A porta do quarto ainda estava entreaberta, e Fabíola permaneceu ali, seus olhos fixos em Rodrigo e Lara. O silêncio era sufocante. O corpo de Lara estava tenso, como se estivesse prestes a desmoronar, enquanto Rodrigo parecia tentar recuperar sua habitual compostura.
— Então é isso? — Fabíola quebrou o silêncio, sua voz tremendo de raiva e incredulidade — Toda essa festa, todos esses jogos… foram uma desculpa para isso? — Seus olhos se estreitando — O que você estava pensando?
Rodrigo soltou um suspiro frustrado, passando as mãos pelo rosto como se buscasse tempo para organizar seus pensamentos.
— Fabíola, calma…
— Não me peça calma! — ela o interrompeu, dando um passo à frente — Você manipulou o jogo! Fez todo esse circo para ficar com ela?
Lara levantou a cabeça ao ouvir as palavras, seus olhos arregalados e cheios de culpa.
— Fabíola, eu... eu não sabia.
Fabíola riu amargamente, voltando sua atenção para Lara.
— E quando descobriu? Você ficou, não ficou? Continuou aqui com ele!
— Eu não planejava que fosse assim — Rodrigo começou, sua voz carregada de uma mistura de culpa e frustração — Mas quando percebi que poderia acontecer, eu…
Fabíola encarou-o com incredulidade.
— Aproveitou a oportunidade? Você trocou os cartões! Manipulou todos nós para satisfazer a sua obsessão!
Rodrigo deu um passo em direção a Fabíola, erguendo as mãos em um gesto de apaziguamento.
— Eu só queria… eu só queria que ela me visse de verdade. Que ela entendesse o que sinto por ela.
Lara cruzando os braços como se tentasse se proteger, descarregou:
— O que você sente por mim não justifica o que você fez, Rodrigo! Você me colocou em uma situação que eu nunca teria escolhido por conta própria.
— E eu me arrependo — respondeu Rodrigo, sua voz mais baixa — Não por ter ficado com você, mas por ter sido tão descuidado. Por ter deixado tudo exposto assim.
— Eu não posso fazer parte disso — disse Lara, sua voz quebrada pela emoção — Eu não sei mais quem você é, Rodrigo. Ou quem eu sou, depois de tudo isso.
Lara moveu-se rapidamente em direção à porta, mas Fabíola bloqueou sua saída.
— Você não vai fugir tão fácil. Me diga, Lara, você se sentiu bem? Isso valeu a pena para você também?
— Fabíola, chega! — Lara gritou, as lágrimas agora correndo livremente pelo rosto.
— Eu não sei o que pensar! Eu não sei como me sentir. Só sei que quero sair daqui!
Fabíola, relutante, deu um passo para o lado, permitindo que Lara passasse.
No corredor, os outros casais já estavam reunidos, atraídos pelos sons da discussão. Quando Lara apareceu, com o rosto molhado de lágrimas, o silêncio tomou conta do grupo.
André deu um passo à frente, sua expressão carregada de preocupação.
— Lara?
Sem pensar, ela se lançou nos braços dele, chorando copiosamente. André envolveu-a em um abraço protetor, lançando um olhar furioso em direção ao quarto de onde ela tinha saído.
Dentro do quarto, Fabíola virou-se novamente para Rodrigo, seu rosto contorcido pela dor e raiva.
— Você destruiu tudo, Rodrigo. Não apenas o que havia entre nós, mas entre todos aqui.
— Eu só segui meu coração — disse ele, tentando manter a compostura.
— Seu coração? — Fabíola riu sem humor — Isso não foi sobre o coração. Foi sobre ego, obsessão e controle. Você queria brincar de Deus com as nossas vidas, e agora tudo está desmoronando.
Rodrigo balançou a cabeça, frustrado.
— Você não entende. Eu nunca quis magoar você. Nunca quis magoar ninguém.
— Então o que você queria? — ela pressionou, sua voz carregada de desprezo — Você achou que poderia manipular tudo e que todos sairiam felizes no final?
Rodrigo abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu.
No corredor, o grupo começou a murmurar entre si, confusos e desconfortáveis com o que tinham acabado de testemunhar.
— Isso é sério? — Yasmim perguntou a Marcelo, sua expressão chocada.
— Parece que sim — respondeu ele, cruzando os braços.
Jorge e Alice permaneceram em silêncio, trocando olhares incertos.
Fabíola finalmente saiu do quarto, parando na porta para encarar o grupo.
