Mesmo após pagar a conta e sair caminhando solitário nas ruas de pedra da pequena cidadela, Tiago não conseguia desvencilhar-se da ideia de estar sendo observado a todo instante. Junto a isso, sua mente permanecia um turbilhão em fúria, com a necessidade de ajustar as coisas com Joana. Pelo seu bem, o dela, de Carla e de Francisco.
Olhou o relógio... 22:30. Carla precisaria ter uma justificativa muito boa para explicar o sumiço daquela noite. Não que ele fosse um rapaz controlador, mas o casal tinha certos rituais. Isso indicava importância, cuidado e apreço. Também era uma forma de diminuir a distância, ainda que psicologicamente.
Foi chegando ao condomínio, e passou direto por sua casa. Caminhou e parou no capacho felpudo da casa de Joana. A mão hesitante parou, suspensa no ar por alguns segundos, enquanto ele engolia seco e tentava organizar os pensamentos que diria à mulher. Bateu suavemente na porta, certo de que não estava pronto, mas confiante que de uma maneira ou outra, tudo ia sair e se resolver.
– Professor? O que faz aqui a essa hora? – uma Jana, já de babydoll, mas coberto com um casaquinho delicado, abriu a porta, surpresa.
– Oi, Jana… Boa noite. Eu preciso falar com Joana… Ela está?
– Tá sim. Vou chamar.
Não demorou muito para uma Joana reticente aparecer na porta. Usava uma camisola que deixava um palmo de suas coxas à mostra, e por cima, o mesmo casaquinho da filha escondia o farto busto.
– Boa noite, Tiago. Desculpe meus trajes. Fui pega de surpresa.
– Achei que estivesse dormindo. Desculpe incomodá-la a essa hora.
– Não… Estão todos esperando Francisco. Ele avisou que saiu de Delmiro agorinha. Deve chegar em uns 20 minutos.
Daria tempo. Seria o suficiente para pôr uma pedra no assunto.
– Bem, Joana… É sobre o que aconteceu hoje. Eu sinto que devemos esclarecer tudo e consertar as coisas.
A mulher desviou o olhar, corando, e apertando ainda mais o casaquinho aberto sobre seu colo. Sua boca dava indícios de querer falar, mas nada saía. Tiago continuou.
– Joana, você é uma mulher linda. Perfeita. E não estou falando isso da boca pra fora. Corpo escultural, sua boca, seus cabelos… Tudo na mais perfeita harmonia. E esses olhos…
Tiago não encontrou forma de descrever aqueles olhos. Parecia uma obra divina, mas que era usada como arma demoníaca para tentar os de mente fraca. E a mente de Tiago era fraquíssima.
– Eu cedi ao desejo, e sinto que te levei por esse caminho. Me perdoe, de verdade. Foi um desrespeito a você, ao seu esposo e à minha noiva – completou o professor.
– Tiago, eu concordo, mas você não pode assumir a culpa sozinho. Não foi só você. Fui eu. – retrucou baixinho a mulher, que pela primeira vez fitava o rapaz, com um sorriso sem graça no rosto – Sabe, eu acho que minha vida entrou no automático. E por um momento, eu cedi ao desejo também.
Tiago a olhava nos olhos. Mal piscava. Aqueles olhos o chamavam continuamente. Apelavam para os recônditos da imaginação. Aquele sorriso singelo que mais expressava vergonha parecia uma fonte para alguém sedento. A cabeça de Tiago, em polvorosa, alcoolizada, começava a perder o controle, o que fez o jovem aproximar-se dela.
– Joana, eu não sabia que eu precisava daquilo. Acho que foi puro instinto.
Poucos centímetros separavam os dois. Tiago umedeceu os lábios, percebendo a sutil alteração em Joana, que agora estava ofegante.
– Mas agora, eu sei que eu preciso disso – completou Tiago, beijando a mulher.
Um beijo leve, suave, amedrontado, mas que chegara com violência para as mentes dos dois. Tiago buscava nas sensações do beijo uma fuga para sua culpa, enquanto Joana, dividida entre prazer e vergonha, questionava em silêncio onde aquilo os levaria. Há quanto tempo não beijava? Há quanto tempo não sentia o coração palpitar tão forte? Há quanto tempo não tinha um homem bem cuidado a desejando tão fortemente, capaz de esquecer de tudo e de todos?
Passaram-se segundos, minutos, e só se largaram ao escutarem, ao longe, o barulho de um caminhão que se aproximava. Separaram-se, sem falar nada, a não ser um boa noite seco, que foi respondido com um até amanhã rápido.
Nenhum dos dois percebeu os olhos curiosos que os fitavam, por trás da janela.
***
– Bom dia, Loh! – saudou uma animada Rafaela, ao ter sua ligação atendida.
– Oi, querida! E aí? Quero mais detalhes de tudo! – respondeu a voz do outro lado da linha, curiosa.
– Nem me pergunta como estou, nem nada? Que amiga é você?
– Me perdoa meu bem… É que estou meio atarefada aqui, sabe? Mas também tenho novidades… Estou em Piranhas!
– MENTIRA! Tá fazendo o que aí? – exclamou Rafaela, surpresa com o fato da amiga estar tão próxima.
– Então, lembra que eu disse que conhecia um vereador de uma cidadezinha? Então, é daqui. Ele conseguiu uma vaga de médico plantonista no hospital municipal. Cheguei hoje. Por enquanto, estou num hotel, mas já tenho uma casa programada.
– Então vai gostar ainda mais da minha novidade, Lorena… Tiago vai conosco para Piranhas no sábado à noite.
– Tá brincando… Sério mesmo?
– Seríssimo! Só que tem um porém… Talvez a noiva dele venha junto.
– Aff… Por quê?
– Porque eu pedi que ela viesse, Loh! Melhor forma de combater alguém é conhecendo bem o inimigo.
– É… Tem razão. Me deixe antenada de tudo, viu? Vou me certificar de estar estonteante nesse sábado.
– Mas você ainda não me contou o porquê de tanta obsessão por esse homem, Lorena. O que ele tem de tão especial pra te deixar assim? Ele é gatinho, mas não é isso tudo.
– Segredo de estado, amiga… Além de ser uma longa história. Uma hora vai saber de tudo. Mas muito obrigado, de verdade, viu? Estou te devendo.
Rafaela passou mais detalhes do que conversara com Tiago. Planejaram uma entrada impactante, para chamar a atenção de todos no sábado. A moça, Lorena, tinha uma oportunidade única de dar o seu cartão de boas vindas. Precisava ter cautela para não estragar tudo.
Ao desligar o telefone, uma outra mensagem pipocou na tela do celular da médica, num quarto de hotel barato em Piranhas:
– Novidades. E acho que não vai gostar dessas.