A LUA QUE EU TE DEI - CAP 20 - DESERDADO

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2199 palavras
Data: 12/01/2025 01:44:08

— Deixa eu ver. — Benê pediu, ansioso, tentando espiar pela janela do motorhome.

— Calma, Benê. — respondi, tirando ele do meio como se estivesse em um filme de espionagem. Olhei para fora, tentando captar cada detalhe daquela conversa tensa entre o Beto e o pai dele.

— O que será que eles estão falando? — meu irmão perguntou, mas eu estava tão perdido quanto ele.

Beto e o pai, seu Geraldo, andavam de um lado para o outro, discutindo de forma acalorada. Cada gesto parecia mais intenso que o outro. Como será que ele encontrou o filho? A única explicação plausível era pelos vídeos que postamos. A viagem que fizemos em meses, ele provavelmente fez em horas pelo aeroporto de Ushuaia.

E então aconteceu. Um tapa. Eu vi o pai dele bater no Beto, e meu sangue ferveu. Me preparei para sair e fazer alguma coisa, mas Benê me segurou com força pelo braço.

— Tô tão puto quanto você. — ele comentou, os olhos queimando de raiva. — Mas fazer uma cena com o sogrão não vai ajudar em nada.

— Isso é tão injusto! — explodi, com a voz tremendo de indignação.

Antes que eu pudesse reagir de novo, Beto entrou no motorhome com violência. A porta bateu atrás dele, e ele começou a arrumar suas coisas com pressa, sem dizer uma palavra.

— Beto, calma aí! — tentei conversar, mas ele estava tão focado que parecia surdo às minhas palavras. Meu coração batia descompassado, e um sentimento de impotência tomava conta de mim.

Logo depois, seu Geraldo entrou sem ser convidado, apressando o filho de maneira fria e autoritária.

— Que porra tá acontecendo? — perguntei, exasperado, enquanto Beto terminava de guardar suas coisas. — Roberto?! — gritei, tentando fazê-lo olhar para mim.

— Preciso voltar para casa, Joaquim. — ele disse, sem encarar meus olhos. — Olha, eu sei que tú e o Benê me ajudaram muito, mas a minha família precisa de mim.

— Precisa? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia. — Esse homem te abusou por anos! Nós somos a sua família agora...

— Cala a boca, piá! — o pai dele rosnou, sua voz grave ecoando pelo motorhome. — Nunca gostei do teu tipo...

— Escuta aqui, parceiro. — Benê interveio, sua voz cortando o ar como uma lâmina. — O senhor pode ser o chefe de uma vilazinha no meio do nada, mas aqui quem faz as regras sou eu. O meu irmão é o ser humano mais decente e íntegro que eu conheço. Então, pegue o seu preconceito e soque no olho do seu nariz! Aqui ninguém é covarde, não. Cale a porra da sua boca e espere o seu filho lá fora. Agora! — Benê gritou, e eu vi suas mãos tremendo de raiva contida.

Seu Geraldo cuspiu no chão como se estivesse com nojo do Leopoldo.

— Roberto, e não quero aquele gato pulguento na fazenda. Se desfaça dele. — ele disse antes de desaparecer pela porta.

As palavras dele me atingiram como um soco no estômago.

— É isso, Roberto? — Benê perguntou, enquanto eu tentava processar o que acabara de acontecer. — Você vai nos deixar para trás? Vai deixar o Piccolo?

— Tú não entende, piá. — ele respondeu, com a voz fraca e as mãos trêmulas.

— Pior que entendo, cara. Tá tão claro quanto água. Sabe, eu esperava mais de você. Pensei que tinha ganhado um irmão mais velho e o cunhado perfeito. Mas vai lá. O teu pai tá te esperando. E não se preocupe com o Piccolo. Aqui ele vai ser tratado com amor e respeito. — Benê bufou, se jogando na cama e colocando os fones de ouvido.

— Joaquim...

— Só vai embora, cara. Seu pai já disse tudo o que tinha para me dizer. — cruzei os braços, encarando o chão para evitar que ele visse as lágrimas se acumulando nos meus olhos.

Beto foi embora sem olhar para trás. Assim que a porta se fechou, minhas pernas fraquejaram, e eu caí de joelhos no chão, deixando as lágrimas escorrerem livremente.

Benê não demorou para vir ao meu socorro, me abraçando com força.

— Obrigado. — murmurei entre soluços.

— Ninguém se mete com a minha família, entendeu? — ele disse, limpando minhas lágrimas com os dedos trêmulos. — Você é tudo o que eu tenho, Quim. Meu irmão e melhor amigo. Não acredita em nada do que aquele homem falou. Você é perfeito.

— Eu só dou trabalho para as pessoas, Benê. Você viveria melhor se eu não fosse...