— Rodrigo manipulou o jogo — ela anunciou, sua voz firme — Ele trocou os cartões para garantir que Lara fosse parar no quarto dele.
As palavras dela ecoaram pelo corredor, causando reações de surpresa e indignação.
Rodrigo estava parado na porta do quarto, observando tudo com uma expressão indecifrável.
— É — admitiu Rodrigo, finalmente levantando o olhar — Eu fiz isso. E não me arrependo de ter seguido meu coração, mas eu não queria machucar nenhum de vocês.
Fabíola deu um passo à frente, olhando diretamente para ele.
— Espero que tenha valido a pena.
Ela virou-se e caminhou pelo corredor, deixando para trás um silêncio pesado.
Lara, ainda nos braços de André, sussurrou:
— Por favor, me tira daqui.
André assentiu, segurando-a com firmeza enquanto a levava pelo corredor.
O grupo, agora dividido por sentimentos conflitantes, começou a se dispersar lentamente, deixando Rodrigo sozinho na porta do quarto. Ele permaneceu ali por alguns segundos, encarando o vazio do corredor antes de dar um suspiro pesado e fechar a porta.
O restaurante, antes vibrante com risadas e conversas, estava agora envolto em um silêncio pesado e incômodo. A mesa preparada para o último café da manhã exibia uma suntuosidade que contrastava fortemente com o clima sombrio entre os convidados.
Rodrigo estava no centro, como sempre. Ele gesticulava com confiança ensaiada, mas a tensão em seus ombros e o olhar hesitante deixavam claro que, desta vez, até ele sabia que as palavras não seriam suficientes para reparar o estrago.
Os casais, sentados ao redor da mesa, mantinham os olhos baixos ou evitavam contato direto. Os pratos diante deles estavam apenas parcialmente tocados. Os aromas ricos do café da manhã pareciam perder o apelo, sufocados pelo peso das emoções que pairavam no ar.
— Amigos — Rodrigo começou, sua voz firme, mas com um tom de vulnerabilidade que raramente usava — Eu sei que as coisas não terminaram como esperávamos. E isso… isso é culpa minha.
As palavras pairaram no ar, mas ninguém respondeu. Yasmim ergueu uma sobrancelha, enquanto Alice apertou os lábios, claramente tentando conter algo.
— Eu nunca quis que fosse assim — continuou ele, olhando para cada um dos casais — Eu errei ao manipular o jogo, ao deixar minhas emoções me conduzirem. Eu decepcionei vocês.
André, com os braços cruzados e uma expressão dura, interrompeu com uma voz baixa, mas carregada de raiva.
— Você não só manipulou o jogo, Rodrigo. Você traiu a confiança de todos aqui. Você traiu a mim, a Lara… — Ele respirou fundo, tentando controlar sua fúria — Você diz que nos decepcionou, mas parece mais arrependido por ter sido descoberto.
Rodrigo desviou o olhar momentaneamente, mas depois o encarou.
— Eu sei que você está certo, André. E eu lamento. Eu lamento profundamente por ter ferido você, por ter cruzado essa linha.
André não respondeu de imediato, mas seus punhos cerrados sobre a mesa mostravam que ele ainda processava a situação.
Alice olhou para Jorge, buscando apoio antes de falar. Sua voz, embora calma, estava carregada de desapontamento.
— Você transformou algo que deveria ser sobre confiança em uma lição amarga de manipulação e egoísmo.
Jorge, normalmente mais reservado, completou.
— E o mais difícil é que isso não afeta só você e Fabíola. Isso afetou uma amizade de décadas.
Rodrigo assentiu lentamente, reconhecendo a profundidade do impacto de suas ações.
Marcelo soltou um suspiro, passando as mãos pelos cabelos enquanto tentava organizar seus pensamentos.
— O que mais me incomoda, Rodrigo, é que você nos fez acreditar que estávamos todos no mesmo barco. Que estávamos explorando algo juntos, mas você estava jogando outro jogo desde o início.
Yasmim balançou a cabeça, concordando.
— Era sobre liberdade e confiança, certo? Mas o que você fez foi trair nossa confiança ao manipular tudo para atender ao que você queria.
Rodrigo olhou para ambos, sua voz mais baixa.
— Vocês têm razão. Eu perdi o foco. Fiquei obcecado em alcançar algo que nunca deveria ter forçado.
Rodrigo se voltou para Lara, que permanecia em silêncio, os olhos fixos no prato à sua frente.
— Lara… — Ele respirou fundo, as palavras parecendo pesar em sua língua — Eu sempre amei você. Desde antes de Fabíola. Tudo o que fiz foi por você, por querer que você me visse, que entendesse como me sinto.
