Nunca pensei que uma parada em Rio Gallegos poderia se estender tanto, mas, olhando para trás, parece que o destino nos puxou pra cá com algum propósito. A cidade, que inicialmente seria só mais um ponto no mapa da nossa aventura, acabou se tornando um refúgio, um lugar de recomeço não só para Tereza e Salamão, mas também para nós.
Depois daquele acidente, nos tornamos quase heróis locais. Saímos no telejornal por conta da ajuda que demos ao casal, e a história viralizou um pouco nas redes sociais. Não vou mentir, fiquei surpreso com os comentários. As pessoas elogiaram a atitude, dizendo que era bonito ver jovens parando para ajudar desconhecidos em tempos tão corridos. Alguns até mencionaram minha postagem sobre o vídeo íntimo, dizendo que era uma prova de como sou um cara de bom coração. Não vou negar que isso me deu um certo alívio — talvez as pessoas realmente pudessem ver além do erro.
Aproveitamos para explorar um pouco Rio Gallegos. Visitamos o Barco Hundido Marjory Glen, que parecia um monumento ao tempo e à história, e passamos pelos museus que Benê insistiu em ver. Claro, a parada no cassino foi ideia dele também, e, mesmo que não tenhamos apostado muito, foi divertido ver a animação do meu irmão. Aliás, ele estava se achando depois que conseguiu um encontro com uma turista americana que viu nossa história no telejornal. A garota parecia genuinamente impressionada com ele, e, sinceramente, foi bom ver Benê relaxar um pouco depois de tudo.
Salamão, por outro lado, ainda estava em recuperação, mas já tinha saído do hospital e se instalado em uma casa de aluguel. Beto e eu fazíamos questão de visitá-los todos os dias. Criamos uma conexão especial com eles. Tereza sempre nos recebia com um sorriso grato, e Salamão, mesmo no meio das dores, não perdia o senso de humor.
Na segunda-feira, Marcus chegou. Era o filho mais velho deles, um cara de 25 anos, no estilo urso: barba cheia, cabelo bagunçado, um físico forte. Ele parecia alguém que poderia tanto carregar uma Kombi nos braços quanto abraçar alguém com a suavidade de um cobertor. Desde o momento em que apareceu, ele assumiu a responsabilidade com uma determinação que me lembrou Beto.
— Joaquim, será que você pode me ajudar? Preciso levar minha mãe à polícia para resolver os trâmites da Kombi. — ele pediu. Eu não hesitei em aceitar.
A burocracia foi exaustiva. Ficamos horas naquele vai e vem entre documentos e explicações, mas, no final, Marcus conseguiu liberar a Kombi. Levamos o veículo ao mecânico, que garantiu que não era nada grave e que em poucos dias tudo estaria pronto. Marcus suspirou aliviado, e foi nesse momento que percebi o quanto ele estava preocupado com os pais. Apesar da aparência forte, ele carregava o mesmo peso que Benê e eu carregamos quando nossos pais se foram.
À noite, voltamos para o estacionamento onde estávamos ficando. Beto, sempre eficiente, improvisou um jantar rápido enquanto eu mexia no celular. A repercussão do telejornal ainda estava me deixando pensativo.
— As pessoas realmente se importam, né? — comentei, olhando para Beto enquanto ele mexia na panela.
— Mais do que imaginamos. E você merece, Joaquim. Nem todo mundo teria a coragem de se expor assim e, ainda por cima, de estender a mão para os outros. — ele falou sem tirar os olhos da comida.
Fiquei em silêncio por um tempo. Às vezes, Beto dizia coisas tão simples, mas que tinham um impacto enorme. Enquanto Piccolo miava por um pedaço de carne, eu pensava em como a viagem estava moldando não só meu relacionamento com meu irmão, mas também comigo mesmo.
— E você ficou super sexy no telejornal com seu portunhol. — brincou Beto, que desligou o fogo e deixou a carne descansando na panela.
— Mesmo? — questionei, puxando Beto para um abraço e beijo.
A noite estava tranquila, e o Leopoldo parecia ser o único lugar no mundo. Com Benê fora em mais um encontro com a garota americana, Beto e eu finalmente tivemos um momento só nosso. O motorhome estava estacionado em um canto discreto, longe de olhares curiosos. A cidade estava quieta, e a luz baixa do abajur criava um ambiente íntimo e acolhedor.
Beto estava ao meu lado, vestindo apenas a bermuda que ele insistia em usar mesmo com o frio que fazia. Não resisti ao impulso de me aproximar, deixando meus dedos deslizarem por sua pele quente e áspera. Ele virou o rosto para mim, os olhos escuros cheios de desejo.
— Tá me olhando assim por quê, hein? — ele provocou, com aquele sorriso maroto que fazia meu coração disparar.
Não respondi. Apenas o puxei para mais perto, nossos lábios se encontrando em um beijo voraz. Sua respiração ofegante aumentava meu desejo, e em poucos segundos estávamos nos perdendo um no outro. Ele me empurrou gentilmente para o sofá improvisado, e nossos corpos se encaixaram como se fossem feitos para isso.
