Mais de uma década atrás:
Carolina:
Eu ouvi a porta da frente bater e os risos altos dos amigos do meu irmão ecoando pela casa. Eu estava no meu quarto, enrolada em um cobertor, assistindo a uma série qualquer, mas o barulho me fez pausar o vídeo. “Leandro está de volta”, pensei, irritada, mas curiosa. Sabia que ele tinha saído mais cedo com os amigos para uma “farrinha”, como ele sempre chamava.
Eu me levantei e fui até a entrada, espiando pela porta entreaberta. Leandro e mais três amigos estavam lá, todos visivelmente bêbados, rindo de piadas que só eles entendiam. Um deles me chamou atenção imediatamente: Miguel. Ele estava encostado na parede, com os olhos fechados e a respiração pesada. Parecia estar pior do que os outros.
— Miguel tá mal, hein? Ele sempre foi fraco pra bebida. Patético. — Ouvi Leandro dizer, dando uma palmada nas costas do outro amigo, que mal se sustentava em pé também. — Vou deixá-lo descansando no meu quarto. Ele precisa de um tempo para se recuperar.
Senti um frio na espinha: Miguel ... Sozinho ... No quarto …
Me afastei rapidamente da porta, tentando não ser vista, mas o coração já acelerava. Miguel sempre foi especial para mim. Desde a primeira vez que o vi, entrando pela primeira vez em casa, com o meu irmão. Ele ocupou um lugar secreto em meus pensamentos.
Alto, lindo e um sorriso despreocupado, ele era o tipo de homem que fazia eu me sentir pequena, frágil, mas de um jeito que eu gostava. Ele sempre fora gentil comigo, educado, carinhoso, mesmo que nós não nos falássemos muito.
Ouvi os passos pesados de Leandro descendo as escadas, seguidos pelos risos abafados dos amigos.
— Vamos lá, galera! A noite ainda não acabou! — Gritou Leandro.
Logo em seguida a porta da frente bateu novamente. A casa ficou em silêncio, exceto pelo som da respiração ofegante de Miguel.
Segui até a sala para acompanhar meu irmão e seus amigos partindo. Eu fiquei parada, olhando pela janela, com as mãos suando e o coração acelerado. “Ele está lá. Sozinho. E ninguém mais está em casa. Meus pais estão viajando e Leandro, pela animação, não volta tão cedo”.
A ideia era proibida, errada de tantas maneiras, mas eu não conseguia afastá-la da mente. “Só vou dar uma olhada. Só para ver se ele está bem”. Pensei.
Eu subi as escadas devagar, cada degrau parecendo mais pesado que o outro. Quando cheguei à porta do quarto de Leandro, hesitei. “O que eu estou fazendo?”, me recriminei, mas a curiosidade era mais forte. Abri a porta, devagar e entrei.
Miguel estava deitado na cama, com a cabaça virada de frente para mim, com os braços espalhados e o peito subindo e descendo devagar. Ele estava apenas de short, e eu senti um nó na garganta ao perceber o volume que se destacava entre as pernas. Ele está com … ele está duro.
Meu coração disparou. “Isso é loucura. Eu não devia estar aqui”, pensei mais uma vez. Mas meus pés pareciam ter vontade própria, e eu me aproximei da cama, sentindo o calor do corpo dele antes mesmo de tocá-lo. “Só um pouco mais perto. Só para ver”.
Miguel resmungou algo incompreensível e se virou de lado, expondo ainda mais o que estava acontecendo lá embaixo. A cabeça do pau escapando pela lateral do short …
Senti uma onda de calor percorrer meu corpo, e antes que pudesse pensar melhor, minha mão estava se movendo, puxando a barra do short dele para baixo, revelando por completo aquele pau lindo, grosso e grande.
“Ele é … enorme. Muito maior do que eu imaginava”. Pensei, do alto da minha inexperiência. Era a primeira vez que eu via uma rola ao vivo.
Fiquei parada, olhando fixamente, sem saber o que fazer. Mas então, quase sem querer, minha mão o envolveu. Era quente, firme, e eu senti um choque de eletricidade percorrendo todo o meu corpo.
