Capítulo 14: O Prato Principal
O ambiente do restaurante parecia um palco iluminado por um teatro de emoções veladas. Entre os pratos elaborados e a música ambiente, as dinâmicas entre os presentes se desenrolavam com intensidade crescente, um jogo de olhares, toques e palavras carregadas de subtexto.
Enquanto eu tentava me concentrar no prato à minha frente, Marcela se inclinou ligeiramente em minha direção, sua voz baixa e suave rompendo o barulho sutil de talheres e murmúrios.
— Estou tão feliz por estar aqui com você, Miguel. Faz tempo que não temos uma oportunidade assim... juntos.
A proximidade dela acendeu uma memória latente, enterrada sob anos de controle e contenção. Seu perfume doce, uma mistura de baunilha e algo mais quente, parecia envolvente demais, quase deliberado. Seus olhos castanhos dançavam sobre os meus, e, por um momento, o mundo ao nosso redor desapareceu. Marcela mexia nos talheres com um leve nervosismo, como se estivesse refletindo sobre a intensidade daquela troca.
Eu sabia que aquela sensação familiar nunca fora apenas coisa da minha cabeça. Algo sempre existiu entre nós, uma faísca que eu aprendera a ignorar — ou pelo menos tentava. Agora, sob a luz do restaurante, sua presença parecia maior, mais carregada de significados e tentações.
Alice, no entanto, não deixou aquele momento passar despercebido. Ela nos observava, e quando Marcela afastou o olhar para tomar um gole de sua bebida, Alice aproveitou o espaço.
— Miguel, você tem que provar o meu drink — anunciou, sua voz clara e melodiosa soando como um convite que parecia mais íntimo do que necessário.
Ela se inclinou sobre a mesa, estendendo a taça em minha direção. Seu vestido branco ajustado moldava seu corpo de forma impecável, os seios bem definidos sob o tecido criavam uma visão que era impossível ignorar. Quando nossos dedos se tocaram no breve momento em que recebi a taça, um arrepio percorreu minha mão e subiu pelo braço, até o pescoço. Alice me olhava como se soubesse exatamente o efeito que tinha sobre mim.
— E então? — perguntou, os lábios levemente curvados em um sorriso provocador enquanto me observava provar a bebida.
O gosto era forte, doce e picante, mas não era o líquido que chama minha atenção — era a presença dela, a forma como sua proximidade parecia ultrapassar os limites do aceitável. Marcela notou o movimento, e pude sentir sua postura enrijecer ao meu lado.
Manuela suspirou de maneira audível, largando o garfo sobre o prato com um som seco que atraiu olhares pela mesa.
— Sabe, algumas pessoas têm essa necessidade constante de chamar atenção... — começou, sua voz carregada de ironia. Seus olhos estavam fixos em Alice, desafiadores. — É como se a vida delas não tivesse propósito sem uma plateia.
Alice girou a taça do drink em mãos, como se ponderasse a resposta. Seus olhos azuis faiscavam com uma mistura de superioridade e provocação, e o sorriso que surgiu era tão cortante quanto calculado.
— Ah, querida, mas pelo menos algumas de nós conseguem manter a plateia interessada. O mesmo não se pode dizer de quem passa a vida se escondendo atrás dos bastidores, não é?
O silêncio se abateu pela mesa, pesado e elétrico. Marcela ajeitou-se desconfortavelmente na cadeira, enquanto Miguel tentou disfarçar o sorriso que ameaçava escapar — era raro ver Manuela confrontada de maneira tão direta.
— Meninas, já chega. — A voz de minha mãe era calma, mas firme. Ela olhou de Manuela para Alice com uma expressão de desaprovação controlada. — Não vamos transformar o jantar em um espetáculo, certo?
Alice deu uma risadinha baixa, mas Manuela não recuou.
— Talvez seja isso que algumas pessoas querem, não é?
Antes que Manuela pudesse rebater, Alessandra inclinou-se ligeiramente para frente, sua presença instantaneamente comandando a atenção.
