O salão principal do resort estava deserto, exceto por Fabíola, que atravessava o espaço com passos firmes, mas hesitantes. O som das rodinhas de sua mala ecoava no piso cerâmico, criando um ritmo que parecia pesar mais a cada metro. Do lado de fora, um taxista esperava pacientemente, com o porta-malas aberto, enquanto o céu começava a se tingir com as cores do amanhecer.
Rodrigo estava parado ao balcão da recepção, um copo de uísque praticamente intocado em sua mão. Seus olhos não deixavam Fabíola nem por um segundo. Ele observava cada movimento, cada detalhe: o jeito que ela segurava o puxador da mala com as mãos trêmulas, a postura ereta que mal escondia o peso emocional que ela carregava.
— É isso? — Ele finalmente murmurou, sua voz mal alta o suficiente para ser ouvida.
Fabíola não respondeu. Não parou. Não olhou para trás.
A jornada até a porta parecia interminável, cada passo uma despedida silenciosa. Rodrigo não tentou impedi-la, não porque não quisesse, mas porque sabia que não tinha mais o direito de pedir que ela ficasse. Ele havia cruzado a linha, e não havia como voltar.
Quando Fabíola chegou à porta, ela parou por um momento, respirando fundo. Seu coração estava pesado, mas sua mente parecia clara pela primeira vez em anos. Ela não olhou para trás, não queria ver Rodrigo parado lá, com seu olhar perdido e o copo de uísque na mão. Talvez, se tivesse olhado, teria vacilado.
O taxista a ajudou a colocar a mala no porta-malas. Ela entrou no carro, fechando a porta com um movimento suave. Enquanto o veículo começava a se mover, olhou pela janela, vendo o resort diminuir lentamente à medida que se afastava.
Uma lágrima escorreu pelo rosto dela, seguida de outra. Não era apenas a dor de deixar Rodrigo, mas a compreensão do que eles haviam construído juntos e como tudo havia desmoronado. Durante anos, ela acreditou que o estilo de vida liberal que cultivaram era o ápice da liberdade e da confiança. Mas, ao longo do tempo, os desejos que exploraram haviam se tornado conflituosos com os sentimentos que deveriam sustentá-los.
Rodrigo continuava no balcão, agora inclinado, com os olhos fixos no copo de uísque. Ele não o havia bebido. Talvez estivesse ali apenas para ter algo para segurar, algo que o ancorasse àquele momento.
— Eu estraguei tudo — ele murmurou, a voz rouca e quebrada. Não havia ninguém para ouvi-lo, mas ele precisava dizer isso em voz alta, como se admitir o erro fosse aliviar, ao menos um pouco, o peso de sua culpa.
Rodrigo finalmente levou o copo de uísque aos lábios, mas o sabor amargo parecia combinar com a dor em seu peito. Ele não estava arrependido por ter ficado com Lara, mas o que o consumia era o arrependimento de ter sido tão imprudente a ponto de destruir tudo o que ele e Fabíola construíram e as amizades cultivadas por décadas.
Dentro do carro, Fabíola enxugou as lágrimas com as costas da mão. Seu olhar estava fixo na estrada, mas sua mente estava presa no passado. Lembrou-se de como tudo começou: as primeiras conversas com Rodrigo sobre explorar fantasias, as festas elegantes e exclusivas que pareciam prometer um mundo de possibilidades. Ela se sentia poderosa, desejada, no controle.
Mas, aos poucos, percebeu que havia algo fora do lugar. Cada experiência parecia levá-los a um ponto mais distante do que realmente importava: a conexão entre eles. O desejo, que deveria fortalecer os sentimentos, começou a corroê-los. “Talvez seja impossível ter tudo’ ela pensou, olhando para o horizonte.
Fabíola sabia que Rodrigo havia colocado o desejo acima de tudo. Ela mesma não era inocente. Em algum momento, o hedonismo havia se tornado mais importante do que a confiança, e agora ela estava sozinha, tentando reconstruir algo em que pudesse acreditar.
Os primeiros dias do novo ano se arrastavam trazendo consigo as consequências da festa de Rodrigo. A manhã estava fria e silenciosa. André, em pé diante do espelho, ajustava a gravata com movimentos automáticos. Seus olhos, no entanto, estavam fixos no reflexo. Não na gravata, mas na expressão no rosto dele mesmo: uma mistura de exaustão e determinação.
