Mal se deu conta da hora passar. Olhou para o relógio de parede, e viu que já faltavam 15 minutos para as 20h. Trocou de roupa o mais rápido que pôde, e rumou para o pequeno barzinho, localizado numa ala turística da cidade. O movimento estava fraco, já que era dia útil, mas se via um ou outro casal de turistas vagando pelas calçadas, fitando tudo maravilhados, comprando todo e qualquer tipo de souvenir, querendo levar o sertão na bagagem.
Identificou Bruno e a esposa numa mesinha na calçada. Na mesa, uma cerveja suava. Aproximou-se e cumprimentou o casal.
– Boa noite, Brunão! Senhora…
– Boa noite, meu caro! Essa é Rafaela, minha esposa. E meu pivetinho tá ali se esbaldando no parquinho. Só assim pra deixar a gente respirar um pouco.
Levantaram-se para cumprimentar o recém-chegado. Bruno e Tiago trocaram abraços, e Rafaela cedeu-lhe sua mão, concedendo dois beijos cordiais ao professor.
Era uma loira dos olhos claros, do olhar gatuno. Lábios delicados, que combinavam com o rosto delicado. Os cabelos cortados pouco abaixo do ombro, davam um ar de jovialidade e praticidade. O corpo indicava uma mulher fissurada em manter-se em forma. Cintura fina, busto proeminente. Pernas torneadas e musculosas. Era um baita pedaço de mal caminho. Bruno estava bem servido.
Sentaram-se e Bruno ofereceu a cerveja, pedindo outra ao garçom.
– E então, Tiagão? Como você veio parar nesse paraíso, meu querido?
Tiago resumiu sua aprovação no concurso público, e sua lotação na localidade. Falou sobre os dois anos de adaptação e das práticas que desenvolveu na cidade. Do amor pelo rio, e dos planos que tinha de permanecer na região, vindo definitivamente para a cidade, trazendo também sua noiva, Carla.
– Ah, se não fosse esse calor, até eu me mudava pra cá. Ou Piranhas. Cidade muito linda, viu? – emendou Rafaela, fitando Tiago, que concordava.
– Realmente. Lá ainda é mais bonito que aqui. Volta e meia dou um pulinho por lá, nos fins de semana. É bem animado o centro histórico. Já foram lá, né?
– Não, não. Vamos nesse sábado. Só fomos pegar um catamarã para fazer uma trilha da grota do Angico, eu acho que é esse nome, né amor? – completou a moça.
– Isso. A grota onde mataram Lampião. Já fez essa trilha, Tiago? É de boa?
– Nunca fiz não, mas dizem que vale a pena. E é um local único. Acho que vale o investimento.
Conversaram sobre mais curiosidades da região. Tiago falou sobre as cidades vizinhas, e particularidades até a região de Paulo Afonso. Combinaram de juntos, irem aproveitar a noite de sábado em Piranhas. Talvez conseguisse convencer Carla a vir para o sertão, ao invés dele ir à Maceió. Fazia um tempo que ela não vinha, e seria uma boa oportunidade de fazerem algo diferente juntos, apesar da incerteza que sentia nela em relação ao local que queria chamar de lar.
– Então, está noivo há quanto tempo, Tiago? – indagou Rafaela, fitando atentamente o rapaz enquanto bebericava a cerveja.
– Três anos. Noivamos antes de que eu fizesse o concurso. Pretendemos casar quanto finalmente tivermos nossa casa própria. Ela está cuidando dessa parte, por enquanto… – deixou algo inacabado no ar, o que foi notado rapidamente pela moça
– Por enquanto?
– Bem, eu gosto daqui. Queria convencê-la a vir para o sertão em definitivo. Talvez uma cidade vizinha. Ela é arquiteta, então pode atuar em Paulo Afonso, que é um local maior. Tem oportunidades.
– Ai, que chique. Arquitetos sempre tem um bom gosto incrível! – elogiou Rafaela, demonstrando mais interesse na mulher.
– Espero que ela venha no fim de semana. Assim, poderá conhecê-la. Vão se dar bem.
– Ai, tomara, viu? Gosto de gente inteligente.
Tiago riu da forma alegre da mulher. Bruno e acompanhou na risada. Entendia como o amigo, o Bruno antissocial de antigamente, havia se apaixonado por alguém tão oposto.
– E aí, Brunão? Como vocês se conheceram? Conta melhor...
– Então, cara... Eu estava em Brasília, a vi num restaurante com as amigas. Eu estava acompanhando alguns palestrantes de um simpósio, ela na mesa ao lado. Cruzamos o olhar uma vez, e esperei ouvir o nome dela alguma vez na mesa. Bem stalker mesmo. Depois segui no instagram, conversamos, marcamos de sair, e tudo fluiu naturalmente. Agora estamos aqui, juntos.
