BENÊ
— Oi, seguimores... — parando e fazendo uma careta. — Seguimores? — questionei a mim mesmo, mas voltando a atenção para o vídeo. — Olha só galera, o Joaquim anda meio indisposto nesses últimos dias, então, eu vou assumir os vlogs por enquanto. Hoje estamos a caminho da casa dos pinguins, por isso, esperem muita fofura nos próximos vídeos. — desliguei o celular. — Puta merda, eu sou péssimo. — suspirei e olhei para o motorhome, que estava estacionado na estrada.
Mano, se eu achava que o Joaquim já era cheio de altos e baixos, agora ele chutou o balde de vez. Depois que descobriu que o vídeo dele voltou a viralizar, o cara se trancou no mundinho dele, e olha... foi triste de ver. Ficava lá no canto, jogado na cama do motorhome, olhando pro nada como se fosse protagonista de novela mexicana. A gente tentou ajudar, o Beto e eu, mas ele tava numa vibe de "não quero ouvir nada nem ninguém". A única coisa que conseguiu arrancar um fiapo de interação foi o Piccolo, que virou o novo travesseiro oficial dele. O gato tava mais prestativo que eu!
Beto e eu combinamos de dar um basta naquilo. A primeira missão foi afastar o Joaquim do celular. Juro que foi quase uma operação de guerra. Ele reclamou, fez drama, mas a gente venceu. De quebra, liguei pra tia Tereza, porque né... essa mulher resolve tudo. "Pode deixar, sobrinho, já tem advogado na parada", foi o que ela me disse. Aquilo me aliviou. Se tem uma coisa que a tia sabe fazer, é colocar ordem no caos.
Pra tentar mudar o clima pesado, seguimos viagem e chegamos à Punta Tombo, que, pra quem não sabe, é tipo o paraíso dos pinguins. Cara, era pinguim pra tudo quanto é lado! Eles andando, esbarrando na gente, alguns encarando como se fossem donos do lugar. Não dá pra descrever o nível de fofura, mas também não dava pra ignorar o cheiro... que, olha, era exótico. Mas, tudo bem, valeu a pena.
O problema é que o Joaquim não saiu do Leopoldo e nem pra dar um “oi” pros pinguins. Meu irmão ficou lá no mesmo esquema: deitado, com o Piccolo ronronando em cima dele. Falei pro Beto que essa atitude não era novidade. Quando aquele vídeo infeliz surgiu pela primeira vez, nossos pais quase surtaram. Eles até processaram o Paulo, mas o Joaquim... bom, ele só se fechou. Parou de sair, de sorrir, até de reclamar de mim. Foi estranho.
Eu olhei pro Beto e falei: "A gente não pode deixar ele ficar assim de novo. Bora fazer alguma coisa". E o Beto, com aquele jeito sério dele, só concordou com a cabeça. Sei lá o que ele tava pensando, mas eu tava decidido: a gente ia trazer o Joaquim de volta nem que fosse na base de pinguins e abraços forçados.
Mano, parecia que a gente tava fazendo de tudo pra tirar o Joaquim daquela fossa, mas a cada ideia maluca que a gente tinha, ele ficava mais pra dentro do buraco, como uma tartaruga que não quer sair da casca. Não é que a intenção era ruim, mas as paradas não estavam rolando. O Beto e eu, a gente tentou tudo, até umas paradas mais doidas, tipo... sei lá, pensei até em fazer uma "pista de dança improvisada" pra tentar fazer o Joaquim se mexer, mas ele olhava pra gente como se a gente tivesse pedido pra ele pular de paraquedas sem paraquedas.
"Vamos botar uns pinguins dentro do motorhome e fazer uma festa", eu sugeri, rindo, porque pinguins, mano... são engraçados, tipo... quem não ficaria de bom humor vendo um pinguim dando rolê dentro do motorhome? Mas, ó... foi um desastre. Os bichos não ficavam parados e me deram uma canseira. A pior parte? O Piccolo pensou que era uma caçada e saiu em disparada, assustando os pobres animais.
Apesar de toda confusão, Joaquim, não levantou a bunda da cama. Ficou lá, deitado, como se a gente tivesse convidado ele pro pior tipo de festa, com pinguins e tudo mais.
Depois, pensei em algo mais sutil, mais tranquilo... "Beto, vamos dar um rolê de bicicleta! Levar o Joaquim pra uma praia, com o vento batendo na cara dele, vai ser tipo terapia, né?" Não, né. Joaquim não queria nem saber. O cara me olhou como se eu tivesse sugerido que ele fosse trabalhar em uma fábrica de suco de limão, de tanto que ele tava amargo. Não funcionou, óbvio. Ele nem piscou.
