Fiquei confuso com a visita inesperada de Bernardo e não sabia como agir. Talvez aquele fosse o momento de colocar tudo em pratos limpos, contar a ele sobre meus sentimentos por Lucas. Mas algo me dizia para esperar, entender primeiro o real motivo por trás de sua visita inesperada.
— E então, que surpresa boa é essa? — perguntei, tentando manter um tom leve.
— Estava com saudades de você... e de todos — respondeu Bernardo, mas sua voz soou diferente, quase hesitante. Franzi a testa, desconfiado.
— Sua voz está estranha. Aconteceu alguma coisa? Te conheço bem, Bernardo.
Ele suspirou, parecendo buscar forças para continuar.
— Então… existe sim um motivo para eu ter voltado. E acho que preciso da sua ajuda, Rafa. Estou um pouco perdido.
Minha preocupação aumentou. Ele evitava me olhar nos olhos, algo muito raro vindo de Bernardo.
— O que aconteceu? Você sabe que pode contar comigo para o que precisar.
— Eu sei disso, Rafa. É por isso que estou aqui — ele fez uma pausa longa, como se as palavras fossem pesadas demais para sair. — Em São Paulo, me senti um pouco sozinho... mas não é exatamente sobre isso. Até porque o curso é muito intenso, passo o dia estudando.
Ele olhou para o chão, respirou fundo e continuou:
— Um dia, passei mal e fui ao hospital. Fiz alguns exames… E eu estou doente, Rafa. Estou com câncer.
As palavras dele me atingiram como uma rajada de vento gelado. Meu coração apertou de uma forma que mal conseguia respirar. Aquele não era o motivo que eu esperava, nem remotamente. Bernardo, tão cheio de vida e energia, agora estava me contando algo que parecia impossível.
— Como assim? O que houve? — perguntei, tentando manter a calma, mas minha voz tremeu.
Ele ergueu o olhar para mim, e o que vi nos olhos dele me devastou: medo, vulnerabilidade e, acima de tudo, a busca desesperada por apoio.
Eu ainda estava atônito com o que acabara de ouvir. Bernardo parecia calmo por fora, mas eu podia sentir o peso que carregava. Ele respirou fundo, como se estivesse se preparando para me dar mais detalhes.
— O que os médicos disseram exatamente? — perguntei, tentando processar tudo, mas ainda sem saber como agir.
— Eu comecei a sentir umas dores na barriga, às vezes náuseas, mas achei que fosse o estresse do curso, a correria. Um dia, passei mal mesmo, com uma dor forte no estômago, e fui para o hospital. Lá, fizeram alguns exames, uma ultrassonografia, depois pediram uma endoscopia. Foi aí que descobriram o tumor, Rafa.
— No estômago? — perguntei, engolindo seco.
— Sim. É um tumor pequeno, localizado. O médico me explicou que é um tipo de câncer que, felizmente, foi detectado cedo. Disseram que, como ele está bem no início, é considerado "simples" de tratar, sabe?
— E o que você vai precisar fazer? — perguntei, tentando esconder a aflição na minha voz.
— O médico falou que o tratamento ideal é a cirurgia para retirar o tumor. Depois, talvez eu precise fazer radioterapia, mas as chances de cura são muito altas, Rafa. Ele me disse que, se tudo for feito a tempo, posso me recuperar completamente.
Eu senti um alívio pequeno ao ouvir isso, mas ainda assim era difícil lidar com a ideia de Bernardo passando por algo tão sério.
— Então é uma cirurgia… — repeti, mais para mim mesmo. — E quando você vai fazer isso?
Ele desviou o olhar, o desconforto evidente.
— E é aí que entra o problema, Rafa. Preciso fazer a cirurgia o quanto antes. Mas eu não contei nada para os meus pais ainda.
— Como assim? Eles não sabem? — perguntei, chocado.
— Não… — ele respondeu, balançando a cabeça. — É que eu fiquei tentando processar tudo, sabe? Não queria preocupar ninguém antes de ter certeza de como seria o tratamento. Só que agora não dá mais para adiar. Preciso da ajuda deles, principalmente porque vou precisar voltar pra casa por um tempo para me recuperar.
