A conversa foi interrompida pelo som de uma chamada no telefone da Mari. Vendo que a mãe não reagia, pois Mari já tinha perdido as esperanças de ser uma ligação do Celo, a garota resolveu atender.
— Alô?
— Olá, é a Dra. Luciana, terapeuta da Mari. Com que eu falo?
— Oi, doutora. Timing perfeito. — A filha suspirou. — Ela está mal, doutora. Eu sou filha dela.
— Posso ir até aí? Estou preocupada com sua mãe. Ela faltou às duas últimas sessões.
A filha concordou:
— Sim, por favor. Acho que mamãe precisa de ajuda agora, mais do que nunca.
— Estou a caminho, chego em meia hora.
A filha desligou e se ajoelhou ao lado de Mari, segurando sua mão.
— Mãe, a Dra. Luciana vai chegar logo. Ela vai te ajudar a superar esta fase.
Mari olhou para cima, com olhos tristes.
— Não adianta ... Ele não vai voltar.
A filha abraçou-a.
— Não diga isso, mãe. Papai te ama. A doutora vai te ajudar a entender melhor o que aconteceu.
Mari suspirou, forçando um sorriso.
— Obrigada, filha …
Continuando:
Parte 14: Olhe Dentro de Mim, Você Pode Se Ver a Todo Momento.
Mari estava sentada no sofá, olhos vermelhos de chorar. A filha a acompanhava, segurando sua mão. A Dra. Luciana não demorou a chegar, cumprimentando a filha e se dirigindo a Mari com empatia.
— Mari, como você está se sentindo agora?
A filha entendeu o momento, sorrindo para a mãe.
— Vou ao mercado. Não tem nada aqui. Deixa o jantar comigo, mãe.
O sorriso da Dra. Luciana agradecia a garota. Palavras não eram necessárias. Assim que a filha saiu, Mari desabou novamente.
— Estou perdida, Lu ... me sinto culpada e sem forças.
— Respire, se acalme e me diga o que aconteceu. Vamos do início. — A terapeuta e amiga pediu.
Mari contou, de forma detalhada e cronológica, o que tinha acontecido no feriado na praia. Luciana fazia anotações e, vez ou outra, perguntas mais diretas para entender melhor a situação. Mari, entre crises de choro e arrependimento, não poupava detalhes.
— Seja honesta consigo mesma e me responda: o que levou o Celo a se afastar?
Mari, ainda chorando, respondeu:
— Eu descumpri nosso acordo ... Me entreguei a outro homem. Eu não sei por que agi assim? Porque não me …
A Dra. Luciana a acalmou antes de interromper:
— Antes de qualquer coisa, como você se sentiu quando se entregou a esse outro homem?
Hesitante, Mari respondeu:
— Sinceramente, no momento, enquanto tudo era uma possibilidade, com Celo apoiando, parecia o certo. — Mari percebeu suas palavras e tentou se explicar. — Celo era mesmo o maior incentivador, ele …
A doutora a trouxe de volta ao assunto em questão:
— Estou falando sobre você, Mari. Sobre a sua percepção de tudo.
Mari, hesitante novamente, tentou dar uma desculpa:
— Foi um momento de fraqueza ... Eu me senti aliviada, mas logo me arrependi.
A Dra. Luciana mantinha a pressão:
— E agora? Como você vê essa escolha?
Mari estava desolada.
— Eu perdi o Celo. Eu não sei se posso consertar isso.
— Celo disse que precisa de tempo para organizar os próprios pensamentos, não foi? A mensagem que você me mostrou é bem direta e nem um pouco desesperada como você faz parecer. — A Doutora a confrontou.
— Eu conheço o meu marido, Lu. E mesmo que ele tenha sido ambíguo com as regras, deixado as rédeas soltas, acho que fez para me testar, ver até onde eu estava disposta a ir. — Rebateu Mari.
— Como eu já te disse antes, relações saudáveis exigem conversas difíceis. Não tem como fugir disso. Vocês quiseram viver uma fantasia sem antes serem honestos um com o outro. — A doutora parou, para que Mari refletisse sobre suas palavras. — Você ainda carrega as cicatrizes do passado, amiga. Como você pode ter sido tão ingênua e passiva, se deixando levar sem estar pronta?
Mari não tinha argumentos para se defender. A terapeuta continuou:
— Você acha que Celo se afastou apenas por causa dessa “uma vez” ou há outros problemas na relação de vocês?
