Detesto o Grindr. Além de ser um app mais apropriado para gays e não para trans, a maioria de seus usuários têm expectativas de sexo rápido e não têm paciência para interações que não se resumam a mandar foto do pau, pedir nudes ou perguntar pelo endereço em que moro. Entretanto, mesmo que os problemas do Grindr não terminem aí, o Tinder no momento não é uma boa opção para mim.
Embora eu seja alta e até tenha um pouco de pomo-de-Adão, tenho uma boa passabilidade (a maioria das pessoas não percebe que sou trans). No meu último serviço, em uma pequena empresa, ninguém sabia que eu era trans. Na faculdade, já contei para algumas pessoas muito próximas, mas o resto não sabe.
Para usar o Tinder, eu teria que abdicar-me da proteção de que tenho, sendo passável, pois teria que colocar no perfil que sou trans. Na verdade, deveria mesmo era colocar no campo de nome a informação de que sou trans, porque os homens não leem perfil, só olham foto. Ganho vários matches que depois são desfeitos quando eles conversam comigo e lhes pergunto se viram no perfil que sou trans.
Por isso, apesar dos problemas do Grindr, sempre retorno a ele após tê-lo mantido excluído por um tempo. Da última vez, tive uma ótima surpresa: um másculo homem me mandou um “Oi”, juntamente com uma foto de seu rosto.
Pela foto que me mandou, achei-o super atraente. Quase todo o corpo dele era tatuado e eu adoro tatuagens em homens. Ele também tinha uma linda barba e me deixou em chamas por ser extremamente masculino.
Ele era menor do que eu. Tinha 1,72m. Já eu tenho 1,73m, entretanto isso não era um problema para mim, nem para ele. Eu já tinha ficado com caras menores do que eu. Embora, confesse que homens altos me chamem mais atenção, sei que na cama outras coisas são mais importantes.
Desde que vi suas fotos passei a chamá-lo por “Mauzão”, porque suas expressões faciais eram como as de um bad boy mal-encarado. Chamava-o também assim porque naquele dia eu estava diferente do habitual: estava acesa, fogosa e ficava me atirando para cima dele. Ele já estava mais contido e respeitoso.
Conforme a conversa rolou, ele me disse a rua em que morava. Para nossa surpresa, era a mesma que a minha. Ele morava na quadra ao lado da minha. Era separado. Nós nunca tínhamos nos visto, embora já moremos aqui há mais de 10 anos. Ambos não somos de andar pelo setor.
Fomos para o What’s app e conversamos brevemente. Trocamos mais algumas fotos e nos apresentamos. Seu nome era Carlos, mas eu passei a chamá-lo de Carlão.
Nos dias daquela semana não conversamos muito. Ambos estávamos em um período de muitos afazeres. Eu com a faculdade e ele com o trabalho e cuidando do filho com quem morava.
Na sexta-feira, puxou assunto comigo. Ele deixaria o filho com a mãe no dia seguinte e queria saber se eu poderia ir à casa dele. Eu disse que sim, mas que teria que ser depois que meus pais dormissem, porque eu não queria ter que dar explicações sobre aonde estava indo.
No sábado, por volta de 0h00min, meus pais já estavam dormindo. Avisei a Carlos que estava indo à sua casa. Rodei a chave da casa vagarosamente para não acordar meus pais. Com o mesmo cuidado, tive que destrancar o portão e seus cadeados. Havia dado certo. Havia conseguido sair de casa sem acordar ninguém.
Carlos me aguardava no portão de sua casa. Recebeu-me com um beijo no rosto e acompanhou-me até a sala de TV de sua casa. Ele estava com calça e blusa de frio pretos e um boné de mesma cor. Havia um colchão no chão onde ele estava sentado assistindo a um filme antes de eu chegar.
Considerando que estávamos sós, achei-o muito “comportado”. Se fosse com alguns da maioria dos homens com quem já saí, não teríamos conversado o tanto que conversamos naquela noite.
Já estava lá há mais de 1 hora. Tínhamos falado de nossa infância e adolescência, de como passei a viver como trans, mas nada de ele dar o primeiro passo para ao menos me beijar. Fui a banheiro e lá fiquei pensando comigo que ele tinha se decepcionado mas não tinha coragem de me falar logo que não ia rolar nada. Decidi que voltaria, conversaria mais um pouco e faria o que eu achava que ele não tinha coragem de me pedir: ir embora de sua casa.
Voltei para sala onde ele estava e sentei-me novamente no colchão. Conversamos mais um pouco e para minha surpresa ele me disse repentinamente:
--- Poso te dar um beijo?
--- Pode.
Continua...