Meu príncipe, meu irmão - Capítulo 19: Reencontro

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 4582 palavras
Data: 16/01/2025 00:58:14

O ônibus finalmente parou em frente ao portão do acampamento. Lá fora, o som da natureza preenchia o ar: pássaros cantando, folhas balançando ao vento, e o leve ruído de um riacho próximo. Era um lugar lindo, cercado por árvores altas, com chalés de madeira e uma ampla área gramada onde várias atividades pareciam estar esperando por nós.

- Chegamos! - gritou o professor, levantando-se na frente do ônibus, o que foi seguido por um coro de vozes animadas e o som das mochilas sendo arrastadas pelos corredores estreitos.

Gustavo e eu saímos juntos, carregando nossas mochilas. Ele parecia empolgado, com aquele sorriso confiante que sempre fazia meu coração acelerar. Mas logo percebi que não seríamos os únicos no centro das atenções.

Na fila para a distribuição das barracas, algumas meninas começaram a se aproximar de Gustavo. Elas riam alto de tudo o que ele dizia, mesmo que fosse um simples "com licença". Ele era naturalmente carismático, e isso parecia atraí-las como um imã.

- E aí, Gustavo, você trouxe bola pra jogarmos mais tarde? - perguntou Luana, uma das alunas do terceiro ano, com um sorriso que parecia mais interessado nele do que no futebol.

- Trouxe, sim. A gente pode marcar um jogo depois - respondeu ele, sem perceber o tom da pergunta.

Eu estava parado ao lado dele, tentando manter a calma enquanto via Luana tocar no braço dele casualmente, rindo de algo que ele mal tinha dito.

- Gustavo, você está mesmo forte, hein? O treino de futebol está dando resultado - disse ela, apertando o bíceps dele como se fosse algo natural.

- É, eu tento me cuidar - respondeu ele, claramente desconfortável, mas educado como sempre.

Eu revirei os olhos e dei um passo para o lado, fingindo ajustar minha mochila, mas na verdade tentando esconder meu ciúme crescente. Gustavo percebeu e se aproximou, colocando a mão na minha cintura de forma sutil.

- Tá tudo bem? - ele perguntou baixinho, enquanto Luana ainda falava algo com as amigas.

- Tá - respondi seco, mas ele sabia que não estava.

Depois que todos os quartos foram distribuídos, Gustavo e eu fomos até nossa barraca, que estava em uma área mais isolada, cercada por árvores. Era perfeita para nós. Enquanto montávamos nossas coisas, ele finalmente puxou o assunto.

- Você tá com ciúmes, né? - perguntou, se inclinando para mim com aquele sorriso provocador.

- Não tô - menti, evitando o olhar dele.

- Léo, você tá quase furando o chão com o pé de tanto nervoso - ele disse, rindo. - Olha, você não precisa se preocupar. Eu só tenho olhos pra você, tá?

Esbocei um sorriso sabendo que eu estava exagerando, mas ouvir que ele só tinha olhos para mim fazia o meu dia ficar melhor.

Após montarmos a barraca e organizarmos nossas mochilas lá dentro, seguimos para o ponto principal de encontro do acampamento. Era uma área verde no centro, cercada por árvores altas e com um ar fresco que contrastava com o calor do dia. Havia mesas e bancos de madeira rústica, dispostos sob uma cobertura improvisada de lona, que provavelmente seria o lugar onde tomaríamos café e almoçaríamos durante nossa estadia.

O som das vozes dos alunos ecoava pelo espaço, alguns mais empolgados do que outros. O barulho das folhas ao vento misturava-se às risadas e às conversas animadas. Já havia um grupo de estudantes sentados nas mesas, aguardando o professor aparecer para explicar as atividades.

Eu me sentei ao lado de Gustavo, tentando ignorar o burburinho ao redor. A verdade era que não tinha o menor interesse no que aconteceria durante o dia. Minha mente estava ocupada com a expectativa de quando a noite chegaria e eu finalmente poderia me deitar ao lado dele na barraca, longe de olhares curiosos.

