As noites se alongavam em Brasília, e com elas crescia o peso da suspeita no coração de Adriano. Ele não conseguia mais se convencer de que o mundo ao seu redor era tão simples quanto parecia. As palavras de Francisco ecoavam em sua mente, como uma canção melancólica que se recusava a desaparecer. "Você não sabe o que está por trás disso tudo", dissera Francisco, em um dos poucos momentos em que realmente se abrira com Adriano. Mas o que ele queria dizer? O que realmente estava acontecendo na construção da nova capital do Brasil, algo que todos pareciam ver como um grande projeto de desenvolvimento, mas que, para Adriano, começava a ter o cheiro de uma armadilha perigosa?
Francisco era alguém com quem ele compartilhava momentos intensos e confusos. Havia algo nele que Adriano não conseguia compreender completamente. Algo em sua presença que trazia uma mistura de conforto e tensão, como se as palavras de Francisco fossem a chave para uma verdade muito maior e mais sombria do que ele imaginava. Adriano não queria acreditar que estava sendo manipulado, mas algo em sua intuição dizia que ele precisava saber mais. Aquele projeto de Brasília, com sua grandiosidade e promessas de prosperidade, tinha algo por trás que Adriano não podia ignorar.
Na calada da noite, Adriano decidiu investigar por conta própria. Sem avisar ninguém, ele foi até os canteiros de obras, onde, aos poucos, começou a notar movimentações estranhas: pessoas que se escondiam, reuniões secretas, e uma sensação de que a cidade estava sendo construída sobre uma base de mentiras e corrupção. Adriano não era um homem ingênuo, mas o que encontrou o fez questionar suas próprias crenças. Não eram apenas os edifícios que estavam sendo erigidos ali. Havia uma rede de manipulação que envolvia os políticos mais poderosos, empresários corruptos, e, pior, pessoas que ele achava que poderia confiar.
Ele sabia que não podia fazer aquilo sozinho. Era claro que ele precisaria de alguém com mais conhecimento e experiência. E foi então que se lembrou de Francisco.
Naquela noite, Adriano encontrou Francisco em um barracão isolado, à beira da estrada. O ar estava denso, pesado pela tensão que pairava entre eles. Francisco estava ali, esperando, com o olhar fixo em Adriano, como se já soubesse o que ele queria. Mas, ao mesmo tempo, havia algo ali que os impedia de se aproximar mais. Ambos estavam cientes do que o outro representava: não apenas aliados e amigos, mas algo mais profundo, algo não dito, mas perceptível em cada gesto e troca de olhares.
**– Você sabia, não é? –** Adriano disse, a voz baixa, mas firme. **– Você sabia de tudo isso. Da corrupção. Dos esquemas. Eu encontrei as provas, Francisco. Eu sei o que está acontecendo.**
Francisco engoliu seco. A última coisa que ele queria era colocar Adriano mais fundo na teia de mentiras que ele mesmo se viu preso. Mas a verdade já estava no ar. Adriano não tinha mais como voltar atrás, e ele, de alguma forma, também não poderia mais. O peso da culpa e da responsabilidade o sufocava.
**– Você não sabe o que está pedindo, Adriano. –** Francisco respondeu com um suspiro pesado. **– Não é só um jogo político. Não é só sobre a construção de Brasília. Há forças muito mais poderosas em jogo. E, quando você se envolve com isso, não há como sair.**
Adriano deu um passo à frente, seus olhos firmes nos de Francisco. Havia uma urgência em sua voz, mas também um desejo de compreensão que ia além da política. Ele queria entender, mas, mais do que isso, queria entender Francisco. O que havia entre eles era palpável, uma tensão não resolvida que se acumulava a cada palavra não dita.
**– Eu preciso saber, Francisco. Tudo. –** Adriano disse, o tom quase suplicante, mas com a autoridade de alguém que já não pode mais se enganar. **– Eu não vou parar até entender a verdade.**
O silêncio entre eles foi denso, como se o próprio ar se tornasse mais espesso, cheio de significados não pronunciados. Francisco fechou os olhos por um momento, como se estivesse lutando com suas próprias emoções.