Mari continuava chorosa, mas também pensativa:
— Nossa relação estava cambaleando … Nós estávamos explorando esse lado, Celo queria, mas confesso que não estávamos nos comunicando bem. Tudo era meio nebuloso, meio que arrastado. A influência do casal também era forte. Acho que nós dois acabamos nos deixamos envolver.
— Vamos falar sobre as regras e tentar entender melhor. Você disse que ficou confusa, receosa, mas que … — Luciana procurou um trecho específico da fala de Mari em suas anotações. — … Celo disse para você que só queria que vocês fossem felizes. Que você fosse livre para viver sem medo, sem receios. E que tudo aquilo estava fazendo muito bem para o casamento de vocês …
Mari a interrompeu:
— Tá vendo? É exatamente isso. Ele foi tão ambíguo, deixando tudo no ar.
— Entendo sua preocupação, Mari. A ambiguidade pode ser muito confusa. Mas vamos explorar isso juntas. O que Celo disse não é necessariamente uma mentira, mas talvez uma forma de evitar conflitos ou discussões desconfortáveis. Isso indica, claramente, falta de comunicação assertiva. — Explicou a Dra. Luciana.
Mari se precipitou na conclusão:
— Exatamente! Ele não quer discutir, só quer que eu esteja feliz sem questionar …
— Isso pode ser um padrão de comportamento. Você acha que Celo realmente quer o melhor para vocês dois, mas não sabe como se expressar? — A terapeuta perguntou.
Mari pensou por alguns segundos antes de responder.
— Sim, acho que sim. Celo não é impulsivo, ou apressado. Eu entendi que ele queria que acontecesse, que estava disposto a arriscar. Eu fui precipitada, e me deixei levar. No fim, sou a responsável por …
A doutora a interrompeu com precisão, pronta para refutar sua conclusão.
— Pelo que eu entendi, Celo e Anna não consumiram o ato, assim como você e Paul, apenas porque ela pegou pesado na bebida, correto?
— Foi o que Anna disse. Ou, pelo menos, o que eu entendi. Naquela hora, eu não sabia nada, Celo já tinha sumido. Ele me deixou para trás e foi embora. Ele desistiu de mim. — Mari se lamentou.
Com o conhecimento profissional, mas também, com a liberdade de uma verdadeira amiga, Luciana a repreendeu:
— Não é assim, Mari. Você está frustrada ... veja bem, ao mesmo tempo em que o arrependimento é um ótimo professor, a culpa é uma péssima conselheira. Já parou pra pensar que, assim como você, Celo está confuso e sofrendo? A fuga é apenas um reflexo do medo, uma tentativa de evitar uma conversa dolorosa, mas necessária.
A terapeuta e amiga fez uma nova pausa, deixando Mari assimilar suas palavras.
— Então, talvez seja hora de vocês trabalharem juntos para melhorar a comunicação. Em vez de assumir culpas, vocês podem explorar juntos o que significa "ser felizes" e como alcançar isso sem ambiguidades.
Mari, também uma profissional da área de saúde mental, entendeu rapidamente.
— Isso faz sentido. Mas como começar?
— Peça para conversar com Celo sobre seus sentimentos e medos. Seja completamente honesta dessa vez. Sem mais segredos ou omissões do passado. Use "eu" em vez de "você", para evitar acusações. Por exemplo: "Eu me sinto insegura quando não entendo suas intenções. Podemos encontrar uma forma de nos comunicarmos mais claramente?” — Explicou Luciana.
Mari parecia mais calma e mais centrada.
— Vou tentar. Obrigada, amiga. Você me deu uma nova perspectiva.
Assim que a filha voltou, as três cozinharam juntas e passaram aquele resto de dia num clima mais agradável. Mari estava pronta para tentar, mas as coisas não seriam tão simples ou fáceis como ela pensava.
{…}
Instalado na nova moradia, a edícula nos fundos do bar, Celo ainda lutava internamente para entender tudo o que tinha acontecido. Naquele momento, “amava e odiava” Mari, assim como um portador do “Um Anel”, sua mente tão confusa e perturbada como a do Smeagol.
Ele amava e odiava Mari, pois tinha um conceito diferente sobre estes dois sentimentos, conceito este, passado por um amado antepassado. Para ele, amor e ódio não eram sentimentos excludentes, ambíguos. Eram sentimentos complementares: “você ama uma pessoa pelo que ela É, ou pelo que ela FOI e também pode odiar esta mesma pessoa, mas pelo que ela FAZ, ou pela que ela FEZ”. E este, era exatamente a situação pela qual ele estava passando.
