Desde a festa da padroeira no Alto, eu havia me apaixonado por uma cantora de axé, suas músicas passaram a embalar a trilha sonora da minha vida. E a paixão pelo trio elétrico nasceu ali. As letras eram como um reflexo do que eu sentia, e, sempre que ouvia sua voz, algo dentro de mim vibrava, e me fazia sentir uma nova pessoa.
O Lucas sabia disso. Ele sabia o quanto eu amava aquela cantora e como suas músicas tinham um significado profundo para mim, durante nossas conversas no carro, quando ficamos de frente ao seu prédio, sempre tocava uma ou outra música dessa cantora ao fundo, estou contando isso porque quero que tudo faça sentido para vocês. Não era apenas uma música qualquer que ele cantou naquela noite. Ele escolheu a dedo. Ele sabia que eu saberia no exato momento, e foi exatamente assim que o meu mundo parou.
Os primeiros acordes começaram a soar no violão, e minha respiração travou. Lucas dedilhava com calma, quase como se estivesse preparando o terreno para algo importante. Então, ele começou a cantar.
“Estava satisfeita em te ter como amigo, mas o que será, que aconteceu comigo?...”
Era aquela música. Não podia ser outra. Assim que ele começou, senti um arrepio percorrer minha pele. Lucas estava de olhos fechados, a expressão concentrada, como se cada palavra fosse uma confissão arrancada diretamente de seu coração. Seu rosto voltado para o violão mostrava o perfil mais perfeito, os traços marcados pela luz suave ao nosso redor. Ele estava lindo, ainda mais charmoso do que eu podia suportar.
Aquela música... Eu a amava desde sempre, e conhecia a letra de cor. Mas, naquela noite, ela ganhou um significado completamente novo. Foi como uma viagem no tempo, uma reviravolta emocional que me jogou diretamente no turbilhão dos nossos sentimentos. Aquela música era tudo. Era nós.
“Aonde foi que eu errei? Às vezes me pergunto se eu não entendi errado, Grande amizade com estar apaixonado….”
Meu coração parecia bater em sincronia com as cordas do violão. As palavras saíam da boca dele com uma sinceridade que me desmontava. Era como se ele estivesse se despindo emocionalmente ali, na frente de todos, mas, ao mesmo tempo, como se só existíssemos nós dois naquele momento.
Estar ali, ouvindo e vendo Lucas cantar uma das minhas músicas favoritas, foi a coisa mais linda que alguém já fez por mim.
“Se for só isso logo vai passar, mas quando toca o telefone será você? O que eu estiver fazendo eu paro de fazer e se fica muito tempo sem me ligar arranjo uma desculpa pra te procurar que tolo mas eu não consigo evitar…”
Sim, era exatamente aquilo que acontecia. Quantas vezes ele não arrumava qualquer desculpa para a gente se falar? E quantas vezes eu fazia o mesmo? Bastava o meu telefone vibrar ou soar uma notificação, e lá estava eu, correndo para ver se era ele. Meu coração parava por um segundo, suspenso entre a ansiedade e a esperança, e, quando era uma mensagem do Lucas, não conseguia evitar o sorriso que se espalhava pelo meu rosto. Cada palavra daquela música traduzia a nossa conexão, como se a letra tivesse sido escrita para contar a nossa história.
“Porque eu só vivo pensando em você, e é sem querer, você não sai da minha cabeça mais…”
Quando o refrão começou, ele finalmente abriu os olhos, e os nossos olhares se cruzaram. Era como se ele estivesse me procurando no meio de todos. Por um instante, senti o chão sumir. A profundidade do olhar dele me atingiu com tanta força que precisei desviar, temendo que ele percebesse o quanto eu estava emocionado. Fechei os olhos, tentando recuperar o controle. Enquanto ele cantava, minha mente foi inundada por memórias de nós dois.
Aquela parte da música dizia exatamente o que eu sentia. Lucas estava em minha mente o tempo inteiro, como uma presença constante, viva e inescapável. Ele era o centro do meu mundo, mesmo que eu tentasse negar.