Lara estava sentada na beirada da cama, os pés descalços tocando o chão gelado. Ela segurava o último botão da camisa entre os dedos, como se estivesse decidindo se deveria fechá-lo ou deixar para depois. Seus olhos não estavam no botão, mas no reflexo de André no espelho.
O quarto estava diferente. Antes, era um espaço onde as conversas fluíam naturalmente, onde risos e palavras casuais preenchiam o ar. Agora, havia uma tensão pairando sobre eles. Não hostil, mas carregada de algo mais profundo: um esforço mútuo de se reconectar, mesmo que ambos ainda estivessem lidando com as cicatrizes.
O silêncio entre eles não era confortável, mas tampouco era insuportável. Era o tipo de silêncio que se instala quando duas pessoas têm muito a dizer, mas não sabem por onde começar. Desde o retorno do resort, havia um acordo tácito entre eles: falar sobre a festa era um tabu.
— Você acha que esse tom de gravata combina? — perguntou André.
Lara levantou os olhos, estudando o reflexo dele.
— Combina — respondeu suavemente, mas sem muito entusiasmo.
Ele ajustou o nó uma última vez e se virou para encará-la.
— Você ainda está pensando em ontem à noite?
Ela hesitou, percebendo o erro de interpretação dele. Ele se referia à discussão leve que tiveram sobre quem lavaria a louça, mas Lara estava em outro lugar, presa nas memórias da festa, nos momentos com Rodrigo, na culpa e na confusão que ainda pairavam sobre ela.
— Não — ela mentiu, fechando finalmente o botão da camisa — Só… estou pensando em tudo.
André aproximou-se e sentou-se ao lado dela na cama, o colchão afundando levemente sob o peso dele. Ele tocou o braço dela, um gesto simples, mas que carregava um esforço evidente de aproximação.
— Lara, precisamos falar sobre isso — disse ele, a voz firme, mas não acusatória.
Ela suspirou.
— O que exatamente você quer falar, André? Que eu deixei as coisas saírem do controle? Que eu me perdi no meio de tudo aquilo?
— Não é isso — ele respondeu rapidamente — Eu também errei, você sabe disso, mas… o que aconteceu… não pode ser só ignorado.
Lara, virou-se para ele, os olhos brilhando com emoções conflitantes.
— André, eu sei que fiz coisas… coisas que nunca imaginei que faria. E me odeio por isso. Mas ao mesmo tempo, sinto que algo dentro de mim ainda precisa ser resolvido.
André a observou em silêncio, processando as palavras dela. Ele não estava surpreso. Desde a festa, ele percebeu que Lara parecia diferente.
— Eu entendo — ele disse finalmente — Acho que todos nós descobrimos coisas sobre nós mesmos naquela festa. Mas, Lara, o que importa agora é o que fazemos com isso. Como seguimos em frente.
Lara baixou os olhos, as mãos brincando com o tecido da camisa.
— Você acha que podemos? Seguir em frente?
— Eu quero acreditar que sim — respondeu ele, a sinceridade na voz tocando algo dentro dela — Mas não podemos fazer isso sozinhos. Precisamos de ajuda.
O relógio marcava 8h45 quando André se levantou da cama e estendeu a mão para ela. Lara hesitou por um momento antes de aceitá-la, deixando que ele a ajudasse a se levantar.
— Pronta? — ele perguntou, enquanto ela calçava os sapatos.
— Não — respondeu com um sorriso leve, mas cheio de significado — Mas acho que nunca estaremos realmente prontos para isso.
André sorriu de volta, um sorriso pequeno, mas genuíno. Juntos, eles desceram as escadas e saíram.
No sofá da sala de espera, os dois ainda demonstravam um desconforto evidente, mas seus dedos estavam entrelaçados.
A porta se abriu, e uma mulher com um sorriso acolhedor os convidou a entrar.
— Bem, vamos começar? — disse a terapeuta.
Lara lançou um olhar para André, que sorriu levemente e apertou sua mão. Pela primeira vez em muito tempo, eles sentiram que estavam no mesmo caminho.
Dias após a festa, Alice se olhava no espelho do banheiro da escola antes de entrar na sala de aula. Algo havia mudado nela. Não era apenas o rímel ou o lápis destacando seus olhos, ou o leve tom avermelhado no batom que agora adornava seus lábios. Era a forma como ela se via.