Miguel resmungou de novo:
— Que delícia, Mina …
Eu parei, assustada. Mas ele não acordou. Em vez disso, pareceu se mexer mais, como se estivesse sonhando. Ele estava com tesão. Mesmo bêbado. A ideia me deixou mais corajosa, e antes que eu pudesse pensar melhor, já estava de joelhos ao lado da cama, com a boca a centímetros de distância. Babando de vontade.
“Só uma vez. Só para ver como é”. Tomei coragem e envolvi aquela cabeça roxa com os lábios, sentindo uma onda de prazer incomum quando o sabor dele preencheu minha boca. “Isso é … incrível”.
Comecei a me mover devagar, sentindo o gosto, a textura, o calor. Miguel resmungou algo, e eu parei novamente. Como da primeira vez, ele não acordou. “Ele está gostando. Eu, ainda mais. Ele não sabe que sou eu. Ele não sabe que estou aqui”.
Perdi qualquer receio. Eu chupava a cabeça e punhetava pela base, sentindo o corpo dele reagir.
Miguel começou a resmungar palavras soltas:
— Mina … tá bom … não para …
Arrepios de prazer percorreriam minha coluna. “Ele está me confundindo com ela. Ele não sabe que sou eu. Ela não o merece”. Agora, eu sei.
Mas aquilo não me fez parar. Em vez disso, eu me aprofundei, sentindo o prazer de tê-lo ali, de sentir ele crescer ainda mais na minha boca.
Miguel estava agora praticamente delirando, movendo-se no meu ritmo. Eu sabia o que viria a seguir, já tinha visto em vídeos eróticos, mas não parei. Pelo jeito, para a minha primeira vez, eu estava indo bem.
Miguel se contorceu, gemeu e delirou, até que, de repente, ele explodiu. Inundando minha boca. Eu senti o gosto agridoce, mas aquilo era mais do que eu esperava. Eu me engasguei, tossindo e tentando recuperar o fôlego. “O que eu fiz? O que eu fiz?”.
Antes que pudesse processar o que tinha acontecido, ouvi uma risada alta, vindo da porta.
— Carolina! Quem diria …
Eu me virei rapidamente, o rosto queimando de vergonha, com porra escorrendo pelo queixo.
Na porta, estava Viviane, a namorada do meu irmão. E também, a melhor amiga da Mina, a namorada do Miguel.
Com olhos de deboche e um sorriso malicioso estampado no rosto, ela me provocou:
— Sua safadinha … quem diria que você é uma boqueteira das boas, hein?
— Não é o que parece! — Tentei explicar, assustada, mas as palavras soaram falsas, até mesmo para mim.
Viviane riu novamente, entrando no quarto e fechando a porta atrás de si.
— Parece exatamente o que eu pensei. E, pelo jeito, você estava gostando, né?
Eu olhei para Miguel, que agora estava respirando devagar, aparentemente alheio ao que acontecia ao seu redor, e então para Viviane, que ainda me encarava com um sorriso travesso. “O que ela vai fazer agora?”, pensei, em pânico.
— Eu te entendo, cunhada … relaxa! Você já é quase uma mulher adulta, já passou da idade de saber como as coisas são. Eu já fazia isso muito antes de você. — Viviane me abraçou, com um sorriso falso.
Eu estava à beira do desespero, segurando as lágrimas com todas as forças. Mas ela não parou.
— Será o nosso segredinho, ok? — Sua voz era doce, quase inocente, mas carregada de veneno. — Prometo manter minha palavra, desde que você continue sendo a cunhadinha maravilhosa e prestativa que sempre foi. Combinado?
Ela ergueu o mindinho na minha direção, como se selasse um pacto infantil. Mas não havia nada de inocente naquele momento.
Sem opções, apenas concordei.
E, de fato, Viviane nunca usou nosso segredo para me chantagear de maneira cruel. Pelo contrário, suas exigências sempre foram pequenas, quase triviais: buscar um copo d’água para ela em casa, resolver favores simples na rua, idas rápidas ao mercado ou à padaria. Nunca nada que me fizesse sentir humilhada ou violada de alguma forma.
Pelo menos … até alguns meses atrás.
Naquela época, Viviane já estava separada de Leandro. Eu não sabia o motivo, ninguém sabia, mas o que mais me surpreendeu foi que, mesmo naquele período, ela nunca usou nosso segredo contra mim.
Até aquele dia.