– Bem a tua cara mesmo. Esperou chegar em casa para ir atrás – riu Tiago, lembrando da antiga personalidade do amigo.
– Eu mudei, tá? Deixei de ser o esquisito. – defendeu-se Bruno, agarrando o braço da mulher e tascando-lhe um beijo na bochecha, que retribuiu com um selinho rápido.
Volta e meia, o assunto tornava-se escasso, o que fazia todos pegarem seus celulares para fugir do tédio momentâneo. Tiago ainda aguardava a ligação de Carla, que não dava sinal de vida. Não havia chegado nenhuma mensagem anônima, e o professor dava graças a Deus por isso. Pensava em bloquear o número, mas ainda queria descobrir quem estava por trás daquela brincadeira.
Voltaram a conversar sobre trivialidades. As cervejas vinham animar a conversa, junto com alguns petiscos. O casal, preocupado com o filho, dava sinais que a noite estava acabando para eles. O menino se achegara, suado e cansado, e agora lutava contra o sono, enquanto esperava uma batatinha frita.
Enquanto Bruno ajeitava o filho sonolento, Rafaela se levantou para ir ao banheiro, e Tiago, sem querer, deixou o olhar pousar nas ancas delineadas pela calça jeans apertada. Aquela pequena faixa de pele que a blusinha deixava à mostra parecia uma provocação calculada. Ele tentou desviar os olhos, mas foi pego. Rafaela virou-se por um instante, lançando-lhe um sorriso enviesado, malicioso. Ele sentiu o rosto esquentar e abaixou a cabeça, fingindo mexer no celular. "Droga, Tiago. Foco!", repreendeu-se em silêncio.
A moça não demorou muito no toilette. Tampouco na mesa. Em quinze minutos, estavam se despedindo do rapaz. Rafaela abraçou-o calorosamente, reacendendo o desejo de conhecer Carla no próximo sábado. Bruno confirmou, e disse que já estavam animados para o fim de semana. Tiago assumiu o compromisso de convencer a noiva. Faria o possível.
Rafaela sacou o celular, e furtivamente, mandou uma breve mensagem para alguém: “Tenho novidades. Estamos saindo.”
Tiago decidiu ficar mais um pouco. O dia foi cheio, e os acontecimentos com Joana precisavam de uma reflexão cuidadosa. Pediu mais uma cerveja.
Ele definitivamente sabia que cedeu à tentação muito rápido. Sabia que se aproveitou da solidão da mulher. Sua amiga. Mãe de sua aluna. Esposa de um homem trabalhador. Sentia vergonha, e agora não fazia ideia de como olhá-la nos olhos. No momento, parecia que tinham direito à aquilo. Julgava que ele merecia, depois de quase duas semanas sem sexo, experimentar algo. Não pensara em Carla, muito menos em Francisco. Só em si, e no desejo de fazer Joana estremecer de prazer. Aqueles olhos... Queria vê-los em uma situação mais carnal.
Agora, tinha um problema gigantesco. Deveria tentar reverter tudo. Isso é, se fosse possível. Tentaria falar com ela ainda hoje. Era o mais certo a se fazer. Iria para casa, e pediria desculpas.
Terminou a cerveja, e pagou a conta. Levantou-se da mesa, e ao pegar o celular, notou a tela indicando uma mensagem nova.
– Então, me conta, Tiago... Desde quando você virou esse homem que não consegue desviar o olhar da bunda de uma mulher? Estou observando, sabia? Gostou mais da Rafaela, ou ficou satisfeito com Joana? Quem diria, o meu moreno com a mãe da aluna?
Tiago sentiu a cabeça rodar. Que magia era essa que essa mulher sabia de todos os seus passos? Como ela podia saber da visita de Joana? E que até tinha olhado para Rafaela? Olhou ao redor, e o bar não tinha mais ninguém, praticamente. Decidiu responder, pela primeira vez.
– Quem diabos é você? E o que você quer?
– O que eu quero? VOCÊ. E avise à sua noivinha que em breve ela vai perder o amor da vida dela. Quero você do meu lado, Tiago. E eu já perdi coisa demais nessa vida para abrir mão de você.
– QUEM É VOCÊ? COMO SABE TANTO SOBRE MIM?
– Eu tenho meus meios. E logo você saberá quem sou eu. Agora, se comporte. Eu sei de todos os seus passos, e sou ciumenta. Saiba disso.
Tiago sentiu o coração disparar, enquanto os olhos percorriam a mensagem de novo e de novo. Quem era essa mulher? Como ela sabia tanto? Ele tentou respirar fundo, mas o medo o sufocava. As palavras “perder o amor da vida dela” ecoavam em sua mente. “Isso já passou do limite!”, pensou, sentindo-se exposto como nunca antes. O que essa mulher seria capaz de fazer?