Assim que Ísis pegou minha jaqueta e a renda vermelha espreitou no bolso, meu coração quase parou.
Tive sorte. Ela não percebeu.
Seus dedos roçaram o tecido, mas o gesto era automático, apenas mais uma peça para a máquina de lavar.
Fui descuidado. Um erro juvenil.
Aproximei-me num ímpeto.
— Não precisa lavar essa. Vou usá-la hoje.
Peguei a jaqueta talvez rápido demais.
Ela me olhou. Sem raiva, sem surpresa. Apenas aquele mesmo olhar vazio de sempre, e isso me incomodava mais do que qualquer acusação.
Sem que ela notasse, fechei os dedos ao redor da maldita calcinha, enrolando-a na palma da mão. Assim que ela saiu do quarto, levei o tecido ao rosto.
Renda barata. Perfume doce. Pecado.
Mais uma para minha pequena coleção de segredos.
Na quarta-feira passada, quando me aproximei do quarto, já pronto para dormir, vi seu reflexo no espelho.
Ísis se vestia para o plantão, uma rotina que já durava seis anos.
Calça branca, blusa discreta, cabelo preso num coque apressado. Sem qualquer compromisso com vaidade.
Há quanto tempo não fazíamos amor?
Eu não sabia dizer.
E, para ser bem honesto, nem lembrava do último beijo.
Casamento é complicado.
Nunca tivemos filhos. Eu não queria. Nunca me vi como pai.
E, por mais que ela dissesse "Tudo bem", sabemos como é uma mulher. Nunca está tudo bem de fato.
Talvez tenha sido isso que nos afastou. Ou talvez o encanto tenha simplesmente acabado.
Nada nela me despertava mais desejo. E, no fundo, eu sabia que era recíproco.
Será que ela está trepando com outro?
Algum médico? Um enfermeiro? Um desgraçado qualquer?
Não sei o que eu faria se descobrisse que ela me trai. Porque, embora na prática já não fôssemos marido e mulher, eu jamais aceitaria ser corno.
Ah, corno não!
Ela calçou os sapatos, pegou a bolsa e, ao me encontrar na porta, disse:
— Vou indo.
— Certo.
Nenhum beijo. Nenhuma troca de olhares.
Apenas a rotina sustentando um casamento já morto.
Fiquei um tempo deitado na cama, olhando para o teto. O silêncio tornava tudo ainda mais sufocante.
Depois, peguei o telefone e disquei.
— Pereira.
— Carlos! — A voz do amigo veio animada, como sempre.
— Tô passando aí. Tem lugar novo.
— Outro puteiro? Desse jeito vou acabar falindo.
— Você não tá entendendo. Lá tem uma mulher... enfim. Você precisa ver.
Escondido entre as ruas sombrias de Santa Cecília, o Cabaret Rouge era uma decadência sofisticada. Luz vermelha, cheiro de cigarro impregnado nos móveis e o som arrastado de um jazz preenchiam o ambiente.
Pereira pediu dois uísques e sorriu, como quem guarda um segredo valioso.
— Espera só.
O barman, um sujeito magro de olhos espertos, se aproximou com um riso de canto.
— Aposto que vieram por causa dela.
— A tal Luna Lee? — perguntei, apontando o cartaz na entrada.
— A própria — disse, limpando o balcão. — Tem deixado marmanjo de joelhos, desesperado por uma noite com ela.
Ele deslizou os copos até nós e completou, com um olhar sugestivo:
— Mas parece que ela é bem seletiva quanto aos clientes.
Antes que eu pudesse perguntar mais, as luzes do salão se apagaram.
O piano começou a tocar.
E então, ela surgiu.
Luna Lee.
Ela não dançava.
Hipnotizava.
Seu corpo se movia entre lentidão e explosão.
A máscara negra cobria metade do rosto, mas os lábios vermelhos eram um convite. Os olhos… os olhos eram uma promessa de perdição.
— Uouww! Cabelos vermelhos. Meu ponto fraco — confessei, boquiaberto.
Pereira riu, se divertindo com meu estado de choque.
— Eu não te falei? Ela é espetacular, cara. Nunca vi igual.
Na quarta seguinte, voltamos lá.
— Vamos ao culto! — dizia Pereira.
Para ele, as visitas ao Cabaret Rouge já eram uma espécie de obrigação religiosa. Mas, naquela noite, foram as minhas preces que foram ouvidas.
Quando Luna Lee terminou a apresentação, entre aplausos calorosos e súplicas desesperadas, seu olhar encontrou o meu.