Enquanto esperávamos, alguns alunos começaram a bater nas mesas em um ritmo que lembrava o rufar de tambores, criando uma atmosfera de tensão divertida. Gustavo parecia distraído, mas eu percebia o sorriso em seu rosto, como se estivesse se divertindo com a energia do grupo.

Finalmente, nosso professor apareceu e começou a passar as informações. Ele explicou que seríamos divididos em quatro grandes times, cada um com cerca de trinta integrantes, para participar de uma série de atividades competitivas ao longo do acampamento. Haveria provas físicas e desafios de raciocínio lógico, pensados para estimular o trabalho em equipe.

Eu quase ri ao pensar em como Lara seria perfeita para os desafios de lógica. Mas, conhecendo-a, o simples fato de enfrentar mosquitos e dormir em um saco de dormir a mantivera longe dali.

— Certo, pessoal! Dividam-se em seus times e organizem-se! — anunciou o professor, encerrando suas instruções com um tom firme.

Foi aí que percebi que nem tudo seria tão perfeito. Não só a Luana, como também o Miguel, tinham ficado no meu time. Trabalhar junto com ele nos próximos dias era tudo que eu queria evitar. Gustavo notou minha expressão de desconforto e se inclinou para sussurrar em meu ouvido:

— Relaxa, Léo. Não vai ser tão ruim assim. Estou aqui com você.

Eu forcei um sorriso, tentando acreditar em suas palavras, enquanto observava Miguel lançar um olhar rápido na nossa direção. Aqueles próximos dias prometiam ser mais desafiadores do que eu imaginava.

Enquanto os times começavam a se organizar, o espaço ficou tomado por vozes e movimentos. Alguns alunos já estavam tentando bolar estratégias, enquanto outros, como eu, só queriam entender como aquilo tudo funcionaria. Gustavo parecia completamente à vontade, interagindo com os colegas e até arriscando algumas piadas que faziam os outros rirem.

Miguel, por outro lado, mantinha-se um pouco mais reservado, mas ainda assim presente o suficiente para que eu sentisse sua constante proximidade. Ele se aproximou da roda do nosso time e, para minha surpresa, começou a sugerir ideias para as competições.

— Acho que, nas provas físicas, precisamos definir quem tem mais resistência. Talvez o Gustavo... — ele olhou de relance para mim antes de completar, com um sorriso que parecia inocente, mas que eu sabia que tinha um propósito: — E o Léo podem liderar.

— Não sei se eu sou a melhor escolha... — comecei a dizer, mas fui interrompido por Gustavo, que passou um braço pelo meu ombro.

— O Léo é bom em muita coisa, Miguel, você vai se surpreender.

O tom protetor de Gustavo não passou despercebido por ninguém, muito menos por mim. Miguel apenas assentiu, com aquele sorriso ainda nos lábios.

Após explorarmos o acampamento, fomos chamados de volta à área principal para receber nossa primeira tarefa: uma partida de queimado. Todos os times se reuniram no campo esportivo, onde o professor já estava com uma tabela improvisada e um saco cheio de papéis.

— Muito bem, pessoal! Vamos começar com algo para esquentar: uma boa e velha partida de queimado. As regras são simples: cada time coloca seus melhores jogadores em campo. Quem for acertado pela bola sai, e o último time com jogadores restantes vence. Os times que vão se enfrentar serão decididos na sorte.

Ele balançou o saco e tirou dois papéis, anunciando os primeiros confrontos.

— Time vermelho contra o azul, e time amarelo contra o verde!

Meu time, o verde, enfrentaria o amarelo na segunda partida. Alguns alunos começaram a se aquecer e a discutir estratégias. Miguel, que até então estava calado, levantou a mão.

— Professor, acho melhor eu ficar de fora dessa. Não sou muito bom em esportes.

— Tudo bem, Miguel. Alguém mais? — perguntou o professor.

— Eu também fico de fora — murmurei.

Não era muito fã de queimado, e honestamente, preferia assistir Gustavo jogar. Ele parecia animado, ajudando a organizar a equipe.