Ela apareceu em casa de repente, sem aviso, e foi direto ao ponto.
— Você ainda gosta do Miguel? Ainda fantasia com ele? Seja honesta.
O impacto da pergunta me atingiu como um tapa. Eu não estava preparada para aquilo.
Nós não nos víamos há algum tempo, e sua abordagem me pegou completamente desprevenida.
— O quê? — Tentei disfarçar o choque. — Não, claro que não. Aquilo foi coisa de adolescente. Nada a ver …
Ela inclinou a cabeça de lado, me analisando como um predador avalia sua presa. E então, sorriu.
— Você me deve. E agora preciso da sua ajuda. A menos que … — Seus olhos brilharam com uma loucura contida. — ... Você prefira que todos saibam do nosso segredinho?
O tom de sua voz fez um arrepio percorrer minha espinha. As coisas tinham mudado, não seria um pedido trivial. Ela queria algo maior. Algo que eu talvez não estivesse pronta para enfrentar.
Eu não sabia o que dizer.
Viviane estava sentada à minha frente, os olhos ardendo em raiva e mágoa, como se estivesse segurando aquele desabafo há muito tempo. Suas mãos tremiam levemente, e a forma como apertava o copo de água deixava claro o esforço que fazia para se controlar.
— Eu joguei fora anos da minha vida com seu irmão, Carolina. ANOS! E para quê? Para ser traída com a minha melhor amiga?! — Sua risada foi curta e amarga. — A mulher que eu confiava, que eu defendia, que eu dividia segredos …
Eu abri a boca para dizer algo, qualquer coisa, mas nada saiu. O nó na minha garganta não deixava. Nunca imaginei que um dia me veria sentindo pena da Viviane, mas ali estava eu, encarando uma mulher antes orgulhosa, agora destruída pelo cinismo de duas pessoas que ela amava.
Eu respirei fundo, tentando processar tudo.
— Viviane … eu … eu não fazia ideia.
Ela me olhou com tristeza, e percebi que sua raiva não era direcionada a mim. Havia ali, algo mais, um desejo de justiça misturado com amargura.
— Eu sei que não. Mas agora você sabe.
Acho que, pela primeira vez, vi Viviane sem a máscara de segurança que ela sempre carregava. A mulher que sempre me pareceu fria, calculista, agora era apenas alguém que teve sua vida dilacerada por uma dupla traição.
Queria dizer que sentia muito, que não sabia como ajudar, mas antes que eu pudesse, ela soltou um suspiro profundo e sua expressão endureceu de novo.
— E não precisa sentir pena de mim, Carolina. Não vim aqui para isso.
Franzi a testa, confusa.
— Então … por que veio?
Viviane se aproximou, me encarando com intensidade.
— Para te pedir um favor.
— Que tipo de favor?
Ela me analisou por um instante, como se decidisse se podia confiar em mim. E então, disse:
— Quero que você seja a portadora da verdade.
Minhas sobrancelhas se uniram em confusão.
— O que quer dizer com isso?
Viviane deu um sorriso triste.
— Miguel precisa saber de tudo. Mas não por mim. Minha voz não importa para ele, não ainda. Mas você … você pode fazer isso. Pode abrir os olhos dele antes que seja tarde demais.
Engoli em seco.
Eu achava que Miguel desconfiava de muitas coisas, mas não podia imaginar o impacto que aquela verdade teria.
— Viviane, você realmente acha que sou a melhor pessoa para isso? Eu não vejo Miguel há anos. Ele nem deve se lembrar de mim.
Ela deu de ombros.
— Mesmo distante, na atual situação, você tem mais acesso a ele do que eu. Além disso … — seu olhar brilhou com um quê de astúcia — se você for esperta, Miguel pode ser o seu prêmio.
Meu coração deu um leve salto, e ela percebeu.
— Ah … então é verdade. Você ainda gosta dele.
— Não é isso! — Rebati rápido demais, e sua risada veio carregada de ironia.
— Claro que é, Carolina. E eu não te julgo. Miguel é um homem incrível. E diferente da Mina, você não precisa apunhalá-lo pelas costas para tê-lo.
Fiquei em silêncio, meu rosto queimando. Viviane suspirou, cruzando os braços.