Lara levantou a cabeça, finalmente encontrando o olhar dele. Sua voz estava fria, mas firme.
— E você acha que manipular minha vida, minha relação, foi a maneira certa de me mostrar isso? Isso não é amor, Rodrigo. É egoísmo.
As palavras dela cortaram fundo, e Rodrigo abaixou a cabeça.
Por alguns momentos, o silêncio voltou a dominar, cada casal perdido em seus próprios pensamentos, mas também havia algo mais: um senso de clareza, de que o que aconteceu naquela noite havia alterado permanentemente suas vidas.
Alice tocou levemente a mão de Jorge, como se estivesse buscando conforto. Marcelo e Yasmim trocaram um olhar cúmplice, enquanto André permanecia rígido, olhando para Lara como se tentasse decifrar seus pensamentos.
— Então, o que acontece agora? — perguntou Yasmim, finalmente quebrando o silêncio.
Rodrigo ergueu o olhar novamente, tentando reunir a confiança que costumava ser sua marca registrada.
— Eu sei que nada que eu diga vai apagar o que aconteceu, mas ainda espero que vocês possam lembrar do que realmente viemos fazer aqui, de como começamos essa experiência como amigos, como parceiros. Eu sinto muito. Sinto por ter colocado todos vocês nessa posição. Sinto por ter traído sua confiança. Se eu pudesse voltar atrás, faria tudo de forma diferente.
— Talvez fosse melhor você ter pensado nisso antes — respondeu André, levantando-se da mesa.
Os outros casais seguiram o exemplo de André, levantando-se lentamente e deixando a mesa. Fabíola ainda não havia aparecido, e sua ausência parecia mais pesada do que qualquer palavra dita naquela manhã.
Rodrigo permaneceu sentado, encarando a mesa agora quase vazia. O resort, que antes era um espaço de conexão e camaradagem, agora parecia grande demais, frio demais, para o grupo que havia começado aquela jornada juntos.
As malas começaram a ser carregadas para os carros estacionados na entrada, enquanto o silêncio desconfortável preenchia os espaços outrora ocupados por conversas animadas. Cada casal parecia mergulhado em pensamentos próprios, processando os eventos de uma experiência que havia saído de controle.
Lara e André estavam entre os primeiros a deixar o local. O silêncio no carro era pesado, quase sufocante. Lara olhava pela janela, as paisagens passando rápido demais para serem processadas, enquanto André mantinha os olhos fixos na estrada, a mandíbula cerrada e as mãos apertadas no volante. Ambos estavam presos em um redemoinho de emoções que pareciam não ter saída.
— Você sabe o que é mais difícil para mim? — ele perguntou, quebrando o silêncio — Não é o que aconteceu com Rodrigo. É o fato de que eu senti que estava te perdendo muito antes disso. E não fiz nada.
Lara olhou para ele, surpresa pela honestidade.
— André…
— Não — ele continuou, interrompendo-a — Eu deveria ter percebido. Deveria ter visto que algo estava errado, mas estava tão focado em manter tudo funcionando, em ser um bom marido, que perdi de vista o que realmente importava.
Lara estendeu a mão e tocou o braço de André.
— Você não perdeu de vista, André. Nós dois perdemos. E talvez isso seja um sinal de que precisamos mudar. Juntos.
André desviou os olhos da estrada por um instante para olhar para ela. Havia dor em seus olhos, mas também algo mais: uma faísca de esperança.
— Você acha que a gente consegue? — André perguntou, sua voz cheia de incerteza.
Lara apertou o braço dele, como se quisesse transmitir toda a força que tinha naquele momento.
— Eu não sei, mas quero tentar. Não quero desistir da gente.
André assentiu lentamente, voltando os olhos para a estrada.
— Então vamos tentar. Mas, Lara, preciso que você seja honesta comigo. Sempre.
— Eu prometo — ela respondeu, sua voz firme apesar das lágrimas.
Enquanto o carro seguia pela estrada, o peso no ar parecia diminuir, ainda que ligeiramente.
No carro há alguns quilômetro dali, Marcelo e Yasmim estavam lado a lado, mas o clima era completamente diferente. Embora ambos ainda sentissem o peso dos eventos, havia uma sensação de cumplicidade silenciosa entre eles.
Yasmim descansava a cabeça no ombro de Marcelo, seus dedos entrelaçados enquanto ele dirigia. Finalmente, ela quebrou o silêncio.
— Você acha que fomos longe demais?