Meu coração acelerou quando se fixou em mim, de forma lenta e misteriosa.
Sem hesitar, desceu do palco e caminhou entre seus súditos, como se soubesse exatamente onde queria chegar.
E ela chegou.
Diante de mim.
Os olhos cravados nos meus.
A respiração lenta, calculada.
Então, sem desviar o olhar, levou as mãos à cintura e deslizou os dedos pelo tecido delicado da calcinha de renda. Vermelha.
Com um movimento preciso e sutil, a tirou. Depois, segurando-a por um instante, brincou com o tecido entre os dedos, me avaliando como um produto em exposição.
Seus lábios, mordiscados, denunciavam a excitação de seus pensamentos. No que ela pensava?
Então, me entregou a minúscula peça.
Não disse nada. Apenas sorriu. Depois seguiu, até desaparecer atrás do palco.
Quando o momento passou, Zé Carlos, o barman, se dobrava de tanto rir, dizendo que Pereira estava em tempo de rasgar o cu de tanta inveja.
Só sei que, pela manhã, antes de sair para o trabalho, aproveitei que Ísis dormia como um anjo. Peguei todas as calcinhas da minha coleção, joguei-as em um saco junto com o restante do lixo da casa e levei até a calçada, esperando que o caminhão as levasse para sempre.
Deixei apenas a dela.
Eu só conseguia pensar nela.
No trabalho.
Na cama.
No chuveiro.
Talvez fosse carência. E carência é foda.
Ou talvez fosse o mistério. A emoção da aventura.
O prazer da conquista.
Não tenho certeza.
Só sei que eu a queria.
Cada vez mais.
O Rouge fervia em mais uma noite de Luna Lee, e lá estávamos nós.
Pereira, eu e, do outro lado do balcão, o hilário Zé Carlos, nos presenteando com generosas doses de uísque.
O salão já era um velho conhecido.
As meninas nos distraíam com sua simpatia ímpar. Copos tilintavam nas mesas, cigarros queimavam lentamente, dissolvendo-se no ar carregado de promessas vazias.
E Luna Lee deslizava graciosamente entre todos aqueles homens.
Parecia mais inspirada naquela noite.
Dançava perto demais.
Tocava os homens e permitia que a tocassem, mas apenas o suficiente para enlouquecê-los.
O jogo era dela.
Seus dedos deslizavam por ombros, por rostos, por colarinhos amarrotados de desejo. Inclinava-se, deixava-se roçar, mas sempre dentro do limite.
Os engraçadinhos que tentavam ir além eram contidos com um olhar afiado, uma mão firme que afastava dedos atrevidos.
Ela mandava.
E então, seu olhar, mais uma vez, encontrou o meu.
Rápido. Intencional.
Ela começou a se aproximar, e novamente meu coração batia no mesmo ritmo em que ela se movia.
Uma predadora em plena caça.
Mas, para meu infortúnio, um homem a puxou pela cintura com uma pegada firme, impedindo-a de chegar até mim.
Uma mão segurava seus cabelos com determinação. A outra a guiava para ele.
Eu reconheci o pilantra.
O investigador da polícia civil.
O safado que atendeu minha esposa e eu no dia em que roubaram nosso carro.
Lembro-me muito bem de como ficou olhando para as pernas dela.
Filho da puta!
O salão ficou em silêncio por um segundo.
Todos esperavam, aflitos, para ver o que aconteceria.
Ela sorriu, mordiscando os lábios.
E aquele sorriso entrou como uma facada no coração, acredito que no de todos.
Mas a leitura, para mim, era óbvia, ela já trepava com aquele sujeito.
Então, o beijo.
Línguas se entrelaçando de forma lasciva.
Houve um murmúrio de espanto.
Ninguém acreditava no que via.
Mas, para mim, estava bem claro.
Desgraçada!
E ainda deixou o momento se estender por tempo demais para meu gosto, alimentando o desejo e o tormento que pairavam no salão.
Soava mais como uma tortura.
No trabalho, eu mal conseguia me concentrar.
Armando Nogueira, meu colega de mesa, esmurrava o computador travado no logo do Windows 95 quando, do nada, pensei na mulher dele.
Uma esposa maravilhosa, simpática. E muito gostosa.
No último evento de final de ano, ela bebeu um pouco além da conta e nos agraciou com uma performance pra lá de sensual ao som de "Boquinha da Garrafa", da Cia do Pagode.
Já pensou se fosse ela?
Poderia ser qualquer uma.
Sorri sozinho.
Justo na hora em que Pereira apareceu na sala.
— Tá sonhando, rapaz? Rindo sozinho.