Logo a partida começou, e o time verde entrou em campo. Gustavo estava em sua melhor forma, desviando da bola com agilidade e acertando os adversários com precisão. A cada jogada, os gritos e aplausos dos nossos colegas ecoavam pelo campo.

Eu estava sentado na arquibancada, observando Gustavo com um sorriso bobo no rosto, quando percebi Miguel se aproximando. Ele sentou-se ao meu lado, lançando-me um olhar intenso.

— Léo, eu... Queria falar com você.

— De novo, Miguel? Já tivemos essa conversa.

— Eu sei, mas não consigo tirar isso da cabeça. — Ele fez uma pausa, olhando para o campo onde Gustavo acabava de eliminar mais um adversário. — Eu me arrependo de ter sido tão idiota com você. E... eu sinto falta do que tivemos.

Desviei o olhar, tentando ignorar o calor que subiu ao meu rosto.

— Não faz sentido falar disso agora.

— Faz, sim. — Miguel inclinou-se levemente em minha direção, abaixando a voz. — Eu sinto falta do seu beijo, Léo.

Meu coração deu um salto, mas não era pela emoção que Miguel esperava. Era pela raiva e pelo desconforto. Antes que eu pudesse responder, senti um olhar pesado sobre nós.

Quando levantei os olhos, vi Gustavo no campo, parado no meio da partida. Ele segurava a bola nas mãos, mas seu olhar estava cravado em Miguel, carregado de fúria. Mesmo de longe, eu podia ver a tensão em sua expressão.

Gustavo voltou ao jogo com uma força renovada, quase como se quisesse descarregar sua frustração na partida. Ele eliminou dois jogadores em rápida sucessão, arrancando gritos de euforia dos colegas de time.

Miguel parecia alheio à tensão crescente. Ele tocou meu braço levemente.

— Eu só queria que você soubesse disso.

Puxei meu braço de volta e me levantei, olhando diretamente para ele.

— Miguel, você precisa parar. Isso não vai levar a nada.

Enquanto a partida seguia, Gustavo jogava com uma intensidade que beirava o excesso. Ele era rápido, preciso, e claramente tinha algo a provar. Cada movimento seu parecia calculado, como se estivesse tentando deixar uma mensagem para todos, especialmente para Miguel, que ainda estava sentado ao meu lado na arquibancada.

Eu observava o jogo com atenção, mas ao mesmo tempo sentia o peso da tensão crescente entre os dois. Miguel, por outro lado, parecia descontraído, mas seus olhos às vezes seguiam Gustavo com um olhar indecifrável.

De repente, Gustavo pegou a bola, olhou rapidamente na direção da arquibancada e, em um movimento ágil, a arremessou com força. Só que, em vez de acertar um dos adversários no campo, a bola desviou levemente... e foi direto para Miguel.

A bola atingiu Miguel no ombro, não com força suficiente para machucá-lo de verdade, mas o impacto o fez soltar um grunhido surpreso. Ele se levantou, esfregando o ombro e olhando para Gustavo com uma mistura de incredulidade e irritação.

— Ei! — Miguel reclamou, erguendo as mãos. — Isso foi mesmo necessário?

Gustavo deu um sorriso satisfeito, aparentemente sem o menor remorso.

— Foi mal, Miguel, a bola escapou — respondeu, sua voz carregada de sarcasmo.

O restante dos alunos que estavam assistindo soltou risadas e murmúrios, enquanto eu afundava o rosto nas mãos, dividida entre rir da cena e querer desaparecer.

Miguel se sentou de novo, ainda esfregando o ombro, mas dessa vez ficou em silêncio. Gustavo, sem perder a concentração, voltou ao jogo e, em um movimento final, acertou o último jogador adversário, garantindo a vitória do nosso time.

Ele levantou os braços em comemoração, recebendo os parabéns dos colegas, mas não demorou a se aproximar da arquibancada, com os olhos fixos em mim e Miguel.