Marcelo pensou por um momento antes de responder.
— Eu acho que fizemos o que sentíamos que era certo naquele momento. E eu não me arrependo.
— Nem eu — disse Yasmim, apertando a mão dele — Mas… será que isso vai mudar quem somos um para o outro?
Marcelo sorriu levemente, embora seu olhar permanecesse na estrada.
— Eu acho que isso já nos mudou. Mas talvez nem todas as mudanças sejam ruins.
Eles continuaram dirigindo, confortáveis na companhia um do outro, mesmo enquanto a sombra de suas ações pairava sobre eles.
Marcelo sentiu um leve aperto no peito enquanto lembrava da noite anterior. O orgulho de ter Yasmim ao seu lado, tão confiante e desejável, era inegável. Ele a via como uma extensão de si mesmo, alguém cuja beleza e magnetismo faziam dela o centro das atenções de muitos homens onde quer que estivesse. Mas junto com esse orgulho vinha o ciúme, uma emoção visceral que ele não sabia como lidar.
Ele pensava em Jorge, lembrando-se de como o outro homem parecia hipnotizado por Yasmim enquanto ela beijava seu pescoço. E o que rolou durante a noite entre eles? A dúvida corroía Marcelo por dentro, mas ele não tinha coragem de perguntar. Parte dele queria saber, mas outra parte temia a resposta.
O que mais o perturbava era o fato de que, por mais que o ciúme o incomodasse, havia também algo viciante naquela sensação. A ideia de outro homem desejando Yasmim era ao mesmo tempo irritante e excitante. Ele se perguntou como seria se um dia ele decidisse explorar esse lado de seus desejos. Como seria se ele realmente visse Yasmim com outro homem? A ideia era perturbadora, mas ao mesmo tempo instigante. Ele não sabia se estava pronto para admitir isso a si mesmo, muito menos a ela.
Yasmim ergueu o olhar para Marcelo, percebendo a tensão sutil em seus ombros enquanto ele dirigia.
— Você ficou calado de repente — ela disse, com um tom preocupado.
Marcelo soltou um suspiro, tentando relaxar.
— Só pensando.
— Quer me contar no que?
Marcelo hesitou. Ele poderia simplesmente perguntar a Yasmim o que tinha acontecido com Jorge, mas algo o segurava. Talvez fosse o medo de estragar o momento de tranquilidade que compartilhavam agora. Talvez fosse o receio de parecer inseguro ou controlador.
— Só… na gente — ele respondeu, finalmente — No quanto estamos diferentes agora.
Yasmim sorriu suavemente, apertando a mão dele.
— É verdade. Mas acho que é um tipo de diferente bom. Você não acha?
Marcelo assentiu, ainda sem conseguir encará-la.
— Acho que sim.
Enquanto o silêncio voltava ao carro, Marcelo sentiu sua mente vagar novamente. Ele tentou afastar as imagens que surgiam em sua cabeça: Yasmim, os olhos fechados, os lábios entreabertos, sussurrando o nome de Jorge.
Yasmim, por sua vez, estava tranquila, mas não alheia às mudanças em Marcelo. Ela sentia que algo nele havia mudado, uma intensidade em seus olhares, uma profundidade em suas carícias. Embora não soubesse exatamente o que se passava na mente dele, ela sentia que a estadia no resort havia deixado marcas em ambos, marcas que poderiam fortalecer o relacionamento ou criar fissuras difíceis de reparar.
Ela se moveu para beijar suavemente o ombro de Marcelo, como se quisesse garantir que estavam juntos no mesmo espaço emocional.
— Sabe — ela começou, com um tom brincalhão — Você ainda não perguntou o que eu achei de tudo isso.
Marcelo sorriu levemente, sem tirar os olhos da estrada.
— Talvez eu esteja com medo da resposta.
— Não precisa — Yasmim respondeu, apertando a mão dele — Porque, no final das contas, tudo o que eu quero é você.
Essas palavras deveriam ter acalmado Marcelo, mas apenas o fizeram questionar ainda mais. E se fosse verdade? E se ela quisesse apenas ele… mas ele mesmo estivesse começando a desejar mais?
No último carro a sair, Jorge e Alice estavam em silêncio absoluto. Alice olhava pela janela, o rosto pensativo, enquanto Jorge mantinha os olhos fixos na estrada à frente.Jorge mantinha os olhos fixos na estrada, o maxilar travado e as mãos firmes no volante, como se o foco na direção fosse a única coisa que o impedia de ser engolido por seus próprios pensamentos.
