O ar dentro da masmorra era denso e carregado de umidade, cheirando a pedra molhada e sangue seco. A única iluminação vinha das tochas presas às paredes, suas chamas tremulando contra as sombras grotescas que se formavam no chão irregular. O silêncio era quebrado apenas pelo som de passos cautelosos e pela respiração tensa do grupo.
Jace segurava seu bastão mágico com força, os dedos suando contra o cabo de metal frio. Ele sabia que não deveria estar ali. Aquele lugar não era para alguém como ele. Mas Hector havia insistido.
“É uma chance de provar que você pode ser útil, Jace. Confie em mim.”
A voz de Hector ecoava em sua mente, agora tingida com a amargura da traição. Ele realmente confiara.
O ataque veio rápido demais. Criaturas saíram das fendas entre as rochas, com garras afiadas e olhos brilhantes como brasas. O grupo entrou em formação, cada um assumindo sua posição. Hector e os outros lutavam na linha de frente, cortando e queimando os inimigos com lâminas encantadas e feitiços poderosos.
Jace estava atrás, como sempre. Seu papel era simples: suporte. Proteger os feridos, reforçar barreiras, lançar feitiços de contenção quando necessário. Nada além disso.
Mas naquele momento, tudo desmoronou.
Uma criatura maior emergiu das sombras – um monstro colossal de pele negra, com chifres retorcidos e olhos tão vermelhos quanto sangue recém-derramado. O rugido que soltou fez as paredes tremerem, e, em um único golpe, destruiu a barreira mágica que protegia o grupo.
O caos se instaurou. Hector gritou ordens, mas era tarde demais. O monstro atacou, destroçando um dos caçadores em um instante. O cheiro de carne queimada preencheu o ar, e o pânico se espalhou como uma onda de fogo.
Jace tentou conjurar uma barreira, mas seu feitiço falhou. Suas mãos tremiam, a energia não fluía. O medo o consumia.
Foi quando ouviu as palavras que nunca esqueceria.
“Ele não vai conseguir sair daqui.”
Hector.
Jace virou-se, confuso. O que ele queria dizer com aquilo?
“Não temos tempo pra carregar um peso morto,” continuou Hector, com a voz firme, mas sem emoção. “Se tentarmos protegê-lo, todos nós morremos.”
Jace sentiu o estômago revirar. “O quê?”
“Hector, a gente não pode simplesmente deixá-lo aqui!” Lyra, uma das caçadoras do grupo, hesitou.
“Pode, sim,” respondeu Dorian, o segundo em comando. “Se ele não consegue se defender, então ele já tá morto.”
Jace olhou ao redor, esperando ver algum sinal de hesitação nos olhos dos outros. Mas tudo o que encontrou foi indiferença. Até Lyra, que tentara protestar, desviou o olhar.
“Vocês… vocês não podem fazer isso.” Sua voz tremeu, mas ele se obrigou a continuar. “Eu lutei com vocês. Eu confiei em vocês.”
Hector suspirou, como se estivesse cansado da conversa. Ele caminhou até Jace e, para sua surpresa, colocou uma mão em seu ombro. Seu toque era quente, firme… mas vazio.
“Você sempre foi fraco, Jace. A gente só trouxe você porque achamos que poderia ser útil, mas… Olha só onde isso nos levou.”
Jace tentou falar, mas as palavras morreram em sua garganta.
A dor veio antes mesmo de perceber o que tinha acontecido. Uma lâmina atravessou seu abdômen, cortando carne e músculo. Ele engasgou, o gosto metálico do sangue preenchendo sua boca.
“Foi rápido,” murmurou Hector, retirando a lâmina. “Agora você tem uma chance. Se conseguir sobreviver… bom, talvez tenha aprendido alguma coisa.”
Jace caiu de joelhos, pressionando a ferida enquanto via as silhuetas de seus ex-companheiros se afastarem. Ele queria gritar, implorar, amaldiçoá-los – mas tudo o que conseguiu fazer foi ficar ali, sozinho, ouvindo os ecos de seus passos desaparecendo no escuro.
O tempo perdeu o significado.
A dor era insuportável. Sua respiração estava fraca, e ele sabia que, se fechasse os olhos, nunca mais os abriria.
O silêncio absoluto da masmorra foi interrompido por um som estranho. Um sussurro.
No início, pensou que era sua mente delirando. Mas então, a parede ao seu lado brilhou fracamente, símbolos místicos surgindo em espirais prateadas.
Jace piscou, forçando-se a focar. O que era aquilo?
Seu instinto dizia para se afastar, mas a dor e o desespero gritaram mais alto. Ele se arrastou até o brilho, sua mão tremendo ao tocar os símbolos.
A temperatura ao seu redor caiu bruscamente. Um vento impossível soprou da parede sólida, e um buraco negro começou a se abrir, devorando a luz da masmorra.
Uma voz profunda sussurrou ao seu ouvido.
"Você me encontrou."
O terror tomou conta de Jace, mas era tarde demais.
O portal engoliu tudo.
E Jace caiu.
Caiu em um abismo onde as sombras se moviam como seres vivos, onde vozes ancestrais murmuravam segredos proibidos. Seu corpo queimava, como se estivesse sendo reescrito, remodelado.
Ele tentou gritar, mas não havia ar. Não havia som. Apenas a sensação de que algo dentro dele estava se rompendo – e algo novo estava sendo criado em seu lugar.
Então, de repente, o vazio se dissipou.
Ele abriu os olhos.
E o mundo nunca mais seria o mesmo.