— Não estou te pedindo para manipular Miguel, nem para usar essa informação a seu favor. Só estou dizendo que, quando essa bomba explodir, ele vai precisar de alguém ao lado dele. E essa pessoa pode ser você.
Engoli em seco. Eu não sabia se estava pronta para aquilo. Mas uma coisa era certa: depois daquela conversa, minha visão sobre o eu tinha acontecido, havia mudado para sempre.
Mesmo sem a minha resposta, ela me entregou um pendrive, e me enviou o número do telefone do Miguel.
— Você me deve isso, Carolina. Eu nunca revelei o seu segredo, fui amiga, a protegi. Sei que você nunca gostou de mim, me acha fútil e arrogante, mas … infelizmente, mesmo que ele não mereça, eu terei que machucar o Miguel na minha busca por vingança.
Eu ainda não sabia o que dizer. Viviane continuou.
— Seja aliada dele, seja o ombro amigo … Seu único papel será revelar a verdade, ajudá-lo a destruir a Mina.
Ela apontou para o pendrive na minha mão:
— A verdade está aí, nas suas mãos. Veja por si mesma.
Assim que Viviane saiu, fechei os olhos por um instante, tentando absorver tudo o que tinha ouvido. Meu coração ainda batia acelerado, e minha mente lutava para organizar os acontecimentos dos últimos minutos.
Eu olhei para o pendrive em minha mão.
“A verdade está aí. Veja por você mesma”.
Engoli em seco novamente. Parte de mim hesitava em saber o que havia de tão grave dentro do pequeno dispositivo, mas outra parte, a parte que sempre desconfiou da Mina, ansiava por respostas.
Conectei o pendrive ao notebook e abri os arquivos. Eram fotos, vídeos, conversas gravadas, mensagens … Tudo ali, documentado.
O primeiro vídeo, e outros na sequência, me fizeram prender a respiração. Mina e Leandro, juntos, Viviane em alguns, se beijando descaradamente em um lugares variados. Hotéis caros, restaurantes famosos ... As filmagens eram de meses atrás e a traição estava escancarada. Meu estômago revirou.
Outros arquivos mostravam extratos bancários, transferências vultuosas de Mina para contas que pertenciam a Leandro e, pasmem, até mesmo para Viviane. Aquilo confirmava a teoria de que Mina estava sustentando os dois de alguma forma. Mas por quê?
E Viviane? Ela estava ali, compactuando com tudo, apenas para ter acesso aos dois? Fingindo aceitar para recolher provas?
Eu continuei explorando. Áudios de conversas entre Mina e Leandro, trocando mensagens sobre Miguel, debochando dele, chamando-o de trouxa. Mensagens de Mina para Viviane, tentando convencê-la a aceitar a presença de Leandro de volta, ou pelo menos não atrapalhar sua relação com ele. Viviane mudando abruptamente, aceitando participar e aceitando Leandro de volta, e os três se esbaldando às custas do sofrimento que certamente causariam em Miguel.
De qualquer forma, Miguel agiu rápido e já tinha descoberto as traições. Ele ainda estava no escuro, pois a extensão daquilo era enorme.
Senti um nó na garganta. Aquilo era real. Viviane estava jogando um jogo muito perigoso. Eu precisava falar com ela.
Peguei o celular e disquei o número com os dedos trêmulos. Ela atendeu no terceiro toque.
— Eu sabia que você ligaria. Tomou sua decisão? — Disse ela, com um tom de triunfo contido.
— Viviane … — minha voz estava tensa — você está se colocando como vilã nessa história sem necessidade. Só essas provas já são suficientes para acabar com a relação da Mina com o Leandro. Para mostrar a verdade ao Miguel. Você não precisa fazer mais nada. Assim que forem entregues ao Miguel, é game over.
Houve um silêncio do outro lado da linha. Então, Viviane suspirou.
— Você não entende, Carolina. Isso é maior do que você imagina.
— Então me explica! — Insisti. — O que mais você quer com isso?
— Eu não posso te explicar agora. Mas te juro, Carolina, essa é a única coisa que vou te pedir.
Eu apertei os olhos com força, sentindo a confusão me dominar.
— E o que acontece se eu decidir não contar nada para Miguel?
Viviane riu de leve.
— Você acha que eu me importo? Meu papel já foi feito. Eu te dei a verdade. O que você faz com ela é problema seu.
Eu ainda estava confusa.