Alice sempre foi uma mulher tímida, uma professora que preferia se esconder em roupas discretas e óculos grandes que serviam como barreira entre ela e o mundo. Mas, naquele dia, sua saia abraçava suas curvas de maneira provocante enquanto destacava seu bumbum arredondado, e seus óculos, ao invés de esconderem, realçavam seus olhos intensos e penetrantes.
Ao entrar na sala de aula, ela percorreu os corredores entre as carteiras com passos firmes e cabeça erguida. Os alunos, antes distraídos e desinteressados, mal conseguiam desviar o olhar. Alguns sussurravam entre si, trocando olhares cúmplices.
— Professora Alice está diferente, né? — murmurou um dos alunos, enquanto o amigo ao lado apenas concordava com a cabeça, os olhos fixos na figura dela.
Alice percebeu os sussurros, mas não se incomodou. Pelo contrário, um sorriso discreto surgiu em seus lábios enquanto abria o livro e começava a aula.
Enquanto Alice irradiava confiança no trabalho, em casa, Jorge era um homem completamente renovado. A nova Alice despertava nele um desejo que há muito estava adormecido.
No fim de uma tarde, Alice chegou em casa e encontrou Jorge na cozinha, terminando de preparar o jantar. Ele olhou para ela e parou o que estava fazendo.
— Você está incrível — disse ele, aproximando-se para beijá-la.
— Estou me sentindo incrível — respondeu Alice, passando os braços ao redor do pescoço dele.
A vida sexual do casal se tornara uma tempestade de paixão desde a festa. Alice, que antes hesitava em assumir o controle, agora era assertiva, surpreendendo Jorge a cada dia. Ela parecia mais conectada ao próprio corpo, mais consciente de seus desejos e das reações que provocava nele.
Em uma noite particularmente quente, Jorge estava sentado na cama, vestindo apenas uma calça de moletom enquanto vagava com o controle remoto buscando algo para assistir na TV. Alice entrou no quarto, usando um robe de seda leve que delineava seu corpo de maneira provocante.
Ela parou na porta por um momento, observando-o com um sorriso travesso antes de caminhar lentamente até a cama. Jorge ergueu os olhos, e sua respiração pareceu ficar presa na garganta.
Alice sentou-se ao lado dele e tirou os óculos com movimentos deliberados, colocando-os sobre o criado-mudo. Seus olhos brilhavam com uma intensidade que Jorge nunca tinha visto antes.
— Hoje, você vai deixar eu conduzir — ela sussurrou ao pé do ouvido dele, sua voz baixa e carregada de intenção.
Jorge assentiu, completamente rendido. Alice segurou o queixo dele e o deitou na cama com delicadeza, mas com uma firmeza que indicava que ela estava no controle.
Ela começou a beijá-lo, descendo lentamente pelo peito, enquanto suas mãos exploravam cada contorno do corpo dele. Jorge fechou os olhos, sentindo-se completamente à mercê da nova mulher que Alice havia se tornado.
Quando os dois finalmente se entregaram um ao outro, a intensidade do momento era quase esmagadora. Alice não apenas assumia o controle, mas também se permitia ser vulnerável, entregando-se completamente à experiência.
Jorge, por sua vez, estava fascinado. Ele mal podia acreditar que a mulher em seus braços era a mesma Alice de antes. Não que ele não a amasse antes, mas agora ela era como um redemoinho de energia e desejo que o deixava constantemente surpreso.
Enquanto estavam deitados lado a lado após o ato, Jorge virou-se para ela, passando os dedos pelos cabelos bagunçados dela.
— Eu amo você — disse ele, a voz carregada de emoção.
Alice sorriu, acariciando o rosto dele.
— Eu também amo você.
A festa de Rodrigo havia sido um divisor de águas para eles. Embora as experiências vividas ali fossem difíceis de digerir no início, elas acabaram revelando partes de si mesmos que estavam escondidas.
Alice se tornou mais confiante, mais consciente de seus desejos e de sua capacidade de ser vista e desejada. Jorge, por sua vez, redescobriu a admiração pela esposa, não apenas como parceira, mas como mulher.
Juntos, eles não apenas reconstruíram sua conexão, mas a fortaleceram, criando uma vida sexual e emocional que era mais intensa e gratificante do que nunca.