Aí, eu tive uma ideia brilhante. Eu falei, "Beleza, vamos jogar no modo extremo. Beto, me ajuda a fazer um bolo de chocolate do tamanho da nossa vontade de ajudar o Joaquim!" Eu sou mestre da cozinha, mano, quem não ama um bolo gigante de chocolate? A ideia era simples: fazer um bolo absurdo, com direito a granulado, chantilly e até umas velinhas, pra ver se o Joaquim dava uma risada, tipo: "Nossa, isso tá ridículo, mas é engraçado". Só que... Joaquim nem levantou da cama pra comer um pedaço. Só ficou lá com o Piccolo, como se fosse a única companhia que ele precisava. Um fracasso.
Já quase desistindo, eu olhei pro Beto e falei: "Acho que a única solução é colocar o Joaquim numa roda de samba, porque olha, nada mais vai funcionar". O Beto me olhou, sem entender, mas riu. E a gente lá, tentando fazer graça, quando de repente... o Joaquim explode. Foi como se alguém tivesse estourado um balão dentro do motorhome. Ele simplesmente começou a chorar. Eu, de boa, achando que ia rolar um drama normal de viagem, mas, não... o cara surtou.
— Meu pai nunca vai me perdoar por causa do vídeo. — ele disse, meio sem fôlego, como se tivesse engolido um pedaço de vidro. — A última conversa que tivemos foi uma briga, e isso... isso me persegue. Me persegue todos os dias. Eu só vim nessa viagem porque achei o diário dele e queria compensar... queria tentar fazer algo de bom, pra... pra... sei lá, honrar a memória dele.
— Ei, cara. Você sabe que o pai não pensava assim. — falei, sem saber o que fazer.
Mano, eu parei. O cara tava ali, se abrindo de um jeito que eu nunca imaginei. Tudo aquilo de viajem, as fugas, os pinguins, o bolo, não tinha nada a ver com a gente ou com a viagem em si. Era sobre ele tentar se redimir com o pai. E eu olhei pra ele, sem saber o que falar, porque, tipo, de repente, a gente tava falando sobre um bagulho que era maior do que qualquer maluquice que a gente pudesse fazer.
O Beto, sem palavras também, foi lá e deu um abraço no Joaquim. Tipo, nada de piada, nada de tentar distrair ele com qualquer maluquice. A gente só ficou ali, no silêncio, e eu percebi que às vezes a ajuda que as pessoas precisam não é uma piada, nem um bolo gigante. É só alguém lá, ao lado delas, sem pressa de consertar tudo.
BETO
Bah, não é de hoje que eu penso sobre como esses dois mudaram minha vida. O Joaquim e o Benê, esses dois irmãos tão diferentes, apareceram do nada quando eu tava mais perdido que cusco em tiroteio. Tudo começou naquele dia que me espatifei de bicicleta num acidente. Já tava preparado pra ficar jogado no chão, com vergonha e tudo, quando esses dois apareceram. O Joaquim estava todo solícito e preocupado comigo. O Benê todo sério, meio desconfiado, mas que depois parecia uma locomotiva a vapor, falando mil coisas ao mesmo tempo. E foi assim que começou.
Eu sei que não sou um poço de comunicação, mas eles me acolheram como se eu fosse parte da família deles. Não foi fácil no início, porque, bah, eu vinha de uma criação dura, uma família tradicional lá do sul, onde demonstrar carinho era quase um crime. Mas com o tempo, esses dois foram me mostrando outro jeito de viver, de ver as pessoas. Em dois meses de convivência, aprendi mais sobre empatia e respeito do que em uma vida inteira com a minha família. Eles são como irmãos pra mim agora, e eu sei que nunca vou ter como agradecer o suficiente por isso.
Mas, tchê, ver o Joaquim assim, nessa tristeza que não tem tamanho, me destrói por dentro. Desde que aquele vídeo voltou a rodar na internet, ele se fechou de um jeito que eu não reconheço. É como se todo o brilho que ele tinha nos olhos tivesse sumido. Eu e o Benê tentamos de tudo. E quando eu digo tudo, é tudo mesmo. Mas nada funcionava.
Pra ser bem sincero, o vídeo dele com o ex-namorado me pegou de jeito. Não pelo vídeo em si, mas pelo que ele despertou em mim. Nunca tinha sentido ciúmes assim antes. Foi estranho. E novo. E... bah, intenso. Me deixou confuso, mas também me fez perceber que talvez o que eu sinto pelo Joaquim é algo bem maior do que eu queria admitir.