— Nem termina essa frase, seu idiota. — Benê me cortou, os olhos brilhando com lágrimas. — Eu te amo, Joaquim. Eu não saberia viver sem você. — ele começou a chorar também, me abraçando com ainda mais força. — Eu te amo, tá bom? Era isso que você queria? Pronto, tô chorando agora!

BETO

Nunca pensei que veria meu pai ali, no meio do nada, em um lugar tão longe de casa. Meu peito se apertou ao avistá-lo, parado diante do motorhome, como um vulto dos meus piores pesadelos. O frio do Ushuaia pareceu dobrar, mas o que me congelou não foi a temperatura; foi a presença dele.

— É com esses desviados que você está?! — gritou ele, a voz retumbando como o trovão que sempre temi. As veias do pescoço pulsavam, a testa franzida, aquele olhar que nunca me viu por completo.

— Pai, calma. — pedi, numa tentativa inútil de apaziguar o que eu sabia que viria.

Seus olhos pousaram no Joaquim, e eu senti um calafrio.

— Esse piá que gravou os vídeos pornográficos? — acusou, apontando para ele como se fosse um criminoso. — É com esse tipo de gente que você quer andar? Meu filho, eu te dei educação. A tua mãe estaria decepcionada contigo! Estar com esse povo sujo, imundo e cheio de pecados! — bradou, cuspindo palavras como se fossem veneno.

— Pai, chega! — ergui a voz, mais forte do que pensei que poderia. — Vamos conversar lá fora.

Eu precisava tirá-lo dali, longe dos olhares de Joaquim e Benê. Precisava protegê-los, mesmo que isso me custasse mais pedaços do que já havia perdido.

Do lado de fora, a conversa não foi menos cruel. Ele começou a desfiar uma lista de problemas: os tios envolvidos com a justiça, a Vanessa sobrecarregada, o casamento da minha irmã que eu supostamente estava arruinando com a minha ausência.

Tive um surto de coragem e aproveitei para despejar todas as minhas frustrações que tinha a respeito dele. Afinal, ele não ganhou o prêmio de pai do ano.

— Tú é uma decepção, seu verme! — ele esbravejou, cuspindo mais insultos do que eu conseguia suportar.

E aí veio aquele tapa. Não o primeiro que recebi dele, mas o mais simbólico. Foi o tapa que me fez perceber que eu estava preso.

— Quem ia amar um filho viado? Me diz, porra! — ele vociferou, como se essa fosse a única verdade que importava no mundo. — Tú vai voltar pra casa agora ou vou quebrar todo esse ônibus. Vou matar esses dois viados. É isso que tú quer?

Meu coração despedaçou ali, mas não tive tempo de juntar os cacos. A ameaça aos meus amigos foi suficiente para que eu fizesse a única coisa que podia: obedecer.

Fiz minhas malas em silêncio, tentando ignorar os olhares de Joaquim e Benê. Eles não entendiam, e como poderiam? Meu pai tinha um poder sobre mim que eu não sabia como quebrar.

A viagem para o aeroporto foi um borrão. Meu pai reclamava do frio, do preço das coisas, de tudo, enquanto eu mergulhava nas lembranças de tudo o que vivi com o Joaquim e o Benê. Cada lugar que passávamos era uma lembrança. O parque onde rimos até doer a barriga quando o Benê caiu, o mercado onde o Joaquim derrubou as batatas, e o petshop que levamos o Piccolo para um dia de beleza, que deu muito errado.

Chegamos ao aeroporto, e a tortura continuou. Enquanto ele resolvia os papéis, eu me sentia sufocado, uma sombra do que eu era há apenas um dia.

O anúncio do voo ecoou, e seguimos para o portão de embarque. Foi quando ouvi o miado familiar. Olhei ao redor e lá estava ele, o Piccolo, me olhando com aqueles olhos que pareciam entender tudo.

— O que você está fazendo aqui? — sorri pela primeira vez em horas.

— Eu mandei tú deixar essa porra de gato! — meu pai sibilou, baixando a voz, mas mantendo o tom ameaçador.

E foi ali que algo dentro de mim se quebrou. Não era justo. Nada daquilo era justo.

— Não. — disse, minha voz saindo firme antes mesmo de perceber.

— O que, piá?

— Eu disse não! — olhei para ele, sentindo uma força que nunca havia sentido antes.

— Se você pensar em alcançar um dedo no meu namorado ou no meu cunhado, eu juro que vou para a tua preciosa fazenda e taco fogo em tudo. — a ameaça saiu sem hesitação. Pela primeira vez, eu o encarei como igual, não como uma vítima.

Ele ergueu a mão para me bater novamente, mas desta vez, eu a segurei. Segurei com toda a força que guardei por anos.

— A partir deste momento, tú não tem mais pai! — ele cuspiu, cheio de ódio.