Meses depois, uma manhã silenciosa, exceto pelo som ocasional do vento que passava pela janela aberta da cozinha. Marcelo estava sentado na bancada, com os cotovelos apoiados sobre o mármore frio e um papel tremendo entre seus dedos. Seus olhos estavam fixos na palavra que parecia saltar da página: “Negativo.”
Ele leu e releu o resultado do exame de paternidade, como se esperasse que as letras mudassem de posição, formando um desfecho diferente. Mas o veredito era claro: ele não era o pai do bebê que Yasmim carregava.
Do outro lado da cozinha, Yasmim estava encostada na pia, os braços cruzados sobre a barriga que começava a mostrar os primeiros sinais de sua gravidez. Seus olhos estavam fixos em Marcelo, lendo cada movimento e expressão dele, buscando alguma pista sobre o que ele estava sentindo.
— Marcelo… — A voz de Yasmim era baixa, quase um sussurro, carregada de ansiedade e medo.
Ele ergueu os olhos para ela, mas não respondeu imediatamente. Sua mente estava em conflito, tentando processar o que isso significava para eles, para o relacionamento e para o futuro.
Finalmente, ele respirou fundo e colocou o papel na bancada.
— É de Jorge, não é?
Yasmim hesitou, mas assentiu lentamente, seus olhos marejando.
— Sim… É dele.
As palavras saíram como uma confissão, e Yasmim sentiu um nó apertar em sua garganta.
— Eu juro, Marcelo, eu não queria que fosse assim. Eu nunca imaginei… Eu nem sei como isso aconteceu. Meu anticoncepcional nunca falhou antes, e justo agora…
Marcelo passou a mão pelo cabelo, balançando a cabeça.
— Essas coisas acontecem. Não estou dizendo que é fácil de aceitar, mas… não assim.
Ele se levantou, andando pela cozinha enquanto falava, tentando organizar seus pensamentos.
— Eu só… não sei como lidar com isso. Eu amo você, Yasmim. Mas isso…
— Eu sei — ela respondeu, com lágrimas escorrendo pelo rosto — Eu também não sei o que fazer. Mas uma coisa eu sei, eu quero esse bebê. E eu quero que a gente continue juntos.
Marcelo parou e olhou para ela, seus olhos refletindo um misto de dor, amor e determinação.
— Se continuarmos juntos, ninguém pode saber sobre isso. Jorge não pode saber… eu não sei se consigo lidar com ele sendo parte da nossa vida assim.
Yasmim arregalou os olhos.
— Você quer esconder isso? Marcelo, ele é o pai biológico. Ele merece saber.
— E o que ele vai fazer? Você acha que ele vai querer assumir? Ele e Alice estão tão bem agora, e você quer soltar essa bomba no casamento deles?
Yasmim abriu a boca para responder, mas as palavras pareciam escapar. Ela sabia que Marcelo tinha razão em parte, mas também sabia que esconder a verdade poderia trazer consequências ainda maiores no futuro.
— Não é justo com ele, além de ser crime omitir isso — disse ela, finalmente, com a voz embargada.
— Não se ninguém souber…
Yasmim aproximou-se de Marcelo, estendendo a mão para segurar a dele. Ele olhou para ela, e naquele momento, todas as dúvidas, mágoas e confusões pareciam se dissipar. O que restava era o amor que eles ainda sentiam um pelo outro, mesmo em meio ao caos.
— Eu não quero perder você — ela sussurrou, encostando a cabeça no peito dele.
Marcelo envolveu-a em um abraço apertado, sua mão pousando suavemente na barriga dela.
— Você não vai. Eu prometo.
Eles ficaram ali por um longo tempo, apenas segurando um ao outro, enquanto a gravidade da situação se assentava. Apesar de tudo, estavam determinados a enfrentar juntos o que quer que viesse pela frente.
Enquanto Yasmim fechava os olhos, sentindo o calor do abraço de Marcelo, sua mente viajava para os momentos na festa de Rodrigo. A conexão física com Jorge havia sido intensa, mas era Marcelo quem estava ao seu lado agora, segurando sua mão e prometendo não deixá-la.
Ela teria que lidar com a situação com Jorge eventualmente, mas naquele momento, escolheu focar no presente.
Às vezes, precisamos perder tudo para nos encontrarmos novamente. O desejo, o amor, e até mesmo a confiança… podem ser reconstruídos, mas só se estivermos dispostos a aceitar quem realmente somos.