Embora não falassem, o ar entre eles estava carregado, não de tensão, mas de algo que ambos não conseguiam nomear: um desejo avultado, uma curiosidade latejante que permanecia não dita.
Alice cruzou os braços, mas o movimento apenas ressaltou o decote de seu vestido leve, que se abria mais a cada rajada de vento. Jorge desviou o olhar da estrada por um momento, seus olhos parando no ponto em que a curva de seus seios se tornava visível. Ele rapidamente olhou para frente novamente, o coração acelerando, mas não pela estrada sinuosa.
Ele sabia que algo havia mudado dentro deles. Ele podia sentir isso nos pequenos gestos: o jeito como Alice parecia mais consciente de si mesma, como se estivesse descobrindo uma nova faceta de sua feminilidade; o jeito como ela cruzava e descruzava as pernas distraidamente, sem perceber que ele a observava de soslaio.
Alice, por sua vez, sentia o calor do olhar de Jorge mesmo quando ele achava que estava sendo discreto. Ela não dizia nada, mas um leve rubor subia por seu pescoço, não de vergonha, mas de algo novo, uma espécie de poder que ela começava a entender e abraçar.
— Você acha que as coisas vão voltar ao normal? — Alice perguntou finalmente, sua voz baixa e hesitante.
Jorge respirou fundo, como se estivesse esperando que ela quebrasse o silêncio.
— Eu não sei — ele respondeu honestamente — Você quer que voltem?
Alice hesitou. A pergunta a pegou desprevenida, mas não porque não soubesse a resposta, e sim porque não sabia como verbalizá-la. Ela desviou o olhar, observando as árvores que passavam pela janela.
— Eu acho que… não sei se quero voltar ao que era antes — ela admitiu, quase num sussurro.
Jorge olhou para ela de soslaio novamente, suas palavras ecoando em sua mente.
— O que quer dizer?
Alice virou-se para ele, seus olhos encontrando os dele.
— Eu só… sinto que algo mudou dentro de mim. Como se eu tivesse acordado para algo que eu nem sabia que estava adormecido. E isso me assusta, mas ao mesmo tempo… — Ela parou, buscando as palavras — É como se eu quisesse entender mais, sentir mais.
As palavras de Alice ficaram no ar, e Jorge as absorveu em silêncio. Ele sabia exatamente do que ela estava falando, porque ele mesmo sentia algo semelhante. Durante anos, ele havia visto Alice de uma forma específica: sua esposa dedicada, trabalhadora, sua parceira, a mãe de seu filho. Mas, nos últimos dias, ele a viu de outra maneira, como uma mulher vibrante, cheia de desejos e mistérios.
Ele desviou o olhar de novo para o decote de Alice, que se abria mais com o movimento do carro e o vento. Ele viu um pequeno sorriso se abrir nos lábios dela, como se ela soubesse exatamente o que ele estava pensando.
— Jorge — Alice começou novamente, sua voz mais firme desta vez — Você sente que algo mudou… em você também?
Jorge não respondeu imediatamente. Ele sabia que mentir seria inútil, mas admitir a verdade também parecia perigoso. Finalmente, ele suspirou.
— Sim — ele disse, sua voz grave — Eu sinto que nós dois mudamos. E isso me deixa confuso. Porque, de um lado, eu quero que tudo volte ao que era antes, mas, de outro… não consigo parar de pensar em tudo o que aconteceu. Em tudo o que sentimos.
Alice assentiu lentamente, absorvendo suas palavras.
— Eu também. E isso me assusta, Jorge. Porque eu não sei o que isso significa pra gente.
Jorge apertou o volante com mais força. Ele queria dizer algo que trouxesse conforto a Alice, mas ele mesmo estava perdido. Tudo o que podia fazer era ser honesto.
— Eu acho que significa que temos muito o que descobrir. Juntos.
Alice olhou para ele, surpresa pela franqueza de sua resposta. Ela não esperava que Jorge estivesse disposto a explorar o que quer que estivesse nascendo entre eles. Durante anos, ela havia assumido que ele era um homem simples, satisfeito com uma vida previsível. Mas agora, ela via algo diferente nele, uma abertura para o desconhecido, uma disposição para enfrentar o incerto.
Ela estendeu a mão e colocou sobre a dele, que ainda segurava o volante.
— Talvez isso seja bom para nós — ela disse, sua voz cheia de uma esperança cautelosa.
Jorge olhou para ela novamente, seus olhos encontrando os dela. Ele não disse nada, mas o leve sorriso que surgiu em seu rosto foi suficiente para Alice.