Dois dias haviam se passado desde que Gustavo apareceu na minha porta, destruído, como se a vida tivesse lhe arrancado tudo. Agora, enquanto verificava se ele estava dormindo, eu sentia uma mistura de alívio e preocupação. Ele ainda estava algemado à cama, mas sua febre havia cedido. A respiração era tranquila, e sua pele, embora pálida, já não queimava ao toque.
Dei um longo suspiro e puxei o lençol até seus ombros. Fiquei ali por mais alguns minutos, observando seu rosto sereno enquanto dormia. Mesmo naquele estado, ele ainda era o Gustavo que eu conhecia — o mesmo por quem eu havia me apaixonado anos atrás.
Com passos leves, saí do quarto e fui para a sala, onde minha mãe e Eduardo estavam sentados. Minha mãe segurava uma xícara de chá, seus olhos fixos em mim com uma preocupação evidente. Eduardo, por outro lado, parecia tenso, como se estivesse segurando uma opinião que não queria dividir.
— Precisamos conversar, Léo, — minha mãe começou, com aquele tom que sempre precedia uma conversa difícil.
— Já sei o que vocês vão dizer, — respondi, sentando-me no sofá e esfregando o rosto com as mãos.
— Ele precisa de ajuda profissional, — Eduardo disparou, direto. — Léo, você sabe que não pode fazer isso sozinho.
— E quem disse que estou sozinho? — retruquei, cruzando os braços. — Eu estou aqui, e ele está aqui. Isso é o suficiente.
— Não é o suficiente! — Eduardo rebateu, o tom subindo. — Você acha que amor resolve tudo? Ele precisa de uma clínica, de especialistas que saibam lidar com isso.
— Clínicas? — soltei uma risada amarga. — As mesmas que ele fugiu várias vezes? As mesmas que só o deixaram pior? Me poupe, Eduardo.
Minha mãe interveio, tentando acalmar os ânimos.
— Léo, nós só queremos o melhor para ele... e para você. Não queremos ver você se destruindo junto com ele.
Levantei-me, sentindo o sangue ferver.
— Vocês acham que não sei o que estou fazendo? Vocês acham que não sei o peso disso tudo? — Eu me virei para os dois, os olhos ardendo de frustração. — Mas dessa vez é diferente! Ele veio até mim! Ele está disposto a mudar, e eu vou estar aqui, ao lado dele, para garantir isso.
— Isso não muda nada, Léo, — Eduardo insistiu. — Ele precisa de estrutura, de acompanhamento médico...
— Ele precisa de amor! — gritei, interrompendo-o. — Amor, Eduardo! Algo que nenhuma clínica, nenhum médico pode oferecer. Todas as vezes que vocês se meteram, tudo só piorou. Agora é do meu jeito, e ponto final.
O silêncio que se seguiu foi denso, cortado apenas pelo som da minha respiração pesada. Minha mãe olhou para Eduardo, como se esperasse que ele continuasse, mas ele apenas suspirou, balançando a cabeça.
— Você acha que consegue fazer isso sozinho, Léo? — Eduardo finalmente disse, a voz mais baixa, quase um sussurro.
— Sim, eu consigo, — respondi, firme.
Ele ficou em silêncio por um momento, depois assentiu lentamente.
— Tudo bem. — Sua expressão era séria, mas havia um traço de resignação. — Vou dar um voto de confiança a você... e a ele. Mas saiba que, se precisar de ajuda, estarei aqui.
O nó na minha garganta quase me impediu de responder. Eu sabia que Eduardo estava relutante, mas suas palavras significavam mais do que ele poderia imaginar.
— Obrigado, — murmurei, sem olhar diretamente para ele.
Minha mãe suspirou profundamente, mas não disse mais nada. O peso daquela discussão pairava sobre nós, mas pelo menos, por enquanto, eles haviam decidido confiar em mim.
Eu sabia que o caminho seria longo e cheio de obstáculos, mas, naquele momento, senti que havia dado o primeiro passo. E isso, por mais pequeno que fosse, era suficiente para continuar lutando.
Minha mãe e meu irmão permaneceram comigo por algumas horas enquanto eu dormia, como se temessem que o silêncio da casa fosse insuportável. Eles também iam ao quarto de tempos em tempos para verificar Gustavo, quase como um ritual de cuidado coletivo, mas sem jamais dizerem o que realmente estavam pensando. Quando acordei, agradeci pela presença e os acompanhei até a porta.
– Qualquer coisa, Léo, é só ligar, – minha mãe disse, hesitante, enquanto segurava meu braço.
– Eu sei, mãe. Obrigado, – respondi, tentando parecer mais forte do que me sentia.