Mentalmente esgotado, seu único refúgio era a escolha do repertório para aquela noite. O show anterior tinha sido um absoluto sucesso e era a única coisa que lhe trazia um mínimo de paz.
Decidido, ele caminhou até o bar, onde encontrou o Seu Zé atendendo alguns fornecedores. A equipe limpava e organizava o salão para a noite. Assim que o homem terminou sua tarefa, Celo foi direto.
— Posso tocar hoje novamente. Tudo bem, para o Senhor?
O sorriso do homem ia de uma orelha a outra.
— Nem precisa perguntar, meu jovem. Vamos fechar o feriado com chave de ouro.
Drica, a garçonete e atendente, gritou do balcão.
— Opa! Vou postar no Insta, então. O povo vai ficar animado.
Celo voltou à edícula e tomou um banho relaxante. Já tinha preparado um repertório diferente e estava satisfeito com sua escolha de músicas.
Poucas horas depois, às nove da noite em ponto, voltou ao bar. A casa estava lotada. Ainda mais cheia do que na noite anterior. Assim que pisou no salão, foi recebido com aplausos calorosos, assobios e muita algazarra. Os clientes estavam felizes e ansiosos.
Sem perder tempo, ele subiu ao palco, saudando todos os presentes.
— Boa noite a todos. Hoje eu preparei uma coisa diferente e espero que todos se divirtam. Vamos lá!
Celo começou com tudo, colocando sua alma em cada acorde. A escolhida para a abertura foi “Lanterna dos Afogados” dos Paralamas do Sucesso:
Quando tá escuro e ninguém te ouve
Quando chega a noite e você pode chorar
Há uma luz no túnel dos desesperados
Há um cais de porto pra quem precisa chegar
Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando, vê se não vai demorar
Uma noite longa pra uma vida curta
Mas já não me importa, basta poder te ajudar
E são tantas marcas que já fazem parte
Do que eu sou agora, mas ainda sei me virar
Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando, vê se não vai demorar
Uma noite longa pra uma vida curta
Mas já não me importa, basta poder te ajudar
Eu tô na lanterna dos afogados
Eu tô te esperando
O público respondeu com entusiasmo, cantando junto e batendo palmas. A seleção era eclética e contemplava grandes clássicos da música brasileira: “É o Amor”, de Zezé di Camargo e Luciano, “Quem de Nós Dois”, da Ana Carolina, “All Star”, do Nando Reis, “Pro Dia Nascer Feliz”, do Barão Vermelho e terminado a primeira sequência com “Por Enquanto”, da Cássia Eller.
Celo se hidratou devidamente com uma cervejinha gelada e matou a fome com uma porção de batatas fritas com cheddar e bacon, enquanto “discutia” o repertório com alguns novos admiradores que o cercaram.
A segunda parte da apresentação foi tão eclética quanto a primeira: “Garota Nacional”, do Skank, “Meu Bem Querer”, do Djavan, “Geração Coca-Cola”, do Legião Urbana, “Livre Pra Voar”, do Aviões do Forró, e muitas outras, cantadas com muito carinho e entrega.
Celo foi novamente ovacionado pela clientela presente, e muito mimado pelo Seu Zé e pelos funcionários do bar, que o tratavam como um novo membro da bucólica cidadezinha.
Protegidos pelos novos “amigos”, ele conseguiu se livrar do assédio e se refugiou na edícula, enquanto a clientela animada, mesmo sem violão, continuava a cantar a plenos pulmões no bar. As três mulheres da última noite, mesmo presentes, não ousaram se aproximar naquele momento.
Foi inevitável, assim que a adrenalina baixou, voltar a pensar em Mari e em tudo o que havia acontecido. Mesmo magoado, machucado, Celo sabia que precisava ser racional. A fuga era apenas um pretexto para não encarar a realidade e conseguir algum tempo isolado para pensar nas próprias escolhas.
Algumas semanas se passaram e Celo continuava ruminando o sofrimento, pensando e tentando entender onde foi que tudo deu errado. Culpar a Mari, Paul e Anna era apenas transferir responsabilidades e escolhas.
Numa tarde chuvosa, meio de semana, a dois dias sem sair da edícula, Seu Zé resolveu fazer uma visita. Ele bateu na porta:
— Celo, é o Zé. Posso entrar?
Viajando em seus próprios pensamentos, Celo se levantou rapidamente e abriu a porta.
— Claro que pode. — Ele brincou. — A casa é sua.
