Os primeiros raios de luz tocam as retinas de Thomas à medida que ele abre os olhos acordando de manhã. O que era pra ser um dia normal pra, quem sabe, contrastar com a loucura do dia anterior, já começa com uma surpresa que faz ele acordar no susto e se afastar da borda da cama. Era Amélia observando ele
– O que diabos você tá fazendo me vigiando enquanto eu durmo – Gritava ele com raiva por ter acordado daquela forma
– Desculpa haha – Respondia Amélia de forma leve e humorada – Depois do dia de ontem, eu queria muito conversar com você sobre o que aconteceu. Eu sinto que você me conheceu pelo meu pior ângulo
Era claro pra Thomas que a situação em questão deixava Amélia sem jeito. Eles tinham se conhecido numa situação em que ela estava muito vulnerável, nua e enjaulada. Ainda mais depois de ter sido enganada pela professora daquela forma. Apesar de ter sido pobre e desfavorecido grande parte de sua vida, ele entendia o que era ter o orgulho ferido daquele jeito. Além do mais, ele também tinha sido compelido a fazer o que ela queria, o que deixava o clima entre os dois estranhamente mais leve.
– Escuta, Amélia, não tem porque a gente falar muito nisso, ok? Eu agradeço a tentativa de tornar a experiência mais leve. Mas acho que já tá tudo cert… Arh!
As palavras dele são interrompidas pela dor que queima seu punho atráves da marca mágica que tinha se revelado no dia anterior. Uma luz laranja emana pela runa e clareia o quarto inteiro do dormitório, e se apaga alguns segundos depois.
– Nossa, uma runa de amplificação mágica. Essas são bem raras – Amélia agarra o braço de Thomas praticamente a força, examinando a marca. – No meu guia rúnico fala delas, mas não fala como criar uma, praticamente só falam que existem poucas por aí. Como você conseguiu uma dessas?
– Cortesia da nossa querida mestre – Diz Thomas tomando de volta o braço – Escuta, eu realmente preciso me arrumar e ir pra primeira aula. Sugiro que você faça o mesmo. Essa escola é uma experiência muito única pra quem é camponês como nós. Espero que você tire bom proveito da oportunidade
Thomas corre pro armário e se arruma rapidamente pegando as vestes oficiais da escola. Elas foram cuidadosamente separadas e preparadas pela organização da instituição. Aliás, tudo desde o quarto até os corredores são meticulosamente limpos e muito bem cuidados.
Chegando na sala de aula pra primeira lição sobre feitiços ígneos, Thomas repara que a aula já tinha começado, e o professor já dava as primeiras instruções no quadro. Droga, ele estava atrasado. Ele senta na cadeira da frente, uma das poucas ainda vagas. Os alunos das fileiras traseiras riam enquanto Thomas tirava seus materiais da mochila. Ele era um dos poucos que não tinha brasão de família, e nem um nome que precedia sua presença. O professor tinha notado o tratamento dos alunos mais privilegiados e fez uma intervenção à medida que terminava as instruções no quadro.
– Pela risada de vocês, só posso imaginar que será um semestre absolutamente fácil pela frente – Dizia ele pra classe, se dirigindo as cadeiras mais acima no salão inclinado. Por fim, falava diretamente para Thomas – Eu espero que você leve mais a sério os compromissos acadêmicos, não vou poder advogar em sua causa a vida toda. Faça valer a oportunidade dada.
Thomas decide não responder enquanto o professor retornava ao quadro. A mensagem não precisava de resposta, precisava de ações. Ele não pretendia deixar que isso se repetisse.
– Dando início à aula agora. Meu nome é Vermelho, e serei responsável pela matéria de feitiços ígneos deste ano. Ao contrário do que a maioria imagina, feitiços ígneos podem ser usados pra todo tipo de fim. Defensivos, ofensivos ou como distração. Talvez, no final do semestre, alguns de vocês se tornarão tão apaixonados por essa classe de magia como eu me tornei ao longo da vida.