Pensei em dizer: "Cara, não tiro aquela mulher da cabeça!"
Mas não disse nada.
Ele jogou um folder sobre minha mesa e continuou:
— Você viu? Luna Lee, agora nas terças também.
Puxou uma cadeira, sentou-se ao meu lado, esticou as pernas e jogou os pés na minha mesa.
— Aquela puta deve estar ganhando muito dinheiro. Eu duvido que, se chegar com uma grana alta, ela realmente não dá.
— Então vamos lá hoje?
— Vou nada. Tô sem um puto no bolso.
Eu também estava.
Então tomei uma decisão.
Na hora do almoço, fui ao banco e pedi um empréstimo.
A mão tremia levemente enquanto assinava os papéis.
Por um instante, hesitei.
Aquilo era um erro.
Mas então a imagem de Luna Lee invadiu minha mente.
"Vale a pena", pensei. "Ela vale cada centavo."
O dinheiro foi liberado com uma facilidade absurda.
Como se o próprio diabo tivesse intervindo, se divertindo com minha desgraça.
Fiz questão de que Pereira fosse comigo naquela noite.
Mas que arrependimento!
Zé Carlos estava de folga, então ficamos sentados em um sofá ao fundo do salão, bebendo devagar e apreciando todas as nuances do corpo de Luna Lee a deslizar pela barra do pole dance.
Ao final, vimos ela caminhar pelo salão, cumprimentando e brincando com os anfitriões. Parecia mais à vontade a cada dia.
Era curioso como ninguém ousava tocar em sua máscara.
E então, de longe, ela nos fitou com o riso de quem encontra um amante.
E preciso confessar: fiquei decepcionado.
Logo percebi que estava dividindo sua atenção com Pereira, e ela me pareceu mais dele do que minha.
Ela se aproximou, deixou o roupão cair e, decidida, sentou-se no colo dele, de frente para ele.
Nua.
As mãos dele logo percorreram suas coxas, subiram por sua bunda, apertando-a com vontade, e continuaram pelas costas.
E o beijo veio.
Quente. Cheio de malícia.
Fiquei com ciúme, porra!
Fiquei mesmo!
Era como se ela estivesse me traindo. E estava!
Aquela vaca.
Vagabunda!
Juro que tive a impressão de que fazia aquilo para me provocar. Não é possível!
Era como se soubesse da minha paixão platônica e, por isso mesmo, fizesse questão de pisar.
Pereira, que não é besta, sorrateiramente abriu a calça.
E, olhando para mim!
Veja bem o que falei:
Olhando pra mim!
Ela fechou a mão em torno do pau dele e passou a masturbá-lo.
Porra, Pereira! Aí você me fode.
Que piroca é essa, cara?!
É um jegue?!
Levei o copo de uísque aos lábios e tomei tudo num gole só. Aflito.
Ela sussurrou algo no ouvido dele. Então, voltando-se para mim, ele disse:
— Meu camarada, 600 mango, por favor. Nunca te pedi nada.
Pereira tirou um preservativo do bolso, enquanto eu deixava o dinheiro no sofá.
Ela pegou a camisinha e a desenrolou lentamente até a base.
E então, montou.
Deslizava silenciosa, as mãos apertando os ombros dele, os olhos semicerrados, entregando-se completamente ao momento.
E eu ali.
Parado.
Assistindo de camarote.
Que merda.
Depois de gozar, ela saiu. Pereira ajeitou-se.
— Cara, não acredito que isso aconteceu! — disse, me dando uns socos no braço.
Ele me encarou, os olhos brilhando de euforia.
— Eu te amo, cara, eu te amo! — exclamou, segurando meu rosto e beijando minha face.
— Sai fora, Pereira. Que bichice é essa?!
Eu não tinha palavras.
Tentei me mostrar indiferente ao que aconteceu, mas meu silêncio quase absoluto denunciava o tamanho da minha decepção.
Na semana seguinte, fui sozinho, levando uma boa quantia de dinheiro.
Naquela noite, ela não desceu para entreter o público, mas eu me aproximei do palco como um mendigo esfomeado.
Ela usava apenas uma calcinha branca de renda e, claro, a máscara.
Quando me viu, abriu um riso carinhoso, como quem olha com dó.
Me incomodou um pouco.
Mas passou no instante em que ela se sentou à beira do palco, de frente para mim.
Apoiada nos braços, esticou a perna, me provocando.
Segurei-a e guiei seu pezinho até minha boca.
Beijei. Chupei seus dedos.
Ela mordeu os lábios, sorrindo de um jeito cativante.