Assim que fechei a porta atrás deles, o peso da solidão voltou a me esmagar. Olhei ao redor do apartamento, tão quieto, e senti uma tristeza tão profunda que parecia sufocante. Era cruel como a vida tinha nos trazido até aqui. Eu sempre soube que Gustavo e eu viveríamos juntos, mas, na minha mente, esse futuro era brilhante, cheio de vida. Nós teríamos uma casa cheia, risadas ecoando pelos cômodos, e filhos correndo ao nosso redor. Agora, tudo parecia distante, como um sonho borrado pela realidade.
Caminhei até o quarto, hesitante, e parei na porta. Gustavo ainda dormia, seu rosto tranquilo em contraste com tudo o que passava por dentro dele. Meus olhos passearam por seu corpo magro e cansado, a barba desalinhada, as marcas de um passado recente que eu queria desesperadamente apagar. Meu coração apertou.
Sem pensar muito, me deitei ao seu lado. Fechei os olhos, tentando acalmar minha mente que insistia em revisitar memórias antigas. Foi inevitável. Assim que relaxei, meu pensamento me levou de volta àquele acampamento, àquele verão que mudou tudo entre nós.
Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, mesmo que misturado com uma pontada de dor. Lembrei-me daquela noite, dentro da barraca, apenas nós dois, envolvidos por um universo que parecia só nosso.
– Eu vi a maneira como ele estava te olhando, – Gustavo disse, a voz baixa, mas carregada de emoção. Ele estava deitado, encarando o teto da barraca, enquanto minha cabeça repousava sobre seu peito. O ritmo lento de seu coração era uma melodia que me acalmava.
– Quem? – perguntei, sem levantar a cabeça.
– Miguel, – ele respondeu, com um suspiro pesado. – Ele ainda ama você.
Levantei-me ligeiramente, apoiando-me no cotovelo para olhar para ele. O ciúme brilhava em seus olhos, mas também havia algo mais: medo. Medo de me perder.
– Mas eu amo você, – respondi, minha voz firme, mas carregada de ternura.
Gustavo desviou o olhar por um instante, como se não acreditasse completamente. Eu me sentei, puxando-o levemente para que nossos olhos se encontrassem.
– Eu só imagino meu futuro com você, – continuei, segurando sua mão com força. – E, claro, com nossos filhos.
A sombra em seu olhar desapareceu por um momento, substituída por um brilho tímido de esperança.
– Filhos? – ele perguntou, arqueando uma sobrancelha, mas com um sorriso pequeno brincando em seus lábios.
– Sim, filhos, – respondi, sorrindo. – Dois, no mínimo. Um com o seu sorriso e outro com os meus olhos.
Ele riu suavemente, o som tão familiar que meu coração quase explodiu de alegria.
A lembrança me atingiu com força, e quando voltei ao presente, ainda estava sorrindo, mas agora com os olhos cheios de lágrimas. Eu queria desesperadamente aquele Gustavo de volta, o Gustavo que sonhava comigo, que imaginava futuros e filhos e uma vida cheia de possibilidades.
Olhei para ele novamente, ainda adormecido ao meu lado, e prometi silenciosamente que, desta vez, eu faria o impossível para trazê-lo de volta. Porque, apesar de tudo, o Gustavo que eu amava ainda estava ali, escondido sob as cicatrizes do vício e da dor. E eu não desistiria até encontrá-lo novamente.
Levantei-me devagar da cama, tentando não fazer barulho. Olhei para Gustavo mais uma vez; ele ainda dormia, o peito subindo e descendo em um ritmo calmo. Era o sono do cansaço extremo, talvez o único refúgio que ele tinha naquele momento. Mas eu sabia que o sono não viria para mim. Não naquela noite.
Saí do quarto, fechando a porta com cuidado, e caminhei até a sala. O apartamento estava mergulhado em silêncio, mas o peso do passado e das responsabilidades tornava o ar denso, quase sufocante. Passei os olhos pela estante até encontrar o caderno da psicóloga, o mesmo que eu sempre carregava comigo para as consultas. Peguei-o e me sentei no sofá.
Fazia dois dias que eu não pensava mais na minha terapia, na consulta do dia anterior simplesmente faltei. Não mandei mensagem, nem uma explicação. Simplesmente desapareci, como se o mundo tivesse deixado de existir para além dessas quatro paredes. Eu sabia que a doutora Mônica entenderia, mas ainda assim, a culpa me corroía. Ela provavelmente diria algo como: "Você não pode ajudar ninguém se não estiver bem consigo mesmo." E talvez ela estivesse certa, mas agora isso não importava. Meu foco era Gustavo.