O professor puxa uma armadura de cavaleiro negro, armado sobre uma haste de madeira com uma base movel de rodinhas
– Esse vai ser nosso amigo de teste para o semestre, o Fred. – O comentário do professor era acompanhado de risadas dos alunos pelo apelido carinhoso pela armadura – Podem rir, podem rir. Mas o Fred aqui já me acompanha pelas aulas por mais de 50 anos
O professor aponta para um dos alunos na sala, um garoto cuja família é famosa por séculos de renome na comunidade mágica. Ele convida o aluno para se dirigir a frente da sala e se posicionar em frente à armadura.
– Bom, ao contrário do que eu mencionei antes. Há um motivo pelo qual as magias ígneas ofensivas se tornaram tão mais populares, elas são muito mais fáceis de executar – Explica o professor em tom didático – Agora eu quero que você canalize a sua magia e concentre suas intenções em direção à armadura. Imagina ela queimando, cedendo ao calor
E assim faz o primeiro aluno. Uma chama veloz surge da ponta de seu dedo esticado, que se lança em direção à armadura, gerando faíscas e fagulhas na armadura negra. E deslocando-a ligeiramente para trás. A tentativa é seguida de aplausos dos colegas e do professor.
– Ótimo, agora vamos dar uma chance pra nosso colega atrasado de hoje – Dizia o professor olhando pra Thomas
O frio na barriga subia por todo seu trato digestivo. Essa era a primeira oportunidade real para o jovem mostrar seu talento pro resto da turma e para um docente. Mas ele não tinha lido nada do material didático. Não tinha tido tempo depois do dia de ontem. Como performar uma magia se ele não sabia nada sobre o passo-a-passo. As opções eram, ou tentar e falhar, ou falar que não consegue e provar para todos que ele vê tanto potencial em si quanto os outros veem nele. Na dúvida, é melhor se arriscar.
Ele se posiciona frente à armadura. “Canalizar a magia e concentrar suas intenções em direção à armadura. Isso é fácil, né?” Pensava ele tentando se acalmar. Não, não era. Isso é absolutamente vago e quase impossível de fazer se você não tem preparo nenhum. Ele fecha os olhos com força, imagina a armadura em chamas, faz um movimento grande com o braço como quem vai jogar uma bola de baseball e faz o lançamento jogando sua mão aberta pra frente. O símbolo do punho se acende, marcando sua mão no momento final do movimento de Thomas, e uma bola de fogo enorme vai em direção à armadura. O cavaleiro negro é atingido em cheio e explode acendendo uma luz sobre a sala toda
Boom
A armadura negra derrete pela metade e cai em forma líquida no chão. Os alunos estavam completamente assustados e impressionados com o que acabava de acontecer, escondendo seus rostos das chamas quentes. O professor por outro lado ria descontroladamente, preenchido pela satisfação do que havia testemunhado
– Em 50 anos, finalmente alguém conseguiu mostrar ao Fred quem é que manda – Ria ele parabenizando Thomas – Vou ter que dispensar vocês mais cedo pelo visto, tenho que chamar a equipe de limpeza pra tirar a lava derretida do chão. Leiam o resto do capítulo até a próxima aula, por favor.
A turma ia saindo, passando por Thomas, enquanto esse olhava pro chão, pensando no que tinha acabado de acontecer. Os sussurros entre os alunos acompanhavam a multidão enquanto ela se dirigia para fora da sala e através do corredor. “O que tinha acabado de acontecer?”. Ele se lembrava da conversa com Amélia mais cedo, sobre a runa de amplificação, mas não imaginava que era algo dessa escala. Se uma magia como essa existe, porque todos não a usam?
– Ei, você aí – Cutucava um aluno baixinho atrás de Thomas – A professora Púrpura chamou você na sala dela, agora.