— E o meu segredo? — Perguntei, hesitante.
Viviane bufou, impaciente.
— Pelo amor de Deus, Carolina! Eu já disse que nem ligo mais para isso. O passado morreu. Eu não preciso te forçar a nada.
Ela fez uma pausa, e quando voltou a falar, sua voz estava mais baixa, quase resignada.
— No fim, você tem algo que eu não tenho mais … você tem escolha.
Antes que eu pudesse responder, Viviane desligou.
Fiquei ali, segurando o celular, encarando a tela, enquanto o peso da responsabilidade caía sobre meus ombros. A verdade estava ali, nas minhas mãos. E agora, tudo dependia de mim.
Sozinha em casa, o silêncio ao redor era tão sufocante quanto os pensamentos que martelavam na minha cabeça. O pendrive ainda estava conectado ao notebook, como se me desafiasse a tomar uma decisão. Mas, naquele instante, minha mente não estava mais focada em Miguel, Mina ou Viviane. Eu pensava em Leandro. No meu irmão. No homem que ele se tornou.
Fechei os olhos e respirei fundo, sentindo a velha mágoa se espalhar dentro de mim como veneno.
Houve um tempo em que ele era meu porto seguro. Meu irmão mais velho, meu exemplo, meu protetor. Quando crianças, ele brigava comigo, como qualquer irmão faz, mas se alguém ousasse me machucar, ele era o primeiro a me defender.
“Onde foi que tudo mudou?”. Me perguntei.
Eu sabia a resposta. Não aconteceu de uma vez, não foi um corte abrupto. Foi um processo lento, uma corrosão silenciosa que transformou Leandro em alguém que eu mal reconhecia.
Lembrei-me do olhar dele quando veio me visitar, anos atrás, depois de se casar com Viviane. Ele estava diferente, mais arrogante, como se pertencer a um novo círculo social o tivesse convencido de que era melhor do que nós.
A paciência com nossos pais diminuiu, os telefonemas se tornaram raros. E, quando vinham, eram repletos de impaciência e frieza.
Mas o pior momento veio quando mamãe adoeceu. Ela precisou de tratamento, e os custos eram altos. Eu fiz o que pude, me desdobrei para equilibrar meu trabalho e as contas da casa, mas eu precisava de ajuda. A aposentadoria deles mal cobria os custos dos medicamentos.
Sem opções, liguei para Leandro. Lembro-me daquela ligação como se tivesse acontecido ontem.
— Leandro, eu não tenho mais de onde tirar dinheiro. As contas do tratamento da mamãe estão acumulando, papai até voltou a trabalhar. Ele não tem mais idade para pegar peso. E eu … eu preciso que você ajude com alguma coisa.
O silêncio do outro lado da linha durou segundos demais. Meu coração apertou. Então, ele suspirou, impaciente.
— Carolina, eu já tenho minhas próprias despesas. Minha casa, minha vida. Não posso sair bancando todo mundo.
— Bancando todo mundo? — Minha voz falhou pela incredulidade. — É nossa mãe, Leandro!
— E daí? Eu não tenho mais obrigação com vocês. Eu fiz a minha parte quando morava aí. Agora, vocês que se virem.
Eu prendi a respiração, sentindo como se tivesse levado um soco no estômago.
— Você tá falando sério?
Ele riu, como se eu estivesse contando uma piada. Só impaciência.
— Por que eu teria que carregar essa cruz, Carolina? Vocês são um estorvo. — Cada palavra dele era uma facada.
Eu lembro de ter segurado o choro, de ter dito algo apressado antes de desligar. Depois daquele telefonema, parei de tentar. Nunca mais pedi nada a ele.
Mamãe se foi alguns meses depois. Não pelo dinheiro, porque, de alguma forma, papai e eu conseguimos segurar tudo sozinhos. Mas porque a doença venceu.
E Leandro?
Ele apareceu no velório como se nada tivesse acontecido, cumprimentou a todos com um ar de dever cumprido, fez um discurso bonito e voltou para sua vida, como se a nossa nunca tivesse existido.
Mas o que mais me consumia era a forma como ele tratava nosso pai.
Nos últimos anos, sempre que meu pai ligava para conversar, pedir algum conselho ou apenas ouvir a voz do filho, Leandro o destratava.