— Vi só? Ganhei pra gente — disse Gustavo, ainda ofegante e com um sorriso forçado no rosto.

— Vi, você foi incrível — respondi, tentando manter o tom leve, mas sabia que ele estava incomodado.

Gustavo olhou para Miguel, que permanecia calado, mas ainda visivelmente irritado com o ocorrido.

— Miguel, parece que o professor tá chamando todos os que ficaram de fora pra ajudarem na próxima partida. Devia ir lá.

Miguel estreitou os olhos, mas acabou balançando a cabeça, como se estivesse cansado daquela situação.

— Acho que vou esperar aqui mais um pouco — respondeu, num tom desafiador.

Gustavo apertou os lábios, claramente tentando se segurar, mas acabou apenas jogando um braço possessivo sobre meus ombros.

— Depois a gente conversa, Léo.

Ele se afastou em direção ao grupo, mas não sem antes lançar mais um olhar carregado de ciúme para Miguel.

–Qual é a desse seu irmão, hein? – disse Miguel – eu sei que ele pegou a gente aquele dia, mas ele parece que quer ser seu sono.

–Ciúmes de irmão – falei dando de ombros.

Ciúmes, a palavra ciúmes e o som suave do relógio preenchia o silêncio da sala enquanto a doutora Mônica fechava o caderno em que fazia suas anotações. Se quando eu era adolescente a palavra ciúmes já tinha um peso para mim, imagina agora?

Os olhos calmos da minha psicóloga se voltaram para mim, mas eu conseguia sentir a intensidade do seu olhar, como se estivesse desvendando os meus pensamentos.

— Vamos continuar de onde paramos, Léo — ela começou, sua voz sempre gentil. — Hoje quero trabalhar com você algo que ficou muito claro nas suas últimas lembranças: o ciúme.

Suspirei e me ajeitei na poltrona. O conforto do lugar parecia contraditório com a inquietação que eu sentia por dentro.

— É difícil falar sobre isso — confessei, meus dedos brincando nervosamente com o zíper da jaqueta. — Mas é impossível negar que o ciúme estava sempre lá, sabe? Era como... como uma sombra na nossa relação.

— E como essa sombra afetava vocês? — ela perguntou, inclinando-se levemente para frente, interessada.

Pensei por um momento antes de responder.

— No começo, era até meio... engraçado. A gente brincava, fazia piada. Eu gostava de ver que ele ficava incomodado quando alguém se aproximava de mim, e acho que ele sentia o mesmo quando eu tinha ciúmes. Era uma forma de mostrar que a gente se importava. Mas, com o tempo, isso mudou.

— Mudou como?

— Ficou mais sério. Mais pesado — admiti, minha voz falhando um pouco. — Não sei exatamente quando isso aconteceu, mas o ciúme deixou de ser algo bobo e começou a criar tensão entre a gente. Como se sempre existisse uma ameaça, mesmo quando não tinha.

A doutora Mônica anotou algo em seu caderno, mas não interrompeu.

— E você acha que foi o ciúme que acabou gerando os problemas entre vocês? — ela perguntou, levantando o olhar para mim.

Eu ri, um riso sem humor, e balancei a cabeça.

— Na verdade, doutora, eu diria que foi o ciúme que desenrolou toda a grande merda, sabe?

Ela arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada, esperando que eu continuasse.

— Foi no final daquele acampamento. Até aquele ponto, eu achava que estávamos bem. Quer dizer, claro, havia algumas brigas e provocações, mas nada que parecesse fora do controle. Mas... naquele último dia... tudo mudou. Nossas brigas pararam de ser "quando vamos fugir de casa e para onde vamos" e se tornou "você olhou pro Miguel ou eu vi você sentindo atração por outro garota". Não tiro minha culpa, também fui muito ciumento.

Engoli em seco, tentando manter o controle sobre minhas emoções enquanto as memórias ameaçavam me inundar.

— Gustavo sempre teve ciúmes do Miguel, isso não era novidade. E, pra ser honesto, eu também ficava desconfortável quando via como algumas meninas se aproximavam dele. Mas, naquele acampamento, as coisas simplesmente... saíram dos trilhos.