– O que? Nem pensar, diz pra ela que não tem chance disso acontecer – Respondia ele irritado pelo convite
– Eu mando recados dos professores porque eles têm autoridade na escola, você por outro lado não é ninguém. Se quer falar com ela que não vai, ou fala pessoalmente ou ignora o convite. Eu não vou mandar mensagem nenhuma pra você – Dizia ele seguindo o caminho pelo corredor
E agora? Se alguém tinha as respostas pras perguntas que ele tinha, esse alguém era a professora. Mas da última vez que ele tinha ido lá tinha sido um dos dias mais estranhos de toda sua vida. Ele decide ir até lá. Não tem outro jeito
O caminho até a torre circular dos professores é tomado por dúvidas e questionamentos sobre realmente entrar na sala da professora uma segunda vez. Mas independente do que acontecer, Thomas estava convencido de não ser enganado mais. Púrpura era manipulativa e mentirosa, poderia compeli-lo a fazer o que quisesse se ele não fosse esperto o suficiente. E mais uma vez ele se deparava com a porta da sala da professora. Uma última respirada funda, e ele abre a porta e entra rapidamente dentro do cômodo misterioso
Como da última vez, a imagem consegue surpreender até a pessoa mais preparada pelo inesperado. A professora Púrpura agachada procurando um livro nas partes mais baixas da estante de livros, completamente nua e de costas para a porta. Sua pele branca e lisa acomodava os cabelos negros e longos que se esticavam pelas costas chegando por fim da bunda volumosa que revelava uma pequena visão da entrada de seu anûs pela frestra entre as duas nádegas. Thomas completamente incrédulo e mudo só consegue deixar uma indignação tímida sair pela voz falhada pela ansiedade, enquanto esse se vira em direção a porta, contra Púrpura, cobrindo a imagem
– Você não consegue ter um dia normal aqui nesse escritório!? – Dizia ele em tom de desprezo
– Na verdade, se você conhecesse minha rotina saberia que esse até agora é um dos dias mais normais até agora – Dizia ela em tom calmo, enquanto se levantava em direção a mesa principal – Pra começo de conversa, você que entrou sem bater. E segundo, não tem absolutamente nada de errado em estar nua no meu escritório privado.
– Eu não tinha me dado conta disso… – Dizia Thomas percebendo que, de fato, não havia consultado a professora pra entrar na sala – Peço desculpas então
– Desculpas aceitas então, moleque – Subia mais uma vez o tom sarcástico e característico da professora
A professora buscava seu vestido e chapéu na mesa central e se vestia rapidamente. “Pode se virar agora”. E conforme Thomas se virava e se aproximava da mesa ela ia reunindo alguns livros sobre a mesa pra mostrar pra ele.
– Você veio porque quer saber da marca, certo? – Perguntava ela abrindo os primeiros livros – Existe uma força mágica que é vista como tabu pelos outros feiticeiros, que floresce na natureza erótica entre as pessoas, e na força sexual dentro de nós. E era isso que eu estava testando ontem, e por isso que eu estava nua hoje também
– O que? Você só pode estar de brincadeira. Você acha mesmo que eu vou cair em outra mentira tão óbvia dessa de novo?
– Não é mentira, e é por isso que eu trouxe esses livros pra te mostrar. Não tem como eu ter inventado tudo isso. Não precisa fazer nada hoje, só leva esses livros pro seu dormitório, leia e não mostre pra ninguém. Aqui tem explicação de tudo que eu estou te dizendo, e ainda sobre a marca.
– E o que você ganha com isso, no final? Você não é do tipo que faz nada sem ganho nenhum
– Não era pra você receber a runa, ela era minha. Mas essa é uma oportunidade, eu posso ter um aprendiz digno, e alguém pra andar comigo nessa jornada. Esquece essa escola de quinta, esquece aula de feitiços ígneos. O poder que tem nesses livros vai fazer derreter aquele boneco estúpido conversa de criança.
“Pensa nisso”
As últimas palavras que ela falou antes que Thomas saia com a pilha de livros em mãos, se dirigindo de volta ao dormitório.