urgência que eu nunca fiz.
Nenhum deles a tocou como eu costumava fazer. Nenhum deles sabia que ela odiava ser beijada no pescoço, ou que precisava de silêncio absoluto para dormir. Brenda estava lá, mas não estava. Sua mente flutuava em algum lugar entre a fórmula e o vazio, enquanto o corpo respondia a estímulos que não escolheu.
Um dos homens, mais jovem, hesitou. “Ela tá bem?” perguntou, olhando para mim. Não respondi. Como explicar que aquilo era minha culpa? Que eu a reduzira a um experimento químico? Brenda gargalhou, puxando-o pelo colarinho. “Você tá com pena ou com vontade?” provocou, e ele cedeu, como todos cediam todos esperavam sua vez novamente para meter nela com mais força.
Eu fechei os olhos, mas as imagens persistiam. Lembrei da primeira vez que a levei para jantar, de como ela corou ao derrubar vinho na toalha branca. Agora, a mesma pessoa se contorcia no balcão de um bar, suja de suor e de porra de mais de 6 homens. A fórmula não a estimulara — a apagara.
Foi o pai dela quem interrompeu o pesadelo. Seu Carlos bateu na porta trancada, gritando por Brenda. Os homens se dispersaram como baratas, vestindo pressa e culpa. Ela, ainda sob o efeito da droga, tentou segurá-los, mas tropeçou em garrafas vazias. Quando seu pai arrombou a porta, encontrou a filha nua, confusa, cheia de semen, e eu — o namorado — encolhido como um criminoso.
“O que fizeram com ela?!” ele rugiu, segurando Brenda, que riu sem entender. Eu balbuciei explicações, mas as palavras morriam na garganta. Como confessar que fui o autor daquela tragédia?
No hospital, horas depois, os médicos falaram em overdose de estimulantes. Brenda foi sedada, seu corpo tremendo em convulsões silenciosas. Seu Carlos me encarou, lágrimas contidas: “Você sabia. Você fez isso.” Não neguei.
A Brenda que acordou no dia seguinte não era a mesma. Seus olhos evitavam os meus, suas mãos tremiam. A fórmula deixara marcas não só no corpo, mas na mente. “Sinto nojo de mim,” ela confessou, cobrindo o rosto. “Por que você permitiu?”
Não havia resposta que a absolvesse. Eu a amava, sim, mas meu amor fora egoísta, controlador. Quis possuí-la, não entendê-la. A fórmula só revelou o que já estava lá: meu medo de perdê-la, transformado em veneno.
Voltei ao curso de química na semana seguinte. Os colegas que me deram a fórmula haviam sumido. Descobri, por um professor, que a tal “Viagem Feminino” era uma lenda urbana do campus — uma mistura de antidepressivos estimulantes e hormônios roubados de laboratório super perigosos, nunca testada. Fui cobaia do meu próprio desespero.
No último parágrafo do meu diário, escrevi:
“Destruí o que amava para salvar o que já estava morto.”
Brenda nunca mais falou comigo. Seu Carlos me proibiu de chegar perto do bar. Às vezes, passo pela esquina e vejo ela através da janela, servindo drinks com um sorriso que não chega aos olhos. A fórmula saiu do seu sangue, mas não do nosso passado.
E eu carrego o frasco vazio no bolso, como lembrança de que algumas viagens não têm volta.