Capítulo 3:
Descer do ônibus foi como cruzar uma fronteira invisível. Lá estava eu, parado em frente àquela casa imponente, completamente diferente de tudo que eu tinha conhecido até então. Grandes janelas de vidro refletiam o sol do fim de tarde, e as paredes brancas e elegantes praticamente gritavam "sucesso", como se a casa quisesse me lembrar, a cada segundo, de que Pedro havia construído algo muito maior e melhor depois de nos deixar.
"Bem-vindo à vida de Pedro, o homem que teve tudo", pensei comigo mesmo. Ou, ao menos, foi essa a sensação.
A grama era tão verde e perfeitamente aparada que parecia saída de um comercial de luxo. E eu, bom... eu parecia completamente deslocado ali, com minha camiseta amassada e a mochila velha pendurada no ombro. A ironia disso tudo me atingiu com força, como uma piada cósmica que só eu estava entendendo.
Ah, sim, esqueci de mencionar: essa casa é enorme. Sério, eu cresci em uma casa simples com minha mãe e Manuela, e agora estou diante de um monumento ao bom gosto e ao dinheiro. É o tipo de lugar que te faz sentir que precisa de um terno só para atravessar o jardim. Mas eu digress...
— Miguel! — A voz que veio de trás da porta pesada me pegou de surpresa, apesar de eu estar esperando por isso.
E então, ele apareceu. Pedro. Meu pai.
Agora, como vou te descrever Pedro? Ele é a personificação da masculinidade clássica e sofisticada, o que soa um pouco como uma descrição saída de uma revista de moda dos anos 80, mas é exatamente isso. Assim que ele abriu a porta, vi logo de cara o porquê de ele ter sido capaz de construir essa nova vida. Alto o suficiente para passar uma sensação de domínio, mas não exageradamente. O cabelo, escuro e bem cortado, com aquela aparência de quem acabou de sair de um barbeiro caro. Ele parecia um personagem saído de um filme, o tipo de homem que você olha e sabe que tem o controle de qualquer situação.
Sim, eu sei, estou sendo um pouco sarcástico, mas preciso reconhecer que o cara tem presença. E eu? Bom, eu era só um garoto de 20 anos tentando fingir que estava à vontade na frente de um homem que, para todos os efeitos, era um estranho.
Ele sorriu para mim, um sorriso grande e genuíno, daqueles que mostram todos os dentes e quase te convencem de que ele realmente está feliz em te ver. Mas, você sabe, ainda havia um certo distanciamento no olhar. Aqueles olhos castanhos, intensos, como se estivessem me estudando, tentando descobrir quem era esse filho que ele mal conhecia.
— Finalmente, hein? — Ele abriu a porta completamente e fez um gesto para eu entrar. — Achei que você nunca fosse aparecer por aqui.
Eu sorri de volta, meio sem graça. O que eu poderia dizer? "Desculpa pelo intervalo de vinte anos"? Claro, a culpa não era exatamente minha, mas essas são aquelas situações em que nenhuma resposta parece adequada.
Atravessar a soleira da casa de Pedro foi como entrar em um mundo completamente diferente. Tudo era tão organizado, limpo, e... caro. Pisos de mármore, móveis de madeira escura polida, e aquele cheiro de perfume masculino discreto, mas que preenchia o ambiente de forma sutil. Cada detalhe parecia cuidadosamente escolhido para passar uma mensagem: "Aqui mora alguém de poder." Claro, não uma ostentação vulgar, longe disso, mas aquela sofisticação que apenas os realmente ricos conseguem ter sem esforço.
Pedro me guiou pela entrada com passos firmes, como se fosse o rei de um castelo me mostrando o reino que ele conquistou. E, de certa forma, era isso mesmo. Ele estava no controle, como sempre. A casa, a vida, tudo aquilo era reflexo de suas escolhas.