— O que aconteceu? — A voz da doutora Mônica era calma, mas havia um tom de urgência na sua pergunta.

— Foi como uma bola de neve. Pequenos momentos que foram se acumulando, até que tudo explodiu de uma vez. Eu lembro do último dia, quando a gente finalmente ia embora. Lembro de como o Miguel tentou falar comigo de novo, e como Gustavo ficou fora de si. Ele não gritou nem nada, mas... foi o olhar. O jeito como ele olhava pro Miguel, como se quisesse acabar com ele.

— Isso te assustou? — ela perguntou, com um leve franzir de testa.

— Não... não exatamente. Era mais como se eu não soubesse o que fazer. Eu sabia que o Gustavo tinha razão de não gostar do Miguel, mas, ao mesmo tempo, eu não queria afastar ninguém. Eu estava preso entre os dois, e isso foi um erro.

A doutora Mônica fez uma pausa antes de continuar.

— Você disse que perdeu o Gustavo. Quer me contar mais sobre isso?

Eu engoli em seco, sentindo o peso das palavras.

— Naquele último dia do acampamento, algo aconteceu. Algo que eu não vi na hora, mas que mudou tudo. Foi o começo do fim, sabe? Quando voltamos pra casa, parecia que o Gustavo não era mais o mesmo. E eu não conseguia entender o porquê. Só mais tarde, bem mais tarde, eu descobri o que tinha acontecido. Por muito tempo culpei Miguel, mas na semana passada eu o encontrei e ele me pediu desculpas de uma forma tão sincera, que entendi que tem coisas que é melhor esquecer.

Ela inclinou a cabeça, claramente curiosa.

— E você acredita que hoje você poderia ter uma vida novamente com outra pessoa? Você as vezes fala de como se sente bem com o Miguel. Porque não dar uma chance a ele, atualmente?

— Não sei se quero ter vida com mais ninguém que não seja o Gustavo — respondi, minha voz baixa. — Enquanto eu souber que ele existe em algum canto dessa cidade, eu estarei pronto para o esperar

A sala ficou em silêncio por um momento, e eu percebi que minha respiração estava pesada.

— Você carrega muita culpa, Léo — disse a doutora Mônica, finalmente. — Mas precisamos lembrar que não podemos controlar tudo. A relação de vocês foi construída sobre amor, mas também sobre inseguranças, e isso não é só responsabilidade sua. Se em algum momento você encontrar o Gustavo, só me prometa nao parar com a terapia, pois ainda temos muito o que mexer dentro de você.

— Eu sei — sussurrei, embora não tivesse certeza se realmente acreditava nisso.

Ela sorriu suavemente e fechou o caderno novamente.

— Vamos continuar explorando isso nas próximas sessões. Por hoje, acho que já mergulhamos fundo o suficiente.

Eu assenti, me levantando da poltrona. Enquanto saía da sala, senti o peso do passado ainda presente em meus ombros, mas também uma pequena fagulha de esperança de que, talvez, algum dia eu pudesse deixar tudo isso para trás.

A noite estava densa, quase sufocante, enquanto eu dirigia pelas ruas da cidade. O ar carregava um cheiro úmido de chuva que não veio, como se o céu estivesse indeciso entre desabar ou segurar as lágrimas. Saí da sessão com a doutora Mônica com a cabeça girando. As palavras dela ecoavam na minha mente, mas, ao mesmo tempo, eram abafadas por um turbilhão de pensamentos que não consegui organizar.

Quase bati o carro duas vezes. Na primeira, ao não perceber um motociclista cruzando o farol. Na segunda, quando avancei na faixa de pedestres sem ver que alguém ainda estava atravessando. Meu coração disparava, não só pela adrenalina dos quase acidentes, mas pela sensação de que algo estava fora do lugar. Algo naquela noite me incomodava.