Abri o caderno e folheei as páginas, passando por anotações anteriores até encontrar onde havia parado. As palavras pareciam me chamar, implorando para serem continuadas. O acampamento... a barraca... aquele momento entre nós. Peguei uma caneta e comecei a escrever.
"Depois de dizer que queria filhos com ele, Gustavo riu, como se não conseguisse imaginar essa possibilidade. Mas havia algo na forma como ele me olhou, como se, por um instante, ele quisesse acreditar que isso poderia ser real.
— Dois filhos, hein? – ele disse, sorrindo de lado, enquanto brincava com a barra do saco de dormir.
— Dois, – respondi, sorrindo de volta. – E talvez um cachorro, ou quem sabe um gato, se você insistir muito.
Ele balançou a cabeça, rindo novamente, mas dessa vez havia um brilho nos olhos dele, algo que me fazia acreditar que ele também sonhava com aquilo, mesmo que nunca dissesse em voz alta.
— Você é louco, sabia? – ele murmurou, puxando-me para mais perto até que nossas testas se tocassem.
— Louco por você, – respondi, sem hesitar.
Gustavo não respondeu. Ele apenas fechou os olhos, respirando fundo como se quisesse guardar aquele momento para sempre. Foi a primeira vez que senti que ele também tinha medo – medo de perder aquilo que estávamos construindo, medo de que tudo desmoronasse.
Naquela noite, dormimos juntos na barraca, entrelaçados, como se o mundo lá fora não pudesse nos alcançar. E, pela primeira vez, eu senti que tínhamos o mundo inteiro em nossas mãos."
Parei de escrever, encostando a cabeça no encosto do sofá. As memórias estavam mais vivas do que nunca, pulsando dentro de mim como uma ferida que nunca cicatrizou.
Olhei para o quarto onde Gustavo dormia e suspirei. Como chegamos até aqui? Como algo tão puro e cheio de promessas se transformou em uma batalha diária contra o vazio?
Fechei o caderno, mas não o guardei. Sabia que voltaria a escrever mais cedo ou mais tarde. Talvez isso fosse a única coisa que me mantinha ancorado – essas lembranças, essas palavras que me faziam acreditar que, de alguma forma, eu ainda podia salvá-lo. E, quem sabe, salvar a mim mesmo no processo. Acabei pegando no sono ali mesmo, mas só por algumas horas, logo acordei com um som que vinha do quarto.
O som veio baixinho, quase um sussurro no silêncio da madrugada, mas para mim foi como um alarme. Meu corpo entrou em estado de alerta imediato, o coração disparando enquanto me levantava do sofá e corria até o quarto.
Quando abri a porta, vi Gustavo se debatendo na cama. Suas pernas chutavam os lençóis, os pulsos puxavam contra as algemas que ele próprio tinha colocado, e seus gemidos desesperados cortavam o ar.
— Eu não aguento mais! – ele gritou, a voz rouca, quase irreconhecível. — Léo, me solta! Pelo amor de Deus, eu preciso sair daqui!
— Gustavo, calma! – corri até ele, segurando seus braços com firmeza. — Olha pra mim, você não precisa disso, eu tô aqui, eu tô com você!
— Não, você não entende! – ele gritou, os olhos vermelhos fixos nos meus, cheios de lágrimas e desespero. — Eu preciso... eu preciso de pó! Eu preciso agora!
Ele se contorcia, tentando se livrar das algemas, o rosto banhado em suor. A febre havia voltado, o deixando ainda mais transtornado. Eu me sentei na beira da cama, segurando seus ombros enquanto ele tentava se soltar.
— Gustavo, escuta minha voz! Você é mais forte que isso! Você não vai deixar essa merda vencer, eu não vou deixar você fazer isso com você mesmo!
Mas ele não parecia ouvir. Seus movimentos eram cada vez mais frenéticos, o peito subindo e descendo como se o ar não fosse suficiente.
— Sai daqui! – ele berrou, empurrando-me com toda a força que conseguia reunir. — Eu não quero ficar aqui! Eu preciso sair, Léo, me solta!
De repente, ele arqueou o corpo, um gemido de dor escapando de seus lábios, e então vomitou ao lado da cama, o som ecoando pelo quarto.
— Droga... – murmurei, sentindo o pânico crescer em mim.
Gustavo caiu de lado, ofegando, o rosto contorcido em agonia. Eu me ajoelhei ao lado dele, segurando seu rosto em minhas mãos enquanto ele tremia.
— Tá tudo bem, Gustavo, tá tudo bem... eu tô aqui.