Com certeza, me via como uma criança num parque de diversões.
Quando recolheu a perna, não perdi tempo.
Tirei do bolso da jaqueta um envelope com uma generosa quantia de dinheiro e entreguei a ela.
Assim que abriu o envelope, me olhou surpresa.
Ergueu o corpo e abriu os braços, me chamando para um abraço.
— Não consigo parar de pensar em você… — murmurei no seu ouvido. — Me deixe tê-la, ao menos uma vez.
Sentia sua mão acariciando minha nuca.
E não sabia explicar o porquê, mas havia algo ali.
Amor? Interesse?
Ou apenas delírio da minha cabeça?
Ela pegou parte do dinheiro e passou no rosto, sorrindo como uma menina.
Então, puxando a lateral da calcinha, me olhou, mordiscando os lábios.
Era um convite.
Minha mão tocou a renda fina e a puxei devagar, deslizando-a por suas pernas até os pés.
— Pra sua coleção. — brincou, com um riso arteiro.
Ela sabia provocar.
Sua mão envolveu a minha enquanto eu segurava sua peça íntima, com devoção.
Nos beijamos demoradamente.
Suas carícias na minha nuca ganharam um tom intrigante.
Então, sussurrou no meu ouvido:
— No meu camarim. Você terá trinta minutos.
Tenho até vergonha de dizer quanto tinha ali naquele envelope.
Mas não importava.
Eu a teria.
Alguns minutos depois, um segurança se aproximou e sussurrou:
— Ela o aguarda no camarim.
Entrei pelo corredor atrás do palco.
Nem sei dizer o que se passava na minha cabeça.
Não havia mais conversas, nem copos tilintando.
Não havia nada.
A porta trazia um nome:
Luna Lee.
Abri.
Ela estava lá.
Me esperando.
De quatro em cima da cama.
E eu estava pronto.
Me livrei das roupas sem desviar os olhos dela por um segundo sequer.
Aproximei-me e abocanhei seu sexo com vontade, sentindo seu prazer inundar minha boca.
Minhas mãos deslizavam por suas pernas, sua bunda, sentindo cada parte dela.
Então me levantei, e a penetrei com voracidade.
Segurando seus cabelos, meus movimentos se tornaram violentos, como se raiva e tesão se misturassem, tomando meu corpo.
— Isso. Fode sua putinha, fode…
Um calafrio repentino percorreu minha espinha.
Me lembrei de Ísis.
Porra.
Aquilo era hora de pensar na esposa?
E então gozei.
— Caralho, esqueci de pôr camisinha!
Ela me olhou, deitando-se na cama, exibindo sua menina escorrendo o meu gozo.
Havia um riso de satisfação em seus lábios.
Que foda!
Eu estava ferrado.
Com uma puta dívida no banco.
Mas ao menos algo me fazia sentir vivo novamente.
Nada mais parecia importar.
Na semana seguinte, fui ao cabaré na terça-feira, ansioso, contando os minutos para vê-la novamente.
Mas, para minha decepção, Luna Lee não estava lá.
O lugar parecia mais um velório.
Zé Carlos logo me chamou no balcão:
— Nossa garota nos deixou, amigo.
— Como assim? O que aconteceu?
— Foi embora. Simplesmente decidiu não se apresentar mais.
O chão sumiu sob meus pés.
Voltei para casa desolado.
A casa estava vazia, mas carregada de um peso estranho, opressor.
Ao chegar à porta do quarto, algo me deu um baque no peito.
O guarda-roupa estava escancarado.
— Que porra é essa?
Caminhei até ele, sentindo o suor frio escorrer na nuca.
As roupas de Ísis não estavam ali.
— Droga! — esbravejei, batendo a porta do armário.
Meu olhar vagou pelo quarto.
Até parar na cama.
Uma caixa.
A caixa que Ísis costumava guardar maquiagens e sei lá mais o quê.
Minhas mãos tremiam quando a abri.
Lá dentro...
Uma máscara.
Uma peruca ruiva.
E um bilhete.
"Eu sempre estive aqui, mas você só me enxergou quando usei uma máscara."
Fiquei ali, parado, o papel tremendo entre meus dedos.
Um riso seco e incrédulo escapou dos meus lábios.
— Caralho... Mas como?
Então, a ficha caiu de vez.
Me virei, soltando uma risada amarga, desesperada.
— Filha da puta…
Engoli em seco.
A verdade me acertou como um soco no estômago.
Passei a mão no rosto, rindo de puro desgosto.
— E ainda paguei pro desgraçado do Pereira comer minha mulher!
Vicente Braga
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