Seu Zé não fez rodeios:
— Então, está pronto para falar? Conversar com alguém pode ajudar. Vamos, homem, pode confiar em mim. Sou pai de três, avô de cinco … Divide esse peso com alguém, vai lhe fazer bem.
Seu Zé trazia café recém passado e pão quentinho. Os dois se sentaram no sofá, e após pensar por alguns minutos, Celo finalmente cedeu.
— Quando eu era jovem, na época da faculdade, tive uma namorada que achei que seria para sempre … — Começou Celo. — Ela se dizia pura, recatada, mas a verdade, era que ela apenas não queria que fosse comigo. Ela se entregou a outro, incapaz de ser honesta antes de seguir em frente.
Seu Zé ouvia sem interromper, tomando um gole do café fresco e cheiroso.
— Terminamos, e eu me sentia uma bosta, emasculado, incapaz de ser homem suficiente para alguém … — Celo não resistiu ao cheirinho de café novo e se serviu. — Conheci minha esposa logo depois que me reergui. Ela era perfeita, incrível, maravilhosa … me apaixonei perdidamente e meus sentimentos foram totalmente retribuídos.
Seu Zé percebeu que Celo estava mais magro do que no dia em que se conheceram. Ele preparou um pão com manteiga e ofereceu a ele. Celo aceitou e agradeceu.
Celo voltou a falar:
— Minha esposa sempre foi uma companheira maravilhosa, uma mãe dedicada, mas … ela nunca foi muito …
Seu Zé, experiente e vivido, entendeu de cara e brincou para relaxar o Celo:
— Ela nunca foi a amante que você queria que ela fosse? É isso?
Celo o encarou, surpreso.
— É e não é … Ela nunca recusou, me negou, mas parecia fazer mais por obrigação do que por prazer. Eu percebia que ela gostava, se entregava até certo ponto, mas nunca queria ir além, inovar, sair da mesmice …
Voltando ao papel de espectador, seu Zé apenas ouvia novamente:
— ... Eu sofri um acidente bastante sério, estive entre a vida e a morte, e naquele momento, não sei se por obra do destino, conhecemos pessoas que vivem um estilo de vida diferente … como eu posso dizer …
Seu Zé mandou na lata:
— Liberais? Não precisa enrolar. Eu conheço e entendo.
Celo novamente o olhou com curiosidade. O homem, sorrindo, brincou:
— Eu te disse que era um homem vivido, viajado, não disse? Eu não passei a vida toda aqui. Eu nasci e voltei, mas a maior parte, foi fora, nesse mundão de Deus.
Celo acabou deixando seus pensamentos virarem palavras:
— O Senhor é um liberal? Parece entender e conhecer.
Seu Zé, também para mostrar sinceridade, deixar Celo mais à vontade, foi honesto.
— Já fui. Hoje, não mais. Minha segunda esposa, após bons anos de curtição, achou que era hora de parar, de viver a vida com menos aventuras. Eu concordei com ela e voltamos para cá, para nos aposentarmos devidamente.
Celo sentiu-se confiante, sem mais receios em dividir sua história. Ele contou como tudo começou, como já tinha o fetiche, mas não tinha a coragem de assumir. Contou também como Anna e Paul entraram em sua vida com Mari, e como a esposa, sem querer, descobriu sobre o casal.
— Quando Mari me contou, tudo que eu tinha escondido em mim, a represa que eu construí para sufocar esses sentimentos, se rompeu. Mari também parecia interessada em entender e até nossa vida íntima melhorou.
Celo fez uma pausa, olhando para o café que já estava quase frio na xícara. Seu Zé não disse nada, apenas esperou, como se soubesse que Celo precisava de um tempo para juntar as palavras. Quando ele continuou, sua voz estava mais tranquila, mas com um tom de incerteza.
— Eu achei que tudo fosse melhorar, que finalmente teria a liberdade para ser quem eu realmente sou, sem me esconder. Mas, ao mesmo tempo, me senti cada vez mais dividido ...
Celo encarou o homem, entendendo que podia ser completamente honesto:
— ... Mari parecia se abrir para essa nova perspectiva, mas algo ainda não estava certo. Quando estávamos juntos, eu via um brilho nos olhos dela, mas também algo que me incomodava. Era como se ela tivesse suas próprias inseguranças, algo não dito ...
Seu Zé assentiu, mas não interrompeu. A experiência de vida que ele parecia carregar estava toda ali, naquela presença silenciosa, como um porto seguro onde Celo podia se lançar sem medo de ser julgado.