— Vou ligar para o meu pai, acho que ele é a melhor pessoa para dar a notícia ao tio Alysson. — Falei, pegando o telefone com mãos ligeiramente trêmulas.
Bernardo assentiu em silêncio, claramente aliviado por não ter que enfrentar isso sozinho. Liguei, e meu pai atendeu rapidamente.
— Boa noite, filhão. Já voltou da viagem?
— Oi, pai. Já sim, tô no meu apartamento. Onde o senhor está?
— Estou jantando com a Sofia.
— Preciso que venha aqui e traga a Sofia também. É urgente.
— O que aconteceu? — a preocupação na voz dele era evidente.
— O Bernardo está aqui. Quando chegar, te explico.
— O Bernardo? Mas ele não deveria estar em São Paulo? O que ele tá fazendo aí?
— Pai, só venha, por favor. É sério.
— Certo, estou indo. Chego rapidinho.
Desliguei e, assim que coloquei o telefone na mesa, notei uma mensagem do Lucas:
"Estava aí até agora, esperando que você fosse dispensar seu namoradinho, mas pelo visto deve estar aproveitando bastante. Quer saber? Foi um erro me envolver com você. Me esquece. Não saí no seu carro, a chave está na portaria."
Meu peito apertou. Por mais que eu amasse o Lucas, que desejasse ele mais do que qualquer coisa, aquele não era o momento. Eu precisava estar ali para o Bernardo. Ele não era só meu primo e amigo; ele tinha sido meu primeiro namoro, alguém importante demais para eu simplesmente largar tudo e ir atrás de me justificar com Lucas.
Guardei o telefone e me virei para o Bernardo, que parecia cada vez mais inquieto. Conversamos um pouco enquanto esperávamos, e ele me mostrou alguns exames que havia trazido. Graças ao meu estágio na liga do câncer e as minhas aulas em medicina, consegui entender parte do que estava ali. Era um tumor pequeno, ainda localizado, e eu soube que, tratado a tempo, as chances de cura eram altas. Tentei tranquilizá-lo com essas palavras.
— Bernardo, pelo que vejo aqui, o tumor está bem no início. Isso é bom. Com a cirurgia e o tratamento adequados, você tem uma chance enorme de superar isso.
Ele assentiu, visivelmente mais calmo, mas ainda havia uma tensão no ar, um medo que ele não conseguia esconder completamente.
Pouco tempo depois, meu pai chegou com Sofia. Assim que entraram, meu pai perguntou diretamente:
— O que aconteceu?
Olhei para Bernardo, e ele deu um leve sinal com a cabeça, permitindo que eu explicasse. Contei tudo com calma. Meu pai ficou visivelmente abalado, mas respirou fundo, se aproximou de Bernardo e lhe deu um abraço reconfortante. Depois, pegou os exames e os analisou com atenção.
— Bernardo, eu sei que o que você está enfrentando parece tranquilo no papel, mas o câncer é uma doença silenciosa. Temos que agir rápido. Vou ligar para um amigo meu, um dos melhores oncologistas que conheço. Vou mandar esses exames para ele hoje mesmo e ver se conseguimos uma consulta para você amanhã.
— Obrigado, tio. — Bernardo respondeu com a voz embargada, emocionado.
Meu pai continuou:
— Mas, antes disso, precisamos comunicar seus pais. Isso não pode ser adiado. Sua mãe, por ser médica, vai entender a gravidade e nos ajudar a organizar tudo. Vou ligar para ela e explicar. Ela pode contar ao meu irmão do melhor jeito. Vou pedir para eles virem para a capital o quanto antes.
Observei Bernardo, que apenas assentiu. Ele parecia cansado, mas havia uma pontinha de alívio em seu olhar. Meu pai foi para o meu quarto ligar para a tia Claudia, o que achei estranho. Resolvi segui-lo, pois queria ouvir a conversa. Meu pai era mais experiente do que eu e poderia ter notado algo nos exames.
Ele fechou a porta e discou rapidamente. Quando Claudia atendeu, a voz dela estava tranquila.
— Boa noite, cunhadinha. — falou meu pai.
— Boa noite, cunha! Está atrás de falar com o Alysson? Ele está lá embaixo assistindo ao Fantástico.