— Pai, pelo amor de Deus, se toca! — ouvi ele dizer uma vez, quando meu pai ligou para desabafar sobre a solidão após a morte da mamãe. — Você sempre foi um capacho, e agora quer que eu te diga o quê? Que a vida é justa? Se vira, como todo mundo.
Aquilo me revoltou. Meu pai não era perfeito, mas ele nos amou e nunca deixou faltar nada dentro de casa. Ele sempre foi um homem pacato, que deixava minha mãe comandar tudo. Sim, ela tomava todas as decisões, e ele apenas assentia. Talvez fosse submissão, talvez fosse apenas amor, mas isso nunca deu o direito ao meu irmão de tratá-lo como lixo.
Depois que mamãe partiu, papai se fechou ainda mais. E, se antes já não impunha sua vontade, passou a se sentir um fardo.
E Leandro só piorava tudo.
— Você tem que parar de depender da gente. — Ele dizia, sempre que o pai ligava para perguntar se poderiam se ver. — Não posso ficar perdendo tempo com conversa fiada.
Eu via o olhar magoado do meu pai a cada rejeição. Então, fiz o que sempre fiz: Fui sua rede de apoio. E continuo cuidando do meu paizinho. O segurei em meus braços quando ele chorou a ausência da mamãe e a frieza do filho ingrato.
Hoje, vendo tudo o que Leandro fez com Miguel, e também com Viviane, percebi que meu irmão não tinha apenas se distanciado. Ele tinha se tornado alguém desprezível. E, por mais que me doesse admitir … Ele já não era mais família para mim.
Eu sabia muito bem o que precisava fazer. Que lado escolher.
{…}
Miguel:
Me despedi da nossa filha e fui até a porta. Antes de sair, olhei para Mina mais uma vez.
— Aproveite enquanto pode, Mina. Tudo tem um prazo de validade.
Eu a deixei sozinha na entrada da casa, com a expressão dividida entre raiva e medo. Fechei a porta atrás de mim e respirei fundo: Ela sabia.
Talvez não soubesse exatamente o que eu havia descoberto, mas ela sentia. Seu castelo de cartas estava prestes a desmoronar, e eu mal podia esperar para ver.
As duas semanas seguintes foram as mais difíceis e tensas da minha vida. Mina plantou, e a hora da colheita tinha chegado.
Quando cheguei à farmácia de manipulação naquela manhã, o clima já estava tenso. Funcionários estavam do lado de fora, murmurando entre si, enquanto viaturas da Receita Federal e oficiais de justiça ocupavam a entrada do estabelecimento. O tempo parecia ter desacelerado, mas meu coração batia forte no peito. Eu sabia que aquele momento chegaria. Eu aguardava ansioso por ele.
Mina estava no meio do salão principal quando as autoridades entraram. Vestida impecavelmente, como sempre, ela sorriu, confiante, acreditando que aquilo não passava de um mal-entendido. Mas o sorriso logo se desfez quando um dos auditores se apresentou formalmente.
— Senhora Guilhermina, estamos aqui para cumprir uma ordem judicial de interdição deste estabelecimento para auditoria fiscal. A partir de agora, a empresa ficará sob investigação devido a fortes indícios de fraude contábil e outras irregularidades financeiras.
Ela encarou a oficial de justiça, como se não tivesse entendido. Então, riu, debochada.
— Isso só pode ser brincadeira! Miguel, foi você, não foi? Seu desgraçado, o que você fez? — O olhar dela queimava de ódio ao me encontrar entre os oficiais.
— Apenas garanti que a verdade viesse à tona, Mina. Você fez isso sozinha.
— Você não pode fazer isso! — Ela se virou para o auditor. — Vocês não podem fazer isso! Essa empresa é minha! Eu sou a dona!
— Sinto muito, senhora Guilhermina, mas, de acordo com os documentos e provas que recebemos, há fortes indícios de fraude, sonegação e desvio de dinheiro. Seu afastamento da administração foi solicitado e autorizado pela justiça. Seus bens também estão temporariamente congelados até que a auditoria seja concluída.
Mina arregalou os olhos, e então tudo explodiu de uma vez.
— VOCÊS NÃO PODEM ME TIRAR DA MINHA PRÓPRIA EMPRESA! ISSO É UM ABSURDO!