— ... Eu queria acreditar que aquilo era o que todos queriam, que a liberdade para explorar nossos desejos só tornaria nossa relação mais forte, mas o que eu não percebi foi o que eu estava deixando de lado. O medo, a insegurança, o que ela realmente precisava de mim e o que eu realmente precisava dela.
Celo baixou os olhos para as mãos, que estavam agora nervosas, apertando a borda da xícara.
— E o que aconteceu depois? — Perguntou Seu Zé, com uma calma que contrastava com o tumulto de emoções que parecia rondar Celo.
— Mari se entregou ao cara. Eles ficaram juntos e eu surtei quando os vi. Fui covarde, apenas saindo e a abandonando.
Seu Zé se manteve sereno, tentando ajudar.
— Você parece se sentir traído. É assim que você entende a situação?
Celo foi verdadeiro com seus sentimentos:
— Eu não sei. O pior é que eu não sei responder a essa pergunta. Acho que a Mari sentiu o que estava acontecendo antes de eu perceber. Talvez eu tenha me perdido e até esteja agindo errado agora.
Celo fez uma pausa, como se as palavras estivessem se embaralhando dentro dele, sem conseguir sair de maneira coerente.
— Então … o que você vai fazer agora? — perguntou Seu Zé, com uma suavidade que parecia puxar mais daquilo que Celo guardava para si do que qualquer outro comentário.
Celo olhou para o homem, com a expressão cansada, mas os olhos finalmente mostrando uma clareza que ele há muito não sentia.
— Não sei, seu Zé. Eu … não sei. Acho que preciso primeiro entender o que realmente quero, para depois entender o que “nós” queremos. Mas não posso mais seguir com essa sensação de que estou vivendo uma mentira, que estou me enganando e, principalmente, que estou enganando a Mari.
Seu Zé deu um suspiro fundo, se recostando no sofá e deixando o silêncio cair entre eles por alguns instantes. O som do café sendo mexido na xícara era a única coisa que quebrava a quietude da conversa.
— A vida não é simples, meu amigo. A gente vai atrás do que acha que quer e, muitas vezes, acaba se perdendo. Mas se você já se deu conta disso, está na hora de ser honesto consigo mesmo, e com ela. Talvez, quem sabe, encontrar um equilíbrio, um meio-termo onde ambos possam ser livres, mas ainda assim encontrar algo que unifique o que vocês têm, sem perder o que cada um realmente precisa.
Celo olhou para o homem, como se algo tivesse se acendido dentro dele. Talvez fosse a hora de parar de procurar respostas externas e começar a olhar para dentro. Talvez fosse isso que ele precisava.
— E você, seu Zé? — Celo perguntou, curioso. — Como conseguiu encontrar esse equilíbrio? Como foi para você, depois de tanto tempo?
Seu Zé olhou para o horizonte, pensativo, e sorriu, como se uma lembrança boa tivesse vindo à tona.
— Olha, meu amigo, não existe fórmula mágica. Cada um de nós tem um caminho único. O segredo é entender que a felicidade, às vezes, está em viver o que se tem de forma plena, sem se preocupar tanto com o que ainda falta. E, acima de tudo, ser verdadeiro. Só assim, o que vier depois será mais leve.
— E o que eu faço com essa raiva? Com essa dor que habita dentro de mim? Isso está me consumindo … — Disse Celo, quase voltando a se perder.
— Coloca pra fora, explode, extravasa … só não deixa ela aí, te envenenando lentamente. — Respondeu o homem.
Celo sorriu, sentiu pela primeira vez, após tanto tempo, que talvez houvesse um caminho a seguir. Não um caminho claro, sem pedras, mas pelo menos algo que ele poderia começar a entender.
Ele levantou a xícara, brindando silenciosamente àquela nova perspectiva. Talvez fosse o momento de começar a escrever um novo capítulo de sua vida. Mesmo com sentimentos conflitantes misturados no peito — amor e raiva, dor e esperança — um novo capítulo não necessariamente precisa de novos personagens.
Se tudo fosse tão simples e fácil, se a dor não voltasse com tanta rapidez, assumindo a liderança dos sentimentos e o fazendo fraquejar … se a coragem fosse um motor de propulsão para um coração confuso e ferido, dois meses não teriam se passado sem que ele voltasse para casa e para sua vida. Organizar os pensamentos, lidar com sentimentos conflituosos, o deixava estagnado.
Paul resolveu agir e dar a Mari e a Celo a chance de se encontrarem novamente. Ele se sentia em dívida com o casal e moveu céus e terra para encontrar Celo.
Continua …
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