— Não tá tudo bem... – ele sussurrou, lágrimas escorrendo pelo rosto enquanto ele tremia. — Eu sou um lixo, Léo. Olha pra mim... eu sou um maldito lixo.
— Não, você não é. – Minha voz quebrou, e eu precisei respirar fundo para conter as próprias lágrimas. — Você tá lutando, Gustavo, e isso é tudo que importa.
Ele fechou os olhos, gemendo de dor enquanto a abstinência tomava conta de seu corpo. Eu limpei o suor da sua testa com a manga da minha camisa, tentando acalmá-lo.
— Me ajuda, Léo... por favor... – ele sussurrou, a voz tão baixa que quase não ouvi.
— Eu tô aqui, Gustavo, e eu vou te ajudar. Sempre.
Enquanto ele se debatia entre a dor e o desespero, eu percebi o quanto essa luta era maior do que qualquer coisa que eu já havia enfrentado. Mas também percebi que, por mais difícil que fosse, eu não ia desistir. Eu nunca desistiria dele.
Abracei Gustavo com força, ignorando o suor que colava sua camisa à pele e o cheiro ácido do vômito que ainda pairava no ar. Ele ainda soluçava contra meu ombro, um som baixo e dolorido que fazia meu coração se apertar.
— Gustavo... — sussurrei, afastando-me apenas o suficiente para olhar em seus olhos. Ele mal conseguia erguer o rosto, e seu corpo tremia de exaustão. — Você precisa de um banho. Eu vou te ajudar, mas você tem que prometer que não vai tentar fugir.
Ele balançou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas, incapaz de responder com palavras.
— Promete pra mim, Gustavo. Por favor. — Minha voz falhou, e eu senti a urgência transbordar em cada palavra. — Promete que vai ficar.
— Eu... eu prometo — ele sussurrou, a voz quebrada.
Com cuidado, alcancei as algemas. Minhas mãos tremiam enquanto destravava os braceletes de metal, um som seco ecoando no quarto. Gustavo puxou os braços para frente devagar, esfregando os pulsos marcados.
— Vamos. — Segurei sua mão, guiando-o até o banheiro.
Gustavo quase não tinha forças para andar. Seus passos eram lentos e pesados, como se cada movimento exigisse um esforço sobre-humano. Fechei a porta atrás de nós e o apoiei no lavatório por um instante, enquanto ajustava a temperatura do chuveiro.
— Vamos tirar essa roupa — murmurei, com delicadeza.
Ele nem protestou. Ficou imóvel enquanto eu puxava sua camisa suada pela cabeça, revelando seu torso magro, os ossos salientes mais visíveis do que eu lembrava. Engoli em seco, reprimindo as lágrimas que ameaçavam cair. Depois, me abaixei para abrir o botão de sua calça, deslizando o tecido pelas pernas até que ele ficasse apenas com a roupa de baixo.
— Tudo bem... é só água. — Segurei sua mão e o ajudei a entrar no box.
Ele tremeu ao sentir o primeiro jato de água, mas logo fechou os olhos, deixando a água escorrer pelo rosto e pelo corpo. A sujeira começou a desaparecer lentamente, mas as marcas do que ele havia passado ainda estavam gravadas em cada linha do
Quando saímos do banho, com Gustavo apoiando o peso do corpo no meu ombro, fomos direto para o quarto. Ele parecia tão frágil, tão exausto, mas havia uma leveza em seus olhos que eu não via há muito tempo. Algo entre gratidão e cansaço.
Assim que entramos, ele caminhou devagar até o ar-condicionado, ajustando a temperatura para algo absurdamente gelado, do jeito que sempre gostou. Fechei a porta atrás de mim e me sentei na beira da cama, observando-o. Ele se abaixou para pegar as algemas sobre a mesa de cabeceira e, antes que ele pudesse se prender novamente, segurei sua mão.
— Não, Gustavo. Não agora. Só… Fica comigo. Por favor.
Ele olhou para mim, confuso, talvez até hesitante, mas assentiu. Deitamos lado a lado na cama, nossos corpos ainda úmidos e frios do banho. Eu passei meu braço ao redor dele, e ele se acomodou em meu peito. Ficamos ali em silêncio por um tempo, apenas sentindo a respiração um do outro.
Até que Gustavo quebrou o silêncio:
— Léo... eu... eu sinto muito pela última vez.
Minhas mãos congelaram sobre os seus ombros, mas deixei que ele continuasse.
— Quando eu fui internado e desapareci… Eu não queria fazer isso com você. Eu sabia o quanto estava te magoando, mas era mais forte do que eu.