— Ótimo, mas preciso falar com você a sós. Quero pedir que você e o Alysson venham para a capital logo cedo amanhã.
— O que aconteceu? É algo com o Rafa?
— Não... O Bernardo está aqui.
— Bernardo? O que ele está fazendo aí?
— Ele está doente, Claudia. Está com um tumor no estômago, no mesmo local que o meu pai teve. Ele está um pouco abatido com a notícia e não sabia como contar para você nem para o Alysson.
— Meu Deus! Eu preciso falar com ele! Preciso ver meu filho!
— Calma, está tudo sob controle. Preciso que você converse com o Alysson e venha pela manhã. Não adianta pegar a estrada a essa hora da noite. O Bernardo está aqui comigo e com o Rafa. Aparentemente, a gravidade não é tão alta. Amanhã ele precisa dar baixa no hospital e fazer alguns exames. Tenho um amigo oncologista que pode atendê-lo.
— Não posso esperar até amanhã!
— Claudia, não adianta vir agora. Ele está em segurança, e estamos cuidando de tudo. Amanhã pela manhã, vocês podem estar aqui e começar a resolver isso com calma.
— Certo... Eu vou falar com o Alysson agora mesmo. Estaremos na capital o mais rápido possível.
— Obrigado, Claudia. Qualquer coisa me avise. Estamos no apartamento do Rafa, mas devo levá-los para minha casa.
Meu pai desligou e se virou para mim.
— Pai, é grave o caso do Bernardo? E como assim, no mesmo local que o seu pai?
Ele colocou a mão no meu ombro, tentando me tranquilizar.
— Filho, não parece grave. Os exames mostram algo inicial, tratável, mas o Bernardo fez esses exames há duas semanas. E, como sempre digo, tudo pode acontecer, inclusive nada. Por isso precisamos de uma avaliação completa e mais exames para garantir.
— E o vô? — perguntei, sentindo um aperto no peito.
— Seu avô teve um câncer no estômago, mas foi um caso muito agressivo. O diagnóstico veio tarde, e a doença já tinha se espalhado. Você não teve a chance de conhecê-lo por isso. Mas, veja bem, não estou dizendo que o caso do Bernardo seja o mesmo. Ele tem tudo a favor: é jovem, descobriu cedo, e estamos agindo rápido. A diferença é que, na época do seu avô, não havia tantos recursos.
As palavras dele eram tranquilizadoras, mas ainda assim doíam. Saber que meu pai estava revisitando a dor que viveu com o meu avô mexia comigo.
Voltamos para a sala, e o clima estava mais leve entre mim e Bernardo. Quando o meu pai sugeriu que fôssemos para a casa dele, concordamos sem pensar duas vezes. Assim, Bernardo teria mais conforto e apoio.
Na casa do meu pai, Bernardo ficou no meu quarto, e nós continuamos conversando até tarde. Ele falou sobre o curso em São Paulo, sobre os caras com quem havia saído e sobre as experiências que teve na cidade. Era bom vê-lo sorrir, ainda que por momentos, esquecendo o peso que carregava. Eventualmente, acabamos adormecendo, mas eu me prometi que estaria ao lado dele em cada passo desse caminho.
Por volta das seis da manhã, fomos despertados por vozes e o som de passos apressados. Meu tio Alysson e minha tia Claudia haviam chegado. Eles entraram no quarto sem cerimônia, e Claudia correu para abraçar Bernardo. Foi um abraço cheio de lágrimas, de ambos os lados.
— Meu filho, por que não me contou antes? — Claudia soluçou, acariciando o rosto dele.
— Eu não sabia como dizer, mãe. Estava com medo... — Bernardo respondeu, a voz fraca.
Alysson, que até então permanecia em silêncio, também o abraçou, as lágrimas discretamente escorrendo pelo rosto.
— Você não precisa passar por isso sozinho, filho. Estamos aqui por você, sempre.
O quarto ficou tomado por uma mistura de alívio, preocupação e amor. Era doloroso ver o impacto da notícia na família, mas também era bonito ver o apoio incondicional. Meu pai apareceu na porta e conduziu a todos para a sala, onde começou a organizar o próximo passo com clareza e objetividade.