— E tú não tem mais filho. — respondi, cuspindo nele e soltando sua mão como se fosse um peso que eu não precisava carregar mais. — Espero que viva muito para ver o meu sucesso.

E então, peguei o Piccolo e virei as costas. Corri. Corri em direção à liberdade, ao amor, ao futuro que eu merecia. Deixei o passado para trás, e junto com ele, o homem que nunca soube me amar.

JOAQUIM

A noite estava tão escura que parecia engolir tudo à nossa volta. O camping, que deveria ser um refúgio tranquilo, tinha se transformado num cenário de busca frenética e desesperada. Benê segurava uma lanterna, apontando para os arbustos e pedras, enquanto eu me afogava em pensamentos negativos.

— Perdemos o gato em menos de cinco horas. Isso deve ser um recorde em algum lugar. — Benê resmungou, tentando aliviar a tensão com seu humor típico.

— Piccolo! — gritei mais uma vez, sem resposta além do eco. A angústia aumentava em mim como uma onda crescente.

— Isso não pode tá acontecendo. — minha voz saiu embargada, e logo eu já estava chorando. — É tudo culpa minha.

— Já superamos isso, Joaquim. Você chorou, eu chorei. Não tenho mais lágrimas. — Benê olhava debaixo de um arbusto, tentando esconder o próprio cansaço.

Era verdade. A culpa era minha. Piccolo era uma das poucas lembranças físicas que me conectavam ao Beto, e agora ele havia sumido. Pera aí, o Beto pode ser considerado o meu ex-namorado? Fui tomado por uma mistura de pânico e autoaversão. Minha mente, como sempre, criou cenários absurdos.

"VOCÊ NÃO PODE DESEJAR AQUILO QUE VOCÊ NÃO PODE TER", a voz da Márcia Sensitiva ressoou.

— Você está certa, Márcia. — murmurei, quase em transe.

— Perdeu alguma coisa? — uma voz familiar me tirou do devaneio.

Quando me virei e apontei a lanterna, lá estava ele. Beto. Com o Piccolo nos braços. Meu coração deu um salto, misturado entre alívio e incredulidade.

— Beto. — deixei escapar antes de correr na direção deles. Peguei Piccolo em meus braços como se ele fosse um tesouro perdido. — Como você some assim, hein? — murmurei, beijando o gato antes que ele pulasse de volta para o Benê, como se soubesse que ainda tinha mais um coração a acalmar.

— Piccolo! — Benê gritou, abraçando o gato e imediatamente caindo no chão quando Piccolo começou a usá-lo como arranhador.

Minha atenção voltou para Beto, que agora estava mais próximo.

— O que você quer aqui? — perguntei, mais defensivo do que pretendia.

— Eu sou um idiota. Deixei o medo me consumir e não te defendi. — a honestidade em sua voz era quase palpável. — Mas eu sou tão sortudo por te ter, Joaquim.

Sua mão gelada tocou meu rosto, e as barreiras que eu tentava manter começaram a ruir.

— E se ele aparecer de novo? — perguntei, minha voz tremendo de incerteza.

— Ele não vai. E se aparecer, o Benê protege a gente. — ele brincou, arrancando de mim um sorriso que há muito tempo parecia impossível.

Me entreguei ao abraço dele, deixando as lágrimas que eu segurava escorrerem.

— Eu te amo, Joaquim. — ele sussurrou antes de me beijar, e o mundo pareceu se alinhar novamente.

— Não, Piccolo. No rosto não, por favor. — Benê, agora completamente rendido, estava no chão tentando se livrar do ataque amoroso do gato.

Beto segurou meu rosto e, com um sorriso meio tímido, perguntou:

— Tú aceita namorar comigo?

O cenário não podia ser mais surreal e, ao mesmo tempo, perfeito. Sob a luz da lua, com o vento suave acariciando nossos rostos e o som de Benê implorando por socorro ao fundo, não havia outra resposta possível.

— Aceito, claro que aceito. — respondi, entre beijos, como se precisasse selar aquele momento em todas as formas possíveis.

— Só tem um problema. — ele anunciou, fazendo uma careta.

— Qual? — perguntei, ainda nas nuvens.

— Fui deserdado.

Eu pisquei algumas vezes, tentando absorver a informação.

— Então, sem fazenda de soja?

— Sem fazenda.

Dei de ombros e sorri.

— Tudo bem. Contanto que você continue me aquecendo nessa viagem, eu posso viver com isso. — falei antes de beijá-lo de novo. Não conseguia me cansar disso.

— Chega, gato. Não, não! Socorro! Socorro! — a voz de Benê ecoou, fazendo-nos rir.

Naquela noite, ao som de Piccolo e de risadas, decidi que meu futuro, mesmo com incertezas, já estava mais brilhante com Beto ao meu lado.

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