Sua voz vacilava, carregada de vergonha e culpa. Ele fechou os olhos por um instante, como se o simples ato de relembrar fosse insuportável.
— Dentro daquela clínica... — ele continuou, com a voz ainda mais baixa —, algumas pessoas conseguiam entrar com drogas. E vendiam. Era como se eu não tivesse saída, como se aquilo fosse uma armadilha.
Meu peito se apertou com uma mistura de raiva e impotência. Eu senti uma onda de ódio percorrer meu corpo, queimando como um fogo que não podia ser apagado. Como eles podiam permitir isso? Uma clínica que deveria ajudar, oferecendo o contrário?
— Que inferno! — gritei, minha voz ecoando no quarto. Gustavo se encolheu um pouco, e eu me forcei a respirar fundo. — Desculpa. Não estou bravo com você. Eu só... Não consigo acreditar que fizeram isso.
Ele levantou os olhos para mim, e eu vi a lágrima que escorreu silenciosa pelo seu rosto.
— Léo, eu nunca quis te deixar daquele jeito. Eu nunca quis sumir e te machucar assim.
Eu não consegui mais me segurar. As lágrimas que eu vinha segurando finalmente caíram.
— Gustavo… quando você desapareceu, eu pensei que nunca mais te veria. Mas, mesmo assim, eu nunca deixei de pensar em você. Eu… eu escrevi uma poesia.
Ele levantou um pouco a cabeça, me encarando, surpreso.
— Uma poesia?
— Sim… Toda vez que pensava em você, eu lia ela. Com a esperança de que um dia você voltasse.
Gustavo ficou em silêncio por um momento, seus olhos fixos nos meus.
— Você pode ler pra mim?
Hesitei por um segundo antes de me levantar. Fui até a gaveta da escrivaninha, minhas mãos tremendo enquanto buscava o caderno onde escrevi aquela poesia. Encontrei a folha amarelada e dobrada com cuidado. Voltei para a cama e me sentei ao lado dele.
Abri a folha com delicadeza, como se ela fosse uma relíquia sagrada, e comecei a ler:
“Eu nunca vou desistir de você.”
Quando o mundo virou as costas,
Quando a dor parecia insuportável,
Quando até você não acreditava mais,
“Eu nunca vou desistir de você.”
Mesmo quando você me pediu para soltar,
Quando tentou me afastar com o peso das suas escolhas,
Eu olhei nos seus olhos e repeti:
“Eu nunca vou desistir de você.”
O amor entre nós nunca foi perfeito,
Mas foi real.
Tão real que sobreviveu ao ciúme,
Às fugas, às promessas quebradas,
Às noites em claro,
E às manhãs onde a esperança parecia distante.
Talvez o amor tenha errado o momento,
Talvez você estivesse perdido,
E eu também.
Talvez o amor tenha tropeçado,
Desmoronado sob o peso do passado.
Mas mesmo assim, ele ficou.
O amor já esteve ausente,
Naquelas ruas frias, no meio de estranhos.
Mas agora ele voltou.
E quando o amor voltou,
Não era mais o mesmo.
Ele estava marcado, cansado,
Mas ainda nosso.
Quando o amor se escondeu atrás de lágrimas e febre,
Eu o acolhi com braços abertos.
“Eu nunca vou desistir de você.”
O amor talvez não seja uma promessa escrita em papel,
Nem uma cerimônia ou um juramento público.
Nosso amor foi selado sob uma estrela cadente,
Uma promessa sussurrada entre dois corações,
Que nem a dor, nem o vício, nem o tempo puderam apagar.
E se o amor precisar partir novamente,
Eu saberei que ele foi verdadeiro.
Mas enquanto estiver aqui,
Eu direi:
“Bem-vindo de volta. Fique o quanto quiser.”
E se ele ousar sussurrar adeus,
Eu responderei:
“Deixe a porta aberta.
E nunca se esqueça:
Eu nunca vou desistir de você.”
Quando terminei, Gustavo estava chorando de novo, soluçando de maneira quase incontrolável. Ele se agarrou a mim como se eu fosse a única âncora que o mantinha à tona.
— Léo... Eu... Eu não mereço isso. Não mereço você.
— Mas você tem, Gustavo. E vai ter enquanto eu respirar.
Ele não disse mais nada, apenas me puxou para perto, nossos lábios se encontrando em um beijo suave, carregado de tudo o que não precisávamos dizer. Quando nos afastamos, ele sussurrou, com a voz fraca, mas firme:
— Dessa vez, eu juro… Nós vamos ter a nossa família.
Eu apenas sorri, enxugando suas lágrimas.
— E eu estarei aqui para garantir isso.