— Como foi a viagem? — perguntou ele, enquanto pegava minha mala sem sequer me dar a chance de recusá-la. Seus braços, embora não fossem exageradamente musculosos, mostravam a força e o cuidado com o corpo. Era o tipo de físico que você imagina que ele manteve com uma academia exclusiva e dietas cuidadosas.
— Tranquila — respondi, tentando não me perder em detalhes desnecessários. Afinal, quem quer ouvir sobre uma viagem de ônibus? Pelo visto, nem ele, porque rapidamente mudou de assunto.
— Essa casa... espero que você se sinta à vontade aqui. Sei que deve ser estranho, depois de tanto tempo. — Sua voz era suave, mas havia uma certa firmeza que eu não conseguia ignorar.
Estranho? Isso era um eufemismo. Estar ali, com ele, depois de tanto tempo, me fazia sentir como se eu estivesse num cenário montado para um filme. Tudo parecia tão... distante da realidade que eu conhecia.
— Vou me acostumar — disse, mais para mim do que para ele, enquanto meus olhos percorriam cada detalhe daquele lugar.
Pedro sorriu de novo, aquele sorriso controlado, como se ele estivesse avaliando o quanto dizer, o quanto abrir. A verdade é que eu ainda não sabia o que pensar sobre ele. Ele era meu pai, mas também não era. E isso criava uma confusão na minha cabeça que eu mal conseguia processar.
Enquanto ele me guiava pela casa, passei por quadros caros pendurados nas paredes e por uma estante cheia de livros que, sinceramente, duvido que ele tenha lido. Não que eu devesse julgar. Quem lê tudo o que compra, não é mesmo?
Pedro me levou até o segundo andar, onde havia uma ala separada para os quartos. Aparentemente, eu teria o meu próprio espaço por aqui. Não que eu estivesse reclamando, mas isso só reforçava a sensação de que ele estava tentando compensar o passado com coisas materiais. "Aqui está um quarto gigante com uma cama de luxo, agora tudo está perdoado, certo?"
— Esse vai ser seu quarto — ele disse, abrindo a porta de um dos cômodos.
O quarto era espaçoso, com uma cama enorme no centro, lençóis brancos perfeitamente esticados, uma janela que dava para o jardim dos fundos e um banheiro particular. Ah, e claro, uma TV de tela plana. Porque, por que não?
— Espero que seja confortável para você — Pedro comentou, como se fosse vital para ele que eu estivesse bem instalado.
— É ótimo — respondi, tentando manter a voz neutra, mas internamente eu estava impressionado. Quer dizer, vamos lá, não é todo dia que você ganha um quarto que parece de hotel cinco estrelas.
Ele se apoiou no batente da porta, cruzando os braços e me observando por um momento. Havia algo no olhar dele que eu não conseguia decifrar. Talvez fosse o peso de tantos anos de ausência. Talvez fosse apenas o incômodo de finalmente confrontar o passado.
— Miguel, eu... — Ele começou a falar, mas parou, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. — Sei que não estive por perto, e que isso provavelmente foi difícil para você e para sua mãe.
Ah, claro. Aqui está. Aquele momento de "vamos falar sobre o elefante na sala". Eu não sabia exatamente o que dizer, então fiquei em silêncio, esperando ele continuar.
— Não espero que você entenda todas as minhas escolhas, mas quero que saiba que estou feliz que você está aqui. De verdade.
Eu queria acreditar nele. Queria mesmo. E talvez, com o tempo, eu até consiga. Mas, por enquanto, tudo o que posso fazer é assentir e tentar não deixar a confusão que está dentro de mim transparecer demais.
— Obrigado, Pedro — respondi, sem saber se esse era o jeito certo de chamá-lo agora. Pai? Pedro? É complicado.
Ele sorriu, mais uma vez, e bateu levemente no batente da porta antes de se afastar.
— Desça quando estiver pronto. O jantar estará na mesa.
Com isso, ele se foi, me deixando sozinho no quarto luxuoso.
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