O caminho para casa parecia mais longo do que o habitual. As luzes dos postes projetavam sombras que pareciam dançar pelo chão, e a cidade, mesmo cheia de vida, me parecia vazia. Finalmente cheguei ao prédio, ainda com aquela sensação incômoda grudada na pele.

— Boa noite, seu Léo — o porteiro me chamou assim que saí do carro, a expressão no rosto dele denunciando que algo estava errado.

— Boa noite... aconteceu alguma coisa?

Ele hesitou, como se não soubesse exatamente como me contar.

— Um homem veio aqui procurar pelo senhor. Disse que era seu irmão.

Meu coração parou por um instante.

— Meu irmão? — perguntei, a voz quase falhando. — Como ele era?

— Olha, seu Léo, parecia meio maluco. Todo barbado, sujo, com a roupa vomitada. Tinha cara de... bem, de quem tá morando na rua, sabe?

Meu estômago virou.

— E onde ele foi? Você falou pra ele esperar? Ele ainda tá aqui? — perguntei rápido, atropelando as palavras.

O porteiro balançou a cabeça, com uma expressão entre a culpa e a confusão.

— Não, senhor. Ele ficou rondando, mas depois foi embora. Saiu andando pra lá — apontou para a rua principal. — Achei que não fosse nada importante.

Sem pensar, corri de volta para o carro. Meu coração batia tão rápido que parecia querer sair do peito. O Gustavo. Não podia ser outra pessoa.

Dirigi como se minha vida dependesse disso, mas, ao mesmo tempo, o medo me consumia. Medo de estar certo. Medo de estar errado. As ruas passavam como borrões pelas janelas, e eu olhava para cada esquina, cada beco, procurando qualquer sinal dele.

Depois de virar por três ruas diferentes sem encontrar ninguém, uma esquina finalmente me levou a um aglomerado de moradores de rua. Havia colchões velhos espalhados pelo chão, sacos de lixo servindo como divisórias improvisadas e rostos cansados que pareciam ter desistido de lutar.

Desci do carro, o coração disparado.

— Gustavo! — gritei, minha voz ecoando na escuridão.

Olhares curiosos e desconfiados se voltaram para mim, mas ninguém respondeu. Comecei a andar, vasculhando cada canto, cada sombra, até que o vi.

Ele estava encolhido em um canto, o corpo magro e abatido, mal reconhecível. A barba desgrenhada escondia parte do rosto, mas aqueles olhos castanhos... mesmo perdidos, eram inconfundíveis. Sua roupa estava suja, manchada de vômito, e ele parecia à beira de desmaiar.

— Gustavo... — minha voz quebrou enquanto eu me ajoelhava ao lado dele.

Ele abriu os olhos com dificuldade, parecendo confuso, mas não disse nada. Estava fraco demais.

— Eu vou te tirar daqui, tá bom? — falei, a voz tremendo.

Passei um braço por baixo dele e o levantei com cuidado. Ele gemia baixinho, como se qualquer movimento fosse uma tortura. Levei-o até o carro e o acomodei no banco do passageiro, tentando ignorar o cheiro de álcool e sujeira que impregnava o ar.

O caminho de volta foi um inferno. Gustavo vomitou mais duas vezes, e eu tive que parar o carro para limpá-lo do jeito que pude. Cada vez que olhava para ele, meu coração se partia mais um pouco. Como ele tinha chegado àquele ponto?

Parei o carro na garagem do meu prédio e com muita força enfiei ele no elevador. O cheiro dele era sufocante, era o cheiro da rua, da morte.

Abri a porta do meu apartamento e ele caiu no chão da minha sala, me derrubando junto. Eu não tinha mais forças, eu apenas queria chorar. Mas eu sei que não ia desistir, dessa vez eu ia o salvar.

Me ajoelhei ao seu lado pensando no que fazer, mas me perdi na dor daquele rosto magro e triste.