Depois de mais uma tentativa furada de animar o guri, eu sentei no motorhome com o diário do pai dele na mão. Olhei pra ele e falei com toda a calma do mundo, como se estivesse conversando com um potro arisco:
— Joaquim, escuta aqui. Sei que tá pesado, tchê. Mas deixa eu te dizer uma coisa: teu pai e tua mãe te amavam, com todos os teus erros, com todas as tuas falhas. Ninguém é perfeito, guri. Nem o seu Agenor, nem a dona Rita, nem tu. E eles te amavam por quem tu é, não pelo que tu achava que precisava ser.
Ele ficou olhando pra mim, com os olhos marejados, e quando eu menos esperava, começou a chorar. Não aquelas lágrimas contidas, mas um choro forte, que parecia lavar a alma. Eu me aproximei e abracei ele, porque, tchê, às vezes é só isso que a gente precisa.
Foi aí que aconteceu. No meio daquele momento, eu não sei bem como, mas nossos rostos se aproximaram, e a gente se beijou. Foi intenso, como se o mundo tivesse parado por uns segundos.
E então, claro, o Benê apareceu segurando o Piccolo no colo. Ele soltou um "MAS QUE P*** É ESSA?" tão alto que até o gato levou um susto e enfiou a pata no queixo dele. Foi hilário, mas a gente tava tão absorto no momento que só rimos depois.
Eu olhei pro Joaquim e falei:
— Tchê, a tristeza faz parte. A gente precisa passar por ela pra entender muita coisa. Mas tu não tá sozinho. Vamos ficar aqui deitados, respirando, mas depois tu vai reagir, porque tu é mais forte do que pensa.
O Benê, ainda com o Piccolo no colo, se jogou na cama com a gente, reclamando que não queria ficar de fora. E ali, naquele momento apertado e meio esquisito no motorhome, eu senti que tava descobrindo algo maior do que só fraternidade. Tava descobrindo o que era amar de verdade.
Bah, acordei todo moído, como se tivesse capinado um campo inteiro. O braço do Benê tava jogado na minha cara, e o Piccolo, dormia estatelado na minha barriga. Se eu me mexesse, era capaz dele reclamar mais que velho sem chimarrão de manhã.
Com muito jeito, tirei o braço do Benê e levantei. Dei uma boa espreguiçada, estalando os ossos como quem afia uma faca. Foi aí que notei: o Joaquim não tava na cama. Olhei em volta, cocei a cabeça e percebi que a porta do Leopoldo tava aberta.
Saí pra fora, e o ar fresco da manhã me bateu na cara, me acordando de vez. Ali estava o Joaquim, de pé, olhando pro mar como quem busca alguma resposta nas ondas. Fui chegando de mansinho, sem fazer alarde, e me pus ao lado dele. Não falei nada, porque às vezes o silêncio vale mais que mil palavras, sabe?
— Obrigado, Beto — ele disse de repente, sem tirar os olhos do horizonte. — Pelo empurrão ontem. Eu precisava daquilo. Prometo que vou melhorar. Quero aproveitar essa viagem.
Antes que eu pudesse abrir a boca pra dizer algo, quem surge que nem um foguete? Ele mesmo, o Benê, cheio de energia e dedo apontado pra gente:
— Ah, mas eu vou avisando: se eu ver vocês dois se beijando de novo, eu pego o Piccolo e boto ele no meio! Isso aqui é um motorhome de respeito!
Bah, mas que guri folgado! Joaquim deu um sorriso discreto, enquanto eu só consegui revirar os olhos.
— Tá, tá, gurizada — Benê continuou, sem nem nos deixar responder. — Agora bora se mexer, porque hoje é dia de pinguins! Vamos fazer um tour e apresentar os bichinhos pro Joaquim. Quem sabe o Piccolo aprende a ser mais sociável com eles!
Eu olhei pros dois, que logo começaram a discutir por alguma bobagem, tipo quem ia levar a câmera ou se o café da manhã ia ser antes ou depois do passeio. Só sei que fiquei ali, olhando pra cena, com um sorriso meio bobo no rosto.
Tava tudo voltando ao normal, sabe? O Joaquim, o Benê, até o Piccolo com as manias dele, já que aproveitou para afiar as garras no Benedito. Acho que nunca imaginei que ia me sentir tão em casa num lugar tão longe do meu pago. Mas bah, esses dois irmãos são mais família pra mim do que eu podia sonhar.