Eu adorava explorar cada parte dele. As mãos fortes, a barba que roçava em minha pele, o peso do seu corpo contra o meu. O motorhome balançava levemente a cada movimento mais intenso, e por um momento, um pensamento me fez rir entre os beijos.
— O que foi? — ele perguntou, sem parar o ritmo.
— Só espero que ninguém passe e veja o Leopoldo dançando... — comentei, ofegante.
Ele riu, abafando o som com outro beijo. O mundo lá fora deixou de existir. Não importava se estávamos em uma cidade que mal conhecíamos, ou se o tempo parecia congelado. Naquele momento, era só ele e eu, entregues ao calor que só nós dois conseguíamos criar.
O clímax veio como uma onda avassaladora, deixando nossos corpos trêmulos e a respiração acelerada. Beto deitou sobre mim, suado e com o rosto corado. Seus cabelos bagunçados roçavam no meu queixo enquanto ele ria baixinho.
— Acho que a carne está pronta... — ele brincou, ofegante, repousando a cabeça no meu peito.
Antes que eu pudesse responder, o som estridente do despertador ecoou pelo motorhome. Era um lembrete bizarro e inoportuno de que o mundo continuava girando lá fora. Nós rimos, ainda abraçados, enquanto tentávamos recuperar o fôlego.
— Bom, se não estava pronto antes, agora definitivamente queimou. — respondi, passando os dedos pelo cabelo dele.
Ele levantou a cabeça para me olhar, sorrindo como sempre fazia, e naquele momento percebi o quanto eu amava tê-lo ali, tão próximo, tão meu.
O retorno de Benê foi um verdadeiro show de empolgação. Ele não parava de falar sobre Hillary e como a noite com ela tinha sido "a transa da vida". Eu ouvia os detalhes — ou pelo menos fingia que ouvia — enquanto tentava disfarçar a exaustão da minha própria noite agitada com Beto. Mas, claro, Benê não era bobo. Bastou notar a marca no meu pescoço para que começassem as piadinhas.
— Pelo visto, o Leopoldo foi bem sacudido ontem, hein? — ele disse, com um sorriso malicioso.
Tentei ignorar, mas a risada de Beto entregava tudo.
Com Marcus na cidade para ajudar os pais e Salamão se recuperando, nossa missão em Rio Gallegos estava concluída. Antes de partir, gravei um vídeo com Tereza e Salamão para agradecer aos seguidores que mandaram mensagens positivas. Foi um momento emocionante, e Salamão, mesmo ainda debilitado, fez questão de compartilhar algumas palavras de gratidão.
Seguimos para a Laguna Azul. A história de um vulcão que, após entrar em erupção, deixou um lago de um azul intenso, nos atraía há tempos. Mas o trajeto até lá foi um desafio. Os ventos da Patagônia eram implacáveis, balançando o Leopoldo de forma assustadora. Eu mal conseguia manter o volante firme e, com o vento sacudindo tudo, precisei parar por alguns minutos.
— Quer que eu guie? — Beto perguntou, tocando meu ombro.
Concordei, aliviado. Ele assumiu a direção, e, mesmo com a ventania, parecia mais confortável ao volante.
Depois de horas enfrentando o vento cortante, chegamos à Laguna Azul. A visão era surreal. No céu, uma lua gigantesca iluminava tudo ao redor, eliminando a necessidade de qualquer luz artificial. A beleza era indescritível, mas o frio... esse era um verdadeiro inimigo.
Benê, como sempre, arrumou um jeito de nos fazer rir. Subiu no teto do Leopoldo, enrolado em um cobertor, para mandar mensagens para Hillary. Enquanto isso, Beto e eu decidimos explorar o camping. Ele segurou minha mão, e caminhamos em silêncio por alguns minutos, apenas ouvindo o som do vento e sentindo a conexão que estávamos construindo.
— Isso aqui é inacreditável, né? — ele comentou, apertando minha mão, olhando para o céu.
— É. Parece que a lua está mais próxima. — respondi, olhando para ele e sorrindo.
De repente, a música "A Lua Que Eu Te Dei" começou a tocar no sistema de som do motorhome. Era uma das músicas favoritas do meu pai, e, no instante em que ouvi os primeiros acordes, meu coração apertou.
A combinação da lua brilhante, o frio cortante e a melodia nostálgica me fizeram agir por impulso. Olhei para Beto, que parecia tão tocado quanto eu, e me aproximei para beijá-lo. Era um beijo cheio de sentimentos, como se o mundo ao nosso redor não existisse. Por alguns minutos, não havia vento, frio ou incertezas. Apenas nós dois.
Infelizmente, eu não sabia que esses momentos de paz estavam prestes a ser ameaçados. Se soubesse o que estava por vir, talvez tivesse segurado aquele instante por mais tempo.