– Olha pra você, Gustavo... – falei entre lágrimas – olha o que fizeram com você. Ou melhor, o que você deixou acontecer. Esse não é o cara que eu conheci. Não é o cara que me defendia na escola, que me fazia rir das coisas mais idiotas, que me ensinou a nunca desistir. Não, esse cara aí, jogado nesse sofá, derrotado... não é você. Mas quer saber? Eu também não sou mais o mesmo. Eu te prometi, Gustavo. Prometi que nunca ia desistir de você. Nunca. Você se lembra disso? Porque eu lembro. Eu lembro de cada palavra, cada olhar, cada momento que fez de nós o que somos. E não importa o que você tenha feito, o que tenha perdido, ou até mesmo o que tenha se tornado... eu continuo aqui.

Me levantei e comecei a levanta-lo devagar, tentando o levar ao banheiro. Minha mente vagava em tudo o que eu queria dizer pra ele enquanto as lágrimas corriam em meu rosto. Só queria poder ter tempo naquele momento de abrir o meu caderno e escrever tudo o que pensava. Eu juro que se eu pudesse escrever algo naquele momento, com certeza seria:

"Gustavo, Você pode ter desistido de si mesmo. Pode ter se afogado nesse vazio, nesse veneno que corre nas suas veias, mas eu não vou desistir. Eu não vou desistir de você. E pode ser que você me odeie por isso, pode ser que ache que eu sou um idiota por insistir, mas eu vou te provar, Gustavo, que o amor que a gente tem é mais forte que qualquer droga, que qualquer cicatriz, que qualquer escuridão.

Você sempre foi a minha luz. Sempre. Mesmo quando o mundo parecia ruir ao meu redor, mesmo quando eu me sentia pequeno, você estava lá. E agora, é a minha vez. Eu vou ser a sua luz. Vou te puxar dessa merda toda, nem que isso me mate no processo.

Eu não vou aceitar perder você. Eu não posso perder você. Já perdi tantas coisas, mas não você. Não o meu Gustavo. O meu amor. Você acha que vai se esconder de mim? Que vai desaparecer na rua como mais um rosto perdido? Não. Não enquanto eu respirar.

Você é meu, Gustavo. Não de uma forma egoísta, não de uma forma possessiva. Você é meu porque eu te amo mais do que eu consigo colocar em palavras. Porque eu sei quem você é de verdade, mesmo que você tenha esquecido. E eu vou te lembrar.

Pode levar tempo, pode ser doloroso, pode parecer impossível, mas eu vou te trazer de volta. Porque, no fundo, você também me ama. Eu sei que ama. Só que você está perdido agora, e tudo bem. Porque eu vou ser o seu mapa. Vou ser o seu abrigo.

E nada, nada nesse mundo, vai tirar você de mim dessa vez. Nem você mesmo, Gustavo. Eu vou cumprir a minha promessa, ainda que você tenha quebrado todas as suas. E quando você finalmente olhar pra mim de novo, quando o brilho nos seus olhos voltar, você vai entender. Vai entender que o nosso amor é maior do que qualquer erro, maior do que qualquer vício, maior do que qualquer medo. Eu prometo, Gustavo. Vou te salvar. Nem que eu tenha que salvar você de você mesmo.

Eu já passei por isso antes com você, Gustavo. Já te vi cair, te vi se perder, e, por mais que isso parta o meu coração em mil pedaços, dessa vez vai ser diferente. Não vai ser como da outra vez, quando você me escapou pelas mãos, quando eu fiquei parado, vendo você se afundar mais e mais, acreditando que eu não podia fazer nada. Eu era um garoto tentando entender por que o amor não era suficiente para te salvar.

Mas agora eu sei, Gustavo. Sei que o amor sozinho não cura. Sei que ele precisa de luta, de paciência, de força. E, dessa vez, eu prometo que vou ter tudo isso. Eu não vou deixar você fugir de mim de novo. Não vou deixar você se esconder nessa escuridão.

Você acha que é tarde demais, não é? Que a vida te quebrou ao ponto de não haver mais conserto. Mas eu não acredito nisso. Eu sei que ainda há algo de você aí dentro. Ainda há o Gustavo que segurava a minha mão quando eu estava perdido, que sorria para mim como se eu fosse o mundo inteiro. Esse Gustavo ainda está aí, mesmo que escondido, mesmo que sufocado.