Ela avançou, tentando arrancar os papéis das mãos da oficial de justiça, mas foi contida rapidamente por um dos agentes.
— Se continuar com essa atitude, precisaremos conduzi-la para a delegacia por desacato.
O olhar dela girou furioso em minha direção.
— Foi você, né, seu miserável Quer me destruir! Você vai fazer isso com a mãe da sua filha? Com a sua esposa? — A voz dela estava estridente, histérica.
— Não, Mina. Eu quero apenas justiça. E, sinceramente, eu esperava que você tivesse feito algo menos … sujo.
— SUJO?! — Ela tentou se soltar, mas os oficiais a mantinham presa, se colocando entre nós. — Você é um desgraçado! Um traidor! Isso tudo é uma armação sua!
Os funcionários da farmácia, até então apenas espectadores assustados, começaram a se dispersar, murmurando entre si. Alguns pareciam aliviados, outros chocados. Vi olhares se cruzando, perguntas não ditas. Eles já suspeitavam de algo? Já tinham percebido que algo estava errado?
A auditora chefe, uma mulher de olhar frio e postura firme, se aproximou de mim.
— Senhor Miguel, como parte do processo, a empresa precisa de um gestor interino para colaborar com a auditoria. Considerando sua posição como sócio, e que sua parte na empresa ainda está legalmente ativa, o juiz autorizou que o senhor assuma esse papel, caso esteja disposto.
Mina congelou.
— O quê? Esse traidor vai comandar minha empresa?
— A empresa que você afundou, Mina. — Cruzei os braços, sentindo uma calma que não esperava. — Mas não se preocupe, eu vou consertar o que você fez. Vou trazer alguém competente para colocar tudo nos eixos.
— VOCÊ NÃO TEM ESSE DIREITO! — Ela se debatia, a raiva transbordando.
— Tenho, sim. Porque diferente de você, eu não tenho nada a esconder.
Ela me lançou um olhar de puro ódio, os olhos faiscando de fúria. Por um instante, pensei que ela fosse me atacar, mas os oficiais a mantiveram sob controle.
— Você vai pagar por isso, Miguel. Eu juro que vai. — Ela vociferou.
— Acho que sou eu quem deveria dizer isso para você. — Rebati.
Os auditores começaram a confiscar documentos, computadores, acessar arquivos. O clima na farmácia mudou drasticamente. Os funcionários estavam receosos, cochichando, enquanto a estrutura da falsa perfeição de Mina desmoronava diante de todos.
Eu respirei fundo. Eu sabia que esse era apenas o começo. Mas, pela primeira vez em muito tempo, senti que estava no controle.
Mina me ligava e mandava mensagens insistentemente, mas eu apenas a ignorava. Minha ofensiva ainda não tinha terminado.
Dois dias depois, era hora de resolver a questão principal.
O tribunal estava silencioso, solene. Eu sentia a tensão em cada músculo do meu corpo enquanto esperava a decisão final. Ao meu lado, Robson, ou melhor, Dr. Robson, mantinha uma postura firme e confiante. Do outro lado da sala, Mina parecia inquieta, tamborilando os dedos na mesa, seus olhos perfurando o juiz como se pudesse reverter a situação apenas com a força do ódio.
A assistente social, uma mulher de meia-idade com um olhar analítico e postura impecável, revisava seus relatórios. Depois de semanas de investigação, sua avaliação era clara: Mina havia distorcido informações e manipulado provas para me afastar da minha filha. O juiz ajeitou os óculos e pigarreou antes de falar.
— Após a análise dos documentos e depoimentos colhidos pelo Conselho Tutelar, fica evidente que houve má-fé por parte da genitora ao relatar a situação do genitor. Além disso, considerando a instabilidade atual da mãe, bem como as investigações em andamento sobre sua conduta financeira e empresarial, este tribunal entende que a criança estará mais bem assistida sob a guarda do pai.
Minha respiração ficou presa na garganta. Por um segundo, tudo ao meu redor se silenciou. Então, a voz do juiz selou meu destino:
— Diante dos fatos apresentados e visando o melhor interesse da menor, concedo a guarda unilateral provisória ao genitor, senhor Miguel Novaes. Fica assegurado à genitora o direito de visitas supervisionadas, com regulamentação a ser definida pelo juízo, a fim de preservar o vínculo materno-filial de forma saudável e adequada.