— Deixem as garotas resolverem isso, Marta. — Sua voz era doce, quase indulgente, mas suas palavras tinham um tom de autoridade. — Algumas pessoas têm talento natural para atrair olhares, enquanto outras... bem, talvez precisem de um empurrãozinho.
Ela lançou um olhar casual em direção a minha mãe, a insinuação clara demais para ser ignorada.
Minha mãe ergueu os olhos lentamente, descansando a taça de vinho com a precisão de alguém que escolhe suas batalhas — e suas palavras.
— Alessandra, querida... — começou, sua voz controlada como seda esticada. — Nem todo mundo precisa atrair olhares para se sentir realizado. Algumas pessoas preferem brilhar onde realmente importa, entende?
A mesa parecia congelar por um momento, a resposta tão calculada e direta que até mesmo o sorriso de Alessandra vacilou.
Alice tentou se recuperar, rindo de maneira forçada.
— Nossa, Marta, parece até que você está falando de si mesma.
Minha mãe manteve o olhar fixo em Alessandra enquanto respondia:
— E por que não estaria? Afinal, é sempre bom lembrar que brilho de verdade não vem de acessórios... ou atitudes.
Alice estreitou os olhos, visivelmente irritada, enquanto Alessandra, recuperada do golpe inicial, deu um sorriso satisfeito, como se a provocação de minha mãe fosse apenas o início de um jogo mais longo.
Eu me mantive calado, observando a troca como quem assiste a um duelo. A tensão entre elas não era novidade, mas aquela intensidade particular parecia maior do que antes. Talvez fosse o ambiente, talvez fosse a mistura de egos em uma mesa pequena demais para conter tanto desejo por controle.
Enquanto isso, a presença de Marcela ao meu lado era um lembrete constante de que, apesar de toda a agitação à mesa, meu foco estava perigosamente perto de desviar para algo ainda mais intenso — e pessoal.
Enquanto isso, do outro lado da mesa, Pedro estava mais interessado em sua própria trama. Ele se aproximou de Márcia, o olhar intenso fixo nela enquanto falava com uma suavidade quase ensaiada.
— Realmente, você está linda esta noite, Márcia. — Sua voz grave parecia envolvê-la, enquanto seus dedos deslizavam quase imperceptivelmente sobre os dela, descansando na mesa.
Márcia afastou a mão imediatamente, seu desconforto evidente.
— Pedro, guarde seus elogios para a mulher por quem você largou tudo.
A resposta dela foi firme, mas Pedro não parecia intimidado. Ele deu um sorriso torto, enquanto Alessandra observava a cena com uma expressão cúmplice.
— Ah, Márcia, mas não é crime reconhecer a beleza onde ela existe, não acha? — Alessandra entrou na conversa, como se fosse a advogada de defesa de Pedro, inclinando-se ligeiramente para reforçar sua presença. — Pedro tem bom gosto, sempre teve.
Márcia olhou para os dois, sua expressão de desgosto evidente.
— Bom gosto que nunca dura, pelo visto — retrucou, tentando mudar de assunto.
Mas Alessandra não estava pronta para deixar a provocação morrer. Ela lançou um olhar rápido para minha mãe antes de continuar:
— Sabe, Marta, acho que é exatamente essa ousadia que mantém nosso casamento tão... vivo. Um pouco de aventura nunca fez mal a ninguém, não acha?
Minha mãe deu um sorriso leve, mas seus olhos estavam afiados.
— Prefiro manter a ousadia em áreas mais relevantes da minha vida. Manter certos homens interessados nunca foi prioridade para mim.
A resposta pairou no ar como uma declaração de vitória, enquanto Alessandra recostava-se na cadeira, o sorriso diminuindo levemente.
No meio de toda a confusão de emoções, olhei para minha avó. Ela parecia calma, como sempre, mas havia algo diferente em seu olhar. Enquanto tentava desviar minha atenção das farpas que voavam pela mesa, percebi que os olhos dela repousavam em mim por tempo demais. Não era apenas nostalgia. Era algo mais profundo, algo que fez minha pele formigar.
O jantar continuava, mas meu apetite era o que menos importava agora. O prato principal não estava na mesa, e sim ao meu redor. E eu sabia que as tensões estavam longe de acabar.
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