A luta do Bernardo estava apenas começando, mas, com toda aquela rede de apoio, eu sabia que ele teria forças para vencer.
Fomos todos para o hospital. O médico amigo do meu pai, Dr. Juliano, já estava lá. Ele fez alguns exames no Bernardo, analisou o caso e nos tranquilizou ao dizer que, aparentemente, tudo estava sob controle. Ele acreditava que uma cirurgia, acompanhada de algumas sessões de radioterapia, seria suficiente. Bernardo precisaria ter bastante cuidado após o tratamento, mas as chances de recuperação completa eram boas.
Apesar do alívio inicial, ainda era necessário realizar uma nova tomografia e outros exames mais específicos para termos certeza de tudo. Bernardo se mostrava calmo e confiante, mas eu percebia a tensão no olhar do meu pai e do meu tio. Era como se estivessem revivendo algo doloroso, talvez memórias da luta do meu avô contra o câncer. Mesmo assim, todos se mantinham fortes.
Aproveitei um momento mais tranquilo para responder à mensagem de Lucas:
"Lucas, desculpa. O Bernardo está doente e precisava de mim para contar à família. Não posso abandoná-lo. E já que você quer que eu suma, tudo bem, vou sumir. A gente começou errado, com muito ciúmes, e as chances de dar certo são nulas. Enfim, se cuida."
Depois de enviar a mensagem, peguei o celular e liguei para JP. Contei a ele sobre a situação do Bernardo, e JP, visivelmente abalado, disse que passaria no hospital para dar apoio. Achei fofo da parte dele. Era claro que JP estava gostando do Bernardo, e sua preocupação demonstrava o quanto ele se importava.
Lucas, por outro lado, não respondeu minha mensagem. No final do dia, tivemos os resultados dos exames: Bernardo faria a cirurgia em dois dias. Era um procedimento relativamente pequeno, e as chances de o câncer voltar seriam bem baixas. Ele, no entanto, precisaria de acompanhamento contínuo. Meu pai, sempre preocupado, insistiu que eu também fizesse exames, considerando o histórico familiar. Eu concordei.
A cirurgia do Bernardo foi um sucesso, mas ele precisaria ficar alguns dias no hospital em observação. Uma semana se passou. Era domingo, e minha vida parecia ter dado uma volta de 360 graus. Em apenas sete dias, me declarei para Lucas, o Bernardo reapareceu em minha vida, ele enfrentou uma cirurgia, e eu não desgrudei do lado dele no hospital, conciliando tudo com estágios e estudos.
Enquanto estava no quarto do hospital, decidi abrir o Instagram. Foi quando vi um story do Lucas. Ele estava cantando uma música que, sem dúvidas, parecia uma indireta para mim:
"...Já faz uma semana que eu guardo na lembrança um riso seu,
um beijo seu, um gosto que ficou em mim, eu guardo em mim...
Eu não vou te procurar, o nosso orgulho não vai dar em nada, nada,
Nada não, tá na cara que eu não tenho ninguém,
Se me liga fica tudo bem, eu fico..."
Sorri feito um bobo. Aquela música fazia todo sentido para mim. Lucas sabia da minha paixão por aquela cantora, então não tinha como não ser uma mensagem direcionada. Mesmo que fosse só coisa da minha cabeça, resolvi engolir meu orgulho.
Respondi ao story:
"Preciso te dizer: não cabe mais em mim... Eu vou te procurar e vou engolir meu orgulho. Vamos conversar, por favor?"
Ele respondeu quase de imediato:
"Onde você está?"
"Estou no hospital, mas vou para casa já já. Posso passar aí e a gente conversa no carro? Pode ser?"
"Pode. Venha."
Lá estava eu novamente, indo atrás de Lucas. Sabia que não precisava me explicar, mas sentia que ele merecia ouvir de mim tudo o que estava acontecendo. Com Bernardo bem e as coisas mais tranquilas, finalmente me senti à vontade para procurar Lucas. Precisávamos resolver o que seria de nós.
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Pessoal espero que estejam gostando, estamos numa parte do conto, que as cenas de sexo sao bem poucas, mas já já as coisas esquentam novamente!