Meu coração disparou. Eu consegui.
Mas, como era de se esperar, Mina não aceitou a derrota em silêncio.
— NÃO! — Ela se levantou abruptamente, batendo as mãos na mesa. — Isso é um absurdo! Um complô contra mim!
O juiz manteve a compostura, enquanto a assistente social suspirava, já prevendo o espetáculo que viria.
— Senhora Guilhermina, por favor, contenha-se.
— VOCÊS NÃO PODEM TIRAR MINHA FILHA DE MIM! — Ela gritou e apontou um dedo trêmulo para mim. — VOCÊ FEZ ISSO! PLANEJOU TUDO ISSO, SEU FILHO DA MÃE!
Eu me mantive em silêncio, apenas observando sua máscara cair mais uma vez.
— Sra. Mina, por favor, mantenha a compostura … — Seu advogado tentou intervir, mas ela já estava fora de si.
— NÃO! NÃO! NÃO! — Ela virou para a assistente social, os olhos arregalados. — Eu sou a mãe dela! Eu sempre cuidei dela! Não podem fazer isso comigo!
— Senhora Guilhermina … — A assistente tentou intervir.
— O CULPADO É ELE! E VOCÊS! TODOS VOCÊS! — Ela gritou para a sala inteira, os olhos brilhando de raiva e desespero.
— Ordem na corte! — O juiz bateu o martelo, impaciente.
Mina, então, apontou para mim novamente, agora com um tom mais venenoso.
— Você acha que venceu, Miguel? Acha que essa história acabou? Eu vou destruir você!
— Você já está se destruindo sozinha, Mina. — Respondi, mantendo a calma.
Ela tentou avançar para cima de mim, mas os policiais de plantão a seguraram.
— TIREM AS MÃOS DE MIM! — Ela se debatia, mas era inútil.
O juiz suspirou, visivelmente exausto com o comportamento dela.
— Levarei essa conduta em consideração para futuras decisões em caso de recursos. Esta audiência está encerrada.
Na saída do tribunal, a presença da polícia já era esperada. Com a decisão do juiz, minha filha seria entregue a mim, imediatamente. Mina ainda tentava argumentar, mas agora sua voz era só ruído de fundo.
Minha filha veio correndo em minha direção assim que os oficiais abriram espaço. Eu a abracei forte, sentindo seu corpinho se encaixar no meu, como se fosse o único lugar seguro do mundo.
— Papai! — Ela choramingou contra meu peito.
— Eu estou aqui, princesa. E ninguém mais vai nos separar.
Quando me afastei, vi os olhinhos dela brilhando, confusos, mas aliviados.
Mina ainda gritava ao fundo.
— ELA É MINHA FILHA! VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO!
A policial que acompanhava a transição se aproximou dela.
— Senhora, qualquer resistência a essa decisão poderá ser considerada desacato. Sugiro que colabore.
Mina tremia de ódio, mas agora sabia que tinha perdido.
Foi nesse momento que o Dr. Robson se aproximou dela, com uma pasta em mãos. Ele entregou um envelope para Mina, que o arrancou como se pudesse rasgá-lo com o olhar.
— O que é isso?!
— Notificação formal de que a casa onde você reside está sendo colocada à venda. Como ainda está em processo de divisão de bens e investigação de fraude fiscal, o valor permanecerá bloqueado até decisão judicial.
— NÃO! — Ela tentou avançar para cima do meu advogado. — VOCÊS NÃO PODEM FAZER ISSO!
— Podemos, sim, senhora Guilhermina. E estamos fazendo.
A fúria no rosto dela era quase animalesca.
— Vocês querem me destruir, não é?! SEUS MALDITOS!
— Você fez isso sozinha, Mina. Agora arque com as consequências.
Ela rasgou o envelope ao meio, mas não adiantava. Os papéis estavam protocolados. Sem mais nada a dizer, virei para minha filha e a peguei no colo.
— Vamos para casa, minha princesa.
Ela me abraçou pelo pescoço e, pela primeira vez em muito tempo, eu senti paz.
Mas Mina, assim como prometera, não iria deixar barato. Sua resposta viria rápido. O desespero é um péssimo conselheiro …
Continua …
Revisão: Id@