“Eu só vivo acordada a sonhar, imaginar nós dois às vezes penso ser um sonho impossível, uma ilusão terrível, será? Hoje eu pedi tanto em oração, que as portas do seu coração se abrissem pra eu te conquistar. Mas que seja feita a vontade de Deus, se ele quiser então, não importa como, onde, quando eu vou ter seu coração...”
A cada verso, mais lembranças me tomavam. Eu me lembrei da primeira vez que vi a foto dele, quando Brenda a mostrou para mim. Daquele instante em que algo dentro de mim despertou. Recordei o impacto que senti ao vê-lo pessoalmente pela primeira vez, no açaí, onde nossas energias pareciam se conectar de uma maneira inexplicável. As horas intermináveis que passávamos juntos no carro, o cheiro dele que se impregnava na minha memória, e a sensação de segurança que ele transmitia.
Mesmo de olhos fechados, podia sentir o peso de cada palavra que ele cantava. Era como se um filme estivesse sendo projetado dentro da minha mente, cada cena rica em detalhes, cada momento vivido entre nós. Em frações de segundos, eu revivi tudo.
E, naquele instante, eu soube que estava completamente entregue.
“Eu faço tudo pra chamar sua atenção, de vez em quando eu meto os pés pelas mãos, engulo a seco o ciúme quando outra apaixonada quer tirar de mim sua atenção…”
Agora era minha vez de abrir os olhos. Nossos olhares finalmente se encontraram, e naquele momento pareceu que algo invisível nos unia. Lucas oscilava entre me olhar diretamente e desviar para o violão, como se precisasse de algo para ancorar suas emoções. Cada palavra daquela estrofe parecia carregar uma parte da nossa história.
Eu sabia que ele sentia ciúmes do Bernardo, assim como eu acabara de expressar o meu por Arthur. Aquela música não era apenas uma música. Era nossa. Eu deixei escapar, quase num sussurro, sem conseguir conter:
— Putz, como essa música pode ser exatamente feita pra mim... em cada palavra, em cada detalhe.
“Coração apaixonado é bobo, sorriso seu ele derrete todo o teu charme, teu olhar, tua fala mansa me faz delirar...”
Ele continuava, e cada verso fazia meu coração bater mais forte. Eu não podia desviar os olhos. Lucas cantava com uma entrega tão completa que parecia que ele estava me convidando para entrar na alma dele. Sua voz era suave, mas cheia de intensidade, e eu me via cativo.
Meu peito parecia pequeno demais para comportar tudo o que eu sentia. Era impossível não me perder em pensamentos. Será que era isso? A declaração que eu sempre quis? O começo do nosso “nós”?
Ele fechou os olhos novamente, como se quisesse encontrar coragem para continuar, e eu senti que precisava fazer o mesmo.
“Mas quanta coisa aconteceu e foi dita, qualquer mínimo detalhe era pista, coisas que ficaram para trás, coisas que você nem lembra mais. Mas eu guardo tudo aqui no meu peito, tanto tempo estudando teu jeito, tanto tempo esperando uma chance, sonhei tanto com esse romance. Que tolo, mas eu não consigo evitar…”
Enquanto ele cantava, fechei os olhos e me deixei levar. A música parecia uma ponte entre nós, conectando pensamentos, memórias e sentimentos. Cada verso era como uma confissão, não dita com palavras, mas vivida em olhares e gestos que se acumulavam ao longo do tempo.
Lembrei-me de todas as pequenas coisas: o jeito que ele arrumava o cabelo, a forma como ele olhava para mim quando achava que eu não estava vendo, as conversas no carro que pareciam nunca acabar. Eu guardava tudo, cada detalhe, cada gesto, cada sorriso.
Passei tanto tempo estudando o Lucas, tentando decifrar os sinais, tentando entender o que ele sentia. Agora, eu não precisava mais de dúvidas. A certeza estava ali, na música, em sua voz, em cada nota dedilhada no violão. E pela primeira vez, senti que ele guardava tudo também.
Meu coração estava quente, preenchido por algo que eu sabia que jamais conseguiria explicar. Era amor, puro e simples, ecoando em cada acorde daquela canção.