**– Eu fui recrutado, Adriano. –** Francisco finalmente disse, sua voz baixa e grave. **– Não porque eu quisesse, mas porque não havia escolha. Eu estava no lugar certo na hora certa, ou talvez, na hora errada. Fui escolhido por agentes do governo para me infiltrar nos canteiros de obras e monitorar a corrupção que corria solta ali. Mas o que eu descobri... o que eu vi... –** ele parou, seu olhar escuro como uma tempestade prestes a desabar. **– Eu nunca imaginei que as coisas fossem tomar esse rumo. Não imaginava que fosse me apaixonar por você.**
Adriano congelou, o coração batendo mais rápido. Ele sabia que havia algo mais entre eles, algo que ia além da amizade e da confiança. Mas ouvir aquelas palavras de Francisco, aquelas palavras que ele jamais esperaria, fez com que seu mundo virasse de cabeça para baixo.
**– Eu... eu não sabia, Francisco. –** Adriano disse, com a voz embargada. **– Eu não sabia o que você estava sentindo. Mas agora, não posso mais ignorar. O que você fez... não foi apenas pela missão. Foi também por nós.**
Francisco balançou a cabeça, sentindo um turbilhão de emoções invadindo-o. Ele queria abraçar Adriano, dizer-lhe que tudo iria ficar bem, mas sabia que isso era impossível. O que estava em jogo era maior do que qualquer desejo pessoal. Se ele contasse toda a verdade a Adriano, os dois estariam em perigo. A sombra do governo, com seus tentáculos, os alcançaria. E tudo o que ele tinha, inclusive Adriano, poderia se perder.
**– Eu não quero te envolver nisso, Adriano. –** Francisco disse, com a voz carregada de dor. **– Eu não posso deixar que você se arrisque por causa de algo que eu fiz. Não se você não sabe o que está realmente em jogo.**
Mas antes que Adriano pudesse responder, o som de passos se aproximando interrompeu a conversa. Ambos se entreolharam, e o ar, de repente, ficou mais tenso, pesado com a ameaça iminente. O som estava se aproximando, e o tempo parecia ter desacelerado. Francisco levantou-se rapidamente, empurrando Adriano para trás, mas já era tarde. A porta do barracão se abriu de forma abrupta, e dois homens entraram, suas silhuetas se destacando na penumbra.
**– Estava na cara que vocês estavam se escondendo aqui. –** disse um dos homens, um capanga do governo, com um sorriso cruel no rosto. **– Não adianta fugir, Francisco. O que você e esse aí estão fazendo não tem mais volta.**
Adriano e Francisco trocaram um olhar rápido, e a adrenalina invadiu o corpo de ambos. Não havia tempo para pensar. A situação já havia saído do controle, e agora eles estavam presos, sem saída.
**– Você sabia que isso iria acontecer, não é, Francisco? –** Adriano sussurrou, a respiração pesada. O medo agora estava estampado em seu rosto, mas havia também uma determinação. **– Eu não vou deixar você sozinho.**
Os capangas começaram a avançar, e Francisco foi arrastado para fora com brutalidade. Adriano, em um momento de desespero, tentou agir, mas foi impedido. Ele sabia que não poderia se permitir ser capturado também, ou tudo estaria perdido. No último momento, ele olhou para Francisco, seus olhos cheios de dor e raiva.
**– Não! –** Adriano gritou, mas foi em vão. Francisco já estava sendo arrastado para fora do barracão, deixando Adriano ali, em um confronto silencioso com sua própria decisão: salvar a si mesmo ou arriscar tudo para salvar o homem que amava.
O que fazer agora? A escolha estava em suas mãos. E Adriano sabia que, ao fazer isso, ele estava também decidindo seu próprio destino.
O tempo se arrastou como se o mundo ao redor tivesse parado. O silêncio, agora ensurdecedor, era o único som que restava, enquanto Adriano tomava sua decisão.