Eu vou te curar, Gustavo. Vou te ajudar a melhorar. Vou enfrentar essa batalha com você, passo a passo, mesmo que isso signifique cair junto e me levantar sozinho para te erguer depois. Porque eu sei que vale a pena. Você vale a pena.

E dessa vez, nós vamos conseguir. Não importa o que aconteça, não importa o quão difícil seja. Não há nada nesse mundo – nenhuma droga, nenhuma dor, nenhuma escuridão – que possa acabar com o que nós temos. O nosso amor não é algo que se apaga, Gustavo. Ele é maior do que tudo isso.

Eu prometo, dessa vez vai ser diferente. Dessa vez, eu não vou desistir até te trazer de volta. E quando isso acontecer, quando estivermos juntos de verdade, sem fantasmas, sem medos, vai ser como deveria ter sido desde o começo. Porque, no final, não existe vício, não existe escuridão, que consiga apagar o amor de duas pessoas que se recusam a desistir uma da outra."

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Comentários

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Não me restam muitas palavras depois dessa leitura tão reveladora e densa, tantos detalhes juntos amalgamados às emoções contidas nas linhas que chega a ser difícil dizer algo. Acredito que o amor, aquele amor potente e transformador, é exatamente sobre salvar o outro, sobre acreditar mesmo quando o outro não acredita. É sobre ser porto seguro, sobre ser vida, resgate e socorro. A vida tem inúmeras rotas e caminhos, às vezes, nos desconectamos de nós mesmos, cogitar novas perspectivas parece ser um batalha ferrenha e impossível de se vencer. Quando menos esperamos, o amor dá um jeito de nos dar uma nova oportunidade, é como se Léo estivesse com o estandarte da bondade erguido, vestido de compaixão e carregando o escudo da força justamente com a espada do amor, afinal, o amor fere, mas ele também cura! Mesmo que as feridas sejam profundas e estejam perdidas ao tempo, ele cura, sim. É um processo difícil, mas que se torna real quando duas almas desejam se ajudar mutuamente, dessa união sublime virá todo o resto necessário para o processo de cura. E eu espero que nessa batalha, os dois superem os medos, inseguranças, dores e o passado, para viverem uma nova história! Uma história em que estejam completos e bem resolvidos.

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Finalmente o reencontro. Mas acho que isso será apenas o começo de uma jornada nada fácil...

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!!! Caras gostosos estão esperando por você em -- ja.cat/gay

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Meu Deus, será que o léo vai se machucar mais uma vez, idealizando que esse Gustavo atual será o mesmo do passado? ou será que teremos a volta do grande amor entre os dois? cenas do próximo capítulo. ANSIOSO para os próximos. kkkkkkkkkkkk

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o Gustavo atual irá conseguir desvincular do ideal de Gustavo que o Léo idealizou?

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esse dilema do antigo Gustavo com o atual. qual deles é o real? A pergunta que faço é: Gustavo real estará pronto pro Léo verdadeiro? Como foi dito pela psicóloga, ele voltar para terapia assim que encontrá-lo?

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Não sei como, julguei que não tinha enviado o primeiro comentário e acabei por repeti-lo de tão atarantado que fiquei!

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Cada vez fico mais intrigado sobre a fronteira entre o que existe de real nesta estória e o que já é ficção do autor.

Oh Th1ago. Você tem uma criatividade fabulosa.

Este capítulo deixou-me sem palavras.

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Fiquei sem palavras.

Palavra que fico cada vez mais intrigado sobre o limite de uma realidade eventualmente ocorrida e o que já é ficção do autor.

O facto é que a parcela de criatividade do Th1ago está a ultrapassar todas as minhas expectativas.

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PQP,PQP mil vezes pqp,meu coração chega ta acelerado, coitado do LÉO,mas que bom que Gustavo foi encontrado,assim poderemos entender muita coisa através da ótica dele tbm, ja quero proximo capitulo para as 06:00 da manhã kkkkk

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