“Porque eu só vivo pensando em você e é sem querer, você não sai da minha cabeça mais, eu só vivo acordada a sonhar, imaginar nós dois, às vezes penso ser um sonho impossível, uma ilusão terrível, será? Hoje pedi tanto em oração, que as portas do seu coração se abrissem pra eu te conquistar…”
Naquele momento, Lucas fez algo inesperado, mas completamente perfeito. Ele parou de cantar e deixou que todos ao nosso redor assumissem os versos. Um coro espontâneo tomou conta do ambiente, com nossos amigos cantando a plenos pulmões. Lucas apenas tocava o violão, dedilhando as notas de olhos fechados, um leve sorriso desenhado em seus lábios.
Eu também permaneci de olhos fechados, ouvindo. Era como se aquela música, cantada por tantas vozes, ecoasse diretamente no meu coração. Cada palavra parecia uma peça de um quebra-cabeça se encaixando, formando a imagem do que éramos e do que poderíamos ser. Meu coração estava aquecido, mas minha mente... minha mente era um turbilhão de pensamentos.
Quando o coro começou a desacelerar, Lucas abriu os olhos. E então, ele me encontrou. Seu olhar penetrou minha alma, como se estivesse lendo cada emoção que eu tentava esconder. Ele diminuiu os acordes, deixando o som do violão quase como um sussurro, e cantou a última estrofe, agora quase em solo.
“Mas que seja feita a vontade de Deus, se ele quiser então, não importa como, onde, quando, eu vou ter seu coração...”
A cada palavra, sua voz parecia mais baixa, mais íntima, como se fossem ditas apenas para mim. Ele não desviava os olhos, e eu senti meu mundo inteiro desmoronar e se reconstruir naquele olhar.
Meus olhos já estavam marejados. Eu sabia que algo tinha mudado entre nós, que não havia mais como voltar ao que era antes. Mas junto com a emoção vinha também um medo. Um pequeno receio do que viria a seguir. Como seria nossa história a partir dali?
E então, como se o tempo tivesse parado, Lucas dedilhou os últimos acordes e cantou a última parte olhando profundamente em meus olhos:
“Porque eu só vivo pensando em você e é sem querer, você não sai da minha cabeça mais, eu só vivo acordada a sonhar, imaginar nós dois. Às vezes penso ser um sonho impossível, uma ilusão terrível, será? Hoje pedi tanto em oração, que as portas do seu coração se abrissem pra eu te conquistar. Mas que seja feita a vontade de Deus, se ele quiser então, não importa como, onde, quando, eu vou ter seu coração.”
Quando ele terminou, tudo pareceu mais silencioso, mais denso. E eu sabia, no fundo do meu coração, que algo havia sido selado naquele momento. O som dos aplausos e assobios logo encheu o ambiente, um misto de alegria e encanto pelo momento que todos haviam testemunhado. Não foi apenas bonito para mim; a música, a voz do Lucas, e o clima criado ali também tocaram outros corações. Havia casais na rodinha que cantavam um para o outro, trocando olhares apaixonados. Ninguém poderia imaginar que aquela apresentação havia sido, na verdade, uma declaração de amor entre dois homens.
Lucas se levantou, e enquanto algumas pessoas o chamavam para elogiar sua performance, ele me lançou um olhar à distância. Era um olhar que parecia carregar uma pergunta, como se ele estivesse esperando por algo — por mim. Meu coração disparou, mas eu sabia o que precisava fazer.
Levantei e caminhei em direção ao quarto onde eu estava hospedado. Antes de entrar, olhei para trás e o vi vindo em minha direção, sem desviar os olhos de mim. Ele havia entendido o recado. Cada passo dele parecia uma eternidade, e meu coração acelerava como se estivesse prestes a explodir. Eu não sabia o que dizer, muito menos o que fazer, mas decidi confiar no momento.
Entrei no quarto e deixei a porta entreaberta. Pouco depois, Lucas entrou, fechou a porta atrás de si e me olhou. Aquele olhar... intenso, cheio de algo que eu não conseguia descrever. Seus olhos brilhavam de um jeito que parecia invadir minha alma, e naquele instante eu sabia que nada mais importava.
Ele se aproximou, parando tão perto que eu podia sentir sua respiração.
– E então, gostou? – ele perguntou, com um sorriso leve, quase tímido.
– Foi a coisa mais linda que alguém já fez por mim – respondi, sem conseguir esconder o tom bobo na minha voz.
Ele riu de leve, mas havia uma seriedade no seu olhar que não passava despercebida.
– Olha... – ele começou, hesitante, como se buscasse as palavras certas. – Eu não sei exatamente o que dizer, mas... na verdade, sei o que quero fazer.
E antes que eu pudesse responder, ele me puxou gentilmente. Seus lábios tocaram os meus pela primeira vez, e tudo ao nosso redor pareceu desaparecer.
Era um beijo doce, suave, mas carregado de desejo e de toda a paixão reprimida que havíamos escondido até ali. Seus lábios eram macios, o toque dele era firme e ao mesmo tempo cuidadoso. Cada segundo daquele beijo parecia gravar-se em mim, como se o tempo tivesse parado para nos permitir sentir tudo o que precisávamos.
Era o nosso primeiro beijo, e eu sabia, sem sombra de dúvida, que ele ficaria gravado na minha memória para sempre.
O toque dos lábios de Lucas contra os meus foi como se o mundo ao nosso redor tivesse deixado de existir. Não havia mais som, nem aplausos, nem vozes lá fora. Apenas nós dois, naquele momento, presos em uma bolha onde só existia o que sentíamos.
Meu coração estava descompassado, batendo tão forte que eu tinha certeza de que ele podia ouvir. Parecia que ia sair do meu peito, e ao mesmo tempo, era como se ele fosse o único a mantê-lo no lugar. As mãos dele estavam firmes na minha bunda, os polegares roçando de leve na minha costas, e o calor do seu toque parecia se espalhar por todo o meu corpo.
Fechei os olhos, rendido, sentindo cada detalhe. O jeito como os lábios dele eram macios, como eles se moviam contra os meus em um ritmo perfeito, cheio de cuidado e ao mesmo tempo com uma urgência contida. Era um beijo que falava mais do que qualquer palavra poderia dizer, como se ele estivesse tentando transmitir tudo o que sentia, tudo o que não conseguia colocar em frases.
Minha respiração estava descontrolada. Cada toque, cada movimento parecia me acender por dentro, como se cada célula do meu corpo estivesse reagindo a ele. Meu peito parecia pequeno demais para segurar tudo o que eu estava sentindo.
Havia algo de mágico naquele instante. O tempo não só parecia desacelerar, ele praticamente parou. Era como se aquele momento se estendesse, permitindo que eu absorvesse cada nuance. O cheiro dele, um misto de perfume amadeirado e algo que era só dele, invadiu meus sentidos, me preenchendo.
Meus dedos, meio trêmulos, tocaram sua nuca, sentindo os fios macios de seu cabelo entre eles. Puxei-o levemente para mais perto, como se meu corpo temesse que aquele momento pudesse escapar.
E então veio a onda. Uma mistura de calor, arrepio e uma leve vertigem. Eu me sentia leve e, ao mesmo tempo, completamente entregue. Meu peito parecia cheio, não só de ar, mas de um sentimento que eu não sabia que podia ser tão avassalador. Era paixão. Era desejo. Era amor.
Quando ele finalmente se afastou, nossos lábios se desgrudaram lentamente, como se o universo estivesse relutante em nos separar. Ele permaneceu próximo, nossas testas se tocando, nossas respirações ainda ofegantes. Seus olhos encontraram os meus, e havia algo neles que me fez perder o fôlego mais uma vez. Era intensidade, era sinceridade, era ele.
– Eu queria fazer isso desde o dia em que te conheci – ele sussurrou, com a voz rouca, quase inaudível, mas clara o suficiente para me fazer sorrir como um bobo.
Eu não sabia o que dizer. As palavras pareciam pequenas demais para expressar o que estava dentro de mim. Então, apenas sorri, segurando seu rosto entre minhas mãos, e respondi baixinho:
– Valeu a espera.
Ficamos ali por mais alguns segundos, nossos corações batendo em um ritmo que só fazia sentido juntos. Não era só um beijo. Era o começo de algo que, mesmo sem nome, já era maior do que qualquer coisa que eu pudesse ter imaginado.
E naquele instante, percebi que não importava o que viesse depois. Pela primeira vez, eu